Em cada aproximação de término de ano, todos desejam
vida nova. Na mídia, na rua, por toda a parte, só se ouvem pessoas a querer
algo de bom no novo ano. Procuram comprar presentes, reformar casas,
planejar viagens… Sonhos e metas que se entrelaçam dão ânimo à
vida.
Mas, para o dentista Vantuil Bonfim, assuntos como esses não lhe interessavam. Ao visitá-lo, pela primeira vez, em sua chácara próximo do aeroporto de Juazeiro do Norte, com o seu amigo Cornélio Matos, no penúltimo domingo do mês de novembro de 2012, deparei-me com um ser angustiado e pessimista ao extremo. Saí de lá não só atormentado, porém curioso para saber pouco mais sobre aquela sua previsão, tida, para ele, como certíssima de acontecer. E já que doutor Vantuil Bonfim, em nossa despedida, convidou-me com emoção a visitá-lo quando eu quisesse ir, decidi-me, então, dirigir-me sozinho para lhe fazer uma visita.
No primeiro domingo de dezembro, após eu ter encontrado com ele dois dias antes numa agência bancária, cheguei à sua residência, no centro de Juazeiro do Norte, às dezoito horas, conforme ele marcou para me receber.
Durante a visita, percebi atentamente ser doutor Vantuil Bonfim o intelectual apaixonado por suas ideias. Vivia imerso em leituras e muitos livros dispostos em estantes ou espalhados em seu, segundo ele, “gabinete de leitura”, atrás da casa, para não sentir o barulho do mundo físico. Mostrava-se ele mais apegado à leitura e ao estudo de espiritualismo do que à sua profissão de odontólogo. Enquanto conversava, ele transparecia ser conhecedor de espiritismo, esoterismo, gnose, rosacrucianismo, cultura hindu, egípcia e chinesa, astrologia, além de ciências ocultas e maçonaria.
Por outro lado, doutor Vantuil me impressionou por ser inimigo ferrenho do judaísmo, a denotar evidente antissemitismo. Como também da Igreja Católica Apostólica Romana e sua doutrina cheia de erros. Para ele o clero, a hierarquia do catolicismo, sobretudo os papas, eram homens perigosíssimos, farsantes e manipuladores. Não admitia homem de carne e osso, enfeitado e arrodeado de riqueza, fazendo-se de casto e puro, a desejar fama e ser reconhecido por ignorantes e analfabetos. E terminou a sua longa crítica ao catolicismo com esta declaração: "O Mestre hebreu fora somente um profeta, um espírito iluminado, um avatar, tendo ele passado por muitas reencarnações, através de mundos adiantadíssimos, até encarnar neste nosso pobre e atrasado planeta".
Observei doutor Vantuil Bonfim se mostrar nervoso ao comentar sobre o que iria ocorrer no dia 21 de dezembro de 2012. Em seu gabinete de leitura, de porta fechada, janela aberta para receber eflúvios que vinham do além, ele me confessou que, nessa data fenomenal, iria ocorrer fatos que alterariam o curso da história da Humanidade. Sentado na ponta da cadeira de balanço, referiu-me com convicção: “São profecias maias, meu irmão Evangelista Ramos. Estaremos, nessa data, a começar a viver o Sexto Ahau, isto é, o Sexto Sol, que começará neste próximo 21 de dezembro de 2012”.
Sem parar de falar, doutor Vantuil Bonfim discorreu-me
que o magnetismo do nosso planeta Terra seria alterado e abateria sobre ele um
gigantesco planeta, ou um imenso asteroide, dando lugar a uma acelerada
atividade solar sem precedentes, além de ocorrerem estranhas conjunções astrais
de caráter planetário e alinhamento da Terra com o Sol e o centro de nossa Via
Láctea. Sem descartar, por fim, que receberíamos uma potente radiação luminosa
com origem no centro da galáxia.
Ao vê-lo pausar a fim de acender seu cigarro diante
da janela aberta e, em seguida, soltar longa baforada, aproveitei para
alertá-lo de que essa e outras profecias não constituíram novidades na história
da Humanidade.
Enquanto ele puxava depressa tragada após outra, expliquei-lhe que, ao longo dos séculos, foram muitos pseudoprofetas, alardeadores do fim do mundo, os quais geraram grande inquietação entre os mais crédulos. Afirmei-lhe que perderíamos a conta se fôssemos averiguar quantas vezes o mundo já se acabou. Relembrei-lhe a profecia para o ano de 989, na Europa medieval, quando no avistamento de um cometa, a fé popular pensou na iminente segunda vinda de Jesus, depois de cumpridos mil anos de Seu nascimento. Recordei-lhe a profecia para o ano de 1033, no milésimo aniversário da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus. Relatei-lhe a profecia para o ano de 1843, segundo o fundador da Igreja Adventista, um norte-americano. Rememorei-lhe as várias profecias das Testemunhas de Jeová e a de um pastor coreano, para o ano de 1992. Não me esqueci, por fim, de lhe alertar que, durante a década de 1990 e início dos anos 2000, ocorreram muitos atentados, fatos violentos e grande número de suicídios em massa, motivados pela crença da iminente chegada do fim do mundo.
- Eu sei, eu sei disso, meu irmão Evangelista Ramos, penetrou na conversa doutor Vantuil Bezerra, após jogar o resto do cigarro pela janela e acender outro. - Sempre existiram seitas, assegurando que o Advento do Messias estava
próximo. São esses loucos, são esses míticos charlatães e espertalhões
que, como ocorrem desde tempos remotos, se beneficiam da credulidade de uns
tantos incautos.
A olhar-me fixamente, lembrou-se das profecias enganosas, todas de fundo religioso, todas provindas do cristianismo e motivadas por essa religião cheia de superstição. E completou: "Agora, a que eu lhe anunciei, essa sim, acontecerá, uma vez que está ligada à cultura maia, onde existiram muitos homens cultos e estudiosos".
Notei que a nossa conversa havia se aproximado do final depois que doutor Vantuil Bonfim falou durante duas horas e quarenta minutos de relógio. Mas ao lhe dizer que iria embora, porque o seu relógio de parede se aproximava da meia-noite, ele logo me alertou: "Deixe passar da meia-noite. É a hora de concentração das forças do Mal atacarem os seres humanos".
Ainda quis se estirar em seus assuntos espiritualistas. Eu me achava cansado, pois o odontólogo não pausava para me oferecer um copo d’água. Ainda bem que a sua esposa, dona Ana Bonfim nos alertou de tantas horas sem nós dois nos alimentarmos. Mostrando-se insatisfeito com o alerta da esposa, doutor Vantuil Bonfim me levou até a porta de saída da casa. Antes de se despedir de mim, sem parar de falar, sem prestar atenção a noite silenciosa da rua, ele concluiu seu converseiro: "Você vai ver, você vai ver, meu irmão Evangelista Ramos. São profecias de uma civilização milenar, que são os maias. Elas se realizarão, com certeza. Boa noite e volte sempre.”
Só que doutor Vantuil Bonfim desistiu de esperar a profecia dos maias. Na segunda semana de dezembro, sem deixar nenhuma comunicação por escrito, a esposa, dona Ana Bonfim, encontrou-o enforcado, na mangueira do quintal. Devido a isso, a esposa ordenou ao caseiro da chácara tocar fogo em tudo o que havia no "gabinete de leitura" de Vantuil Bonfim.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.