No friorento domingo amanhecendo, Aníbal Bento se acordou com o pensamento lhe bulindo a cabeça: “Ser carismático é habilidade que pode ser aprendida”. Essa frase lhe espantou o sono. E como não iria precisar de se levantar cedo, o rapaz preferiu ficar deitado em sua rede para seguir o caminho da reflexão. De olhos fechados, admirou-se consigo: “Que coisa, acordei com uma frase da reportagem”.
Após se enrolar com o lençol, por causa do zunido de muriçoca, Aníbal retornou ao texto da
reportagem. Ela se referia de como ser possível desenvolver a quantidade de
carisma de um indivíduo. E rápido veio-lhe à mente as sete dicas,
indicadas por um especialista de recursos humanos, para que um
indivíduo pudesse ser carismático.
Recordou-se da primeira dica: “Se enquadre por meio de metáforas”. Para Aníbal, essa lição do especialista lhe lembrou aquele emprego na loja de sapatos da Rua São Pedro. Havia sido despedido dele porque o patrão notara que ele, no atendimento aos fregueses, não ia direto ao assunto da venda, devido às suas sutis comparações. E, por isso, duvidou do especialista da reportagem. Resolveu, então, repelir as metáforas do especialista, a fim de conseguir o seu emprego.
Enquanto virava o corpo na rede para o outro lado, lembrou-se da segunda dica: “Conte histórias e anedotas”. Nem precisou de Aníbal ir longe. Recordou-se de quando trabalhara de garçom, por três meses, num restaurante conhecido em Juazeiro do Norte. Mais tarde, um ex-colega lhe confessou que o gerente lhe dispensara devido a ele perder tempo a contar fatos e piadas aos fregueses. E mais uma vez repeliu o especialista com o provérbio: "Quem escreve diz o que quer".
Crendo não mais dormir, Aníbal se sentou na rede. Logo apareceu a terceira dica: “Demonstre convicção moral”. Essa dica relembrou-lhe uma situação no passado. Ela lhe trouxe sofrimento: fora demitido do emprego do banco particular. O gerente ousara de escolhê-lo para os dois colocarem em prática o plano de mexer no dinheiro dos clientes do banco. Ainda bem que não aderira ao macabro plano. E logo confirmou, pela primeira vez, a dica do especialista, com convicção: "Ainda bem, Aníbal, que você foi despedido pelo gerente, e não caiu no erro dele",
Animou-se Aníbal para refletir as quatro dicas do especialista. Mas não conseguia se lembrar delas. Teve de ir à sala de jantar onde estava o jornal sobre a mesa da refeição. E leu com ânsia a quarta dica: “Compartilhe sentimentos de coletividade”, Aníbal Bento, após a leitura protestou alto: "Merda. Sentimento de coletividade é uma merda. Acabei sendo traído".
A traição ocorrera quando Aníbal Bento trabalhava numa empresa de ônibus. Durante uma greve, provocada pelo seu sindicato, ele foi seduzido por elogios de colegas, devido a sua assiduidade em atividades sindicais. Intrometera-se na mesa de negociações. Inocente, bateu de frente com empresários. Na hora do aperto, colegas de sindicato saíram de fininho de perto dele, deixando-o de calças curtas. E a empresa que trabalhava despediu-o. Nem ao menos lhe pagaram justamente. Explodiu: "Que danado. Eu quero obedecer à reportagem, mas só dou com os burros n’água".
Para não enfadar o leitor, devido a faltar três dicas de como ser possível desenvolver a quantidade de carisma de uma pessoa, Aníbal Bento ficou à deriva no mar da confusão de ideias. Encontrava-se desempregado há um ano e nove meses. Já não podia mais receber salário-desemprego. Havia batido em várias portas. Contudo se mostrava perseverante. Resolveu vencer o desespero com a convicção: "Vou seguir até o fim dessa reportagem".
Dirigiu-se à cozinha para fazer o café, preparar o lanche, ter ânimo de prosseguir na releitura da reportagem. E Aníbal se reanimou: "A reportagem irá me ajudar na entrevista marcada para esta segunda-feira". Diante dessa decisão, o rapaz passou o domingo refletindo sobre as últimas dicas do jornal. No desejo de se empregar na loja de eletrodoméstico da Rua São Pedro, ele sentiu a quinta dica lhe aumentar a força mental: “Defina altas expectativas”. A sexta lhe fez olhar para o mundo com fé: “Comunique-se com confiança”. Já a sétima o aconselhava: “Use artifícios retóricos, como perguntas, contrastes”.
Após uma semana de sua entrevista na loja de eletrodoméstico, Aníbal Bento recebeu a resposta negativa. Não fora admitido naquela loja da Rua São Pedro. Não lhe deram nenhuma resposta convincente por não ser admitido. Diante de tamanha decepção, ao sair da loja de eletrodoméstico cabisbaixo, Aníbal deparou-se com seu amigo de infância, Duda Carneiro. Ao vê-lo a tristeza do Aníbal, o amigo convidou-o a conversar ali perto, na Praça Padre Cícero.
A conversa no banco da praça girou na dificuldade para se conseguir emprego, na decepção da entrevista e da reportagem que Aníbal Bento encontrara no jornal dominical de Fortaleza. A reportagem havia lhe tirado o sono, porém o deixou animado com as dicas do especialista em recursos humanos. Retirou Aníbal do bolso da calça o encarte do jornal da capital. Desdobrou-o e, em seguida, pediu ao amigo para ler o texto.
Enquanto Duda Carneiro lia a folha de papel, Aníbal Bento aguardava ansioso, sem parar de esfregar as mãos uma na outra. Mas como o amigo demorava, Aníbal lhe pediu para ele ler o último parágrafo da reportagem. E Duda leu em voz alta: “Os autores da pesquisa enfatizam que não existe uma solução rápida para desenvolver o carisma. O treino deve ser feito diariamente, mas sem exageros, para não acabar criando uma caricatura de si mesmo”.
Duda Carneiro não compreendeu o que se passou dentro de Aníbal Bento naquele fim de tarde, na Praça Padre Cícero. Seu amigo se levantou de cabeça baixa, olhos lacrimosos. Andando trôpego, desapareceu no burburinho do final do expediente do centro comercial de Juazeiro do Norte. Deixou sobre o banco a reportagem.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.