A obra mais linda (Dantas de Sousa) - conto

Ao se encontrar entre o grupo de convidados na sala de visitas, após o jantar na residência do odontólogo  Francisco das Chagas Carvalho de Alencar, no bairro dos Franciscanos, o professor Jaime Lacerda de Alencar, primo do dentista, resolveu puxar um assunto, de modo sério e impositivo. Disse ele para os presentes que já se foi o tempo em que os pais arranjavam casamento para os filhos. Mas, hoje, se algum rapaz, ou se alguma moça, quiserem encontrar alguém para namorar, terão que procurá-lo, onde namoros começam, como no próprio círculo de amizades, ou nos ambientes de convívio.  

- Mas aí onde mora o perigo, professor Jaime Alencar, divergiu do professor a senhorita Maria Alacoque Alves Moreira, professora de uma escola estadual, em Juazeiro do Norte. E esclareceu: - Mergulhar de cabeça num namoro só porque foi fisgado pelo outro, isso não é prudente. Os jovens deverão procurar alguém em ambiente onde há bons valores.

Diante dessa interpelação súbita, professor Jaime Alencar, que não gostava de ser contrariado, levantou-se da cadeira de balanço, indo se encostar à janela aberta, próxima à estante de livros. Dali, ficou a observar o Santuário de São Francisco das Chagas e, logo em frente da igreja, o Passeio das Almas, um corredor gradeado, o qual circundava à frente do Santuário. Por baixo da passarela coberta, jovens animados cantavam músicas católicas, acompanhados de dois violonistas.

Foi até bom para o professor Jaime Alencar ter ido até a janela, porque lhe fez arrefecer o impulso de revidar a professora Maria Alacoque. Entretanto, após curta reflexão, professor Jaime Alencar se contentou em não agredir a professora. Ainda bem que o coração do professor lhe antecipara que, naquela reunião de amigos, poderia se despertar uma obra tão linda que espalharia ensinamento para gerações.

Logo o professor Jaime Alencar se lembrou deste provérbio: não vá com muita sede ao pote, pois poderá quebrá-lo. Por isso foi que ele se valeu da prudência, a virtude que se apresenta, no ser humano adulto, como o sol do meio-dia.

Sorridente e cheio de si, professor Jaime Alencar deixou a janela, para se sentar no mesmo lugar. De modo cauteloso, dirigiu-se à professora Maria Alacoque Alves Moreira palavras elogiosas. Em seguida lhe pediu para eles dois conservarem a mesma amizade cordial de colegas de magistério. E acrescentou-lhe não ser de bom tom, já que ensinavam a jovens, trocarem farpas em ambiente social.

Por causa dessa sua ação, recebeu o apoio do dono da casa, doutor Chagas de Alencar. De voz solene, conferiu ao seu primo um morno elogio: de ele tentar ser gentil. Também a esposa do dentista, dona Adriana Alencar, inspirada nas palavras, apresentou a sua opinião. Segundo ela, nem sempre será fácil de começar e terminar namoro. Se não se explorar bem o aspecto saudável da amizade, pode ser que o namoro venha terminar rapidamente, porque logo um se decepciona do outro. E isso poderá evitar se, antes, os dois se esforçarem a ser bons amigos, tanto no namoro como no noivado.

Devido às palavras de dona Adriana Alencar, Maria Alacoque completou-as, ao explanar que namoro seja encontro de duas pessoas naquilo que elas são e não naquilo que elas possuem.

Instante de palmas ecoaram pela sala, as quais foram iniciadas pela dona da casa. Com rapidez de anfitrião, doutor Chagas de Alencar se animou: mandou buscar quatro garrafas de vinho branco e duas garrafas de champanha para comemorarem a sabedoria da esposa e a da professora.

Dona Antonieta, esposa do juiz de Direito, criou coragem, dirigindo-se à professora: “Mas fica claro que todas as moças de idade, ou não, querem namorar um rapaz bonito, culto. Só que, prima Alacoque, nunca se esqueça disto: O mais importante é invisível aos olhos”.

Enquanto os homens se serviam de vinho, as mulheres do champanha, a conversa se destacou por mais ideias. Branquinha, neta do doutor Chagas, se explicou: se uma moça quiser conquistar um rapaz só por causa da sua beleza, ou do seu dinheiro, pode ser que amanhã não se satisfaça mais só com isso. E ainda empolgou-se, ao sabor do vinho: “Às vezes, uma pessoa simpática, bem-humorada e feliz supera muitos que oferecem mais beleza e perfeição física”.

Já Régis Almeida, estudante de Medicina em Recife, protestou que infelizmente a nossa sociedade troca cultura da alma pela cultura do corpo. E se estendeu: “A prova disso é que as cidades, hoje em dia, estão se enchendo de academia de ginástica, salão de beleza, loja de cosméticos e outras coisas. Estão investindo até no que é inferior ao ser humano".

Até Joaquina, assistente social, solteirona, e que se abstivera do vinho e do champanha, pediu a palavra para filosofar que a felicidade não está na cor da pele, no tipo do cabelo, na altura do corpo, mas na grandeza da alma.

A fim de pôr ordem na reunião, descambando-se para a solta emoção, professor Jaime Alencar, depois de ter quase bebido sua garrafa de vinho, levantou-se do sofá, indo parar no meio da sala. Encarando os presentes ao redor de si, resolveu dar seriedade ao momento: “Meus caros amigos e caras amigas. antes da minha gratidão aos nossos anfitriões, por nos proporcionarem agradável debate de ideias, presencio, agora, nesta minha humilde visão da realidade, essa obra linda, chamada vida. Ó curta vida, mesmo que muitos a isto não apercebam. Por isso, não podemos gastá-la com aquilo que se acaba com o tempo”.

Todavia professor Jaime não esperava a seta de cupido, bem aplicada no seu coração. Após pôr a taça de champanha vazia sobre a mesinha do lado, a professora Maria Alacoque criou coragem: "Mas a obra mais linda, Jaime, e mais duradoura, é aquela que se constrói na alma, porque é imortal. Pois prestem atenção você e todos daqui: para escolher o seu namorado, a mulher não deve se prender à aparência física, mas deve descer-lhe até a profundeza da alma. Observar os valores, o bom coração, a tolerância a erros, o elogio a boas atitudes. Isso tudo não passará, e o tempo não poderá destruir".

Por incrível que pareça: duas semanas após essa declaração emocionante da professora Maria Alacoque, durante o memorável jantar na residência de doutor Chagas de Alencar, os professores Jaime Lacerda de Alencar e Maria Alacoque Alves Moreira iniciaram uma caminhada amorosa por estrada radiante de amor, a qual durou três anos e meio de namoro, sete meses de noivado. O casamento religioso ocorreu em linda noite de treze de maio, no Santuário de São Francisco das Chagas, de Juazeiro do Norte. 

Quanto prazer dos dois anciãos em seu casamento. Jaime Lacerda de Alencar e Maria Alacoque Alves de Alencar chegaram ao apogeu matrimonial: bodas de ouro. O filho único lhes presenteou a festa dos 50 anos de casamento num bufê da cidade. Ele, médico-cirurgião Alexandre Alves de Alencar, viera de Recife com a esposa e os dois filhos adolescentes.

Durante a comemoração no bufê, em meio a familiares, amigos íntimos e convidados,  doutor Alexandre distribuiu o livro, intitulado "A obra mais linda". Ei-la aqui, portanto, o excerto da obra dedicatória aos seus pais, a fim de que sirva de incentivo para jovens continuarem a beleza divina do amor conjugal.

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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