Para Valdir Carrasco, acaso era seu animal
de estimação. Só que ninguém descobria qual tipo de animal seria. Segundo
Carrasco, o bichinho o acompanhava para qualquer lugar que fosse. E essa ideia
lhe havia começado desde criança.
A mãe dele, mais cuidadosa que o pai, resolveu
levá-lo ao psicólogo. Não se sabe quantas sessões de psicologia Carrasco, conduzido
pela mãe, frequentou. Entretanto, ao chegar à adolescência, Carrasco, escondido
da mãe e do pai, acabou se mudando para o Centro Espírita Caminho da Luz. Nessa
casa de oração, Carrasco se empolgou com ensinamentos do presidente José
Correia da Luz. Um deles lhe chamou atenção: durante sessões
mediúnicas, havia multidão de espíritos sofredores, os quais vinham receber
luzes a fim de evoluírem-se a campos celestiais mais adiantados de espiritualidade
do que os terráqueos.
Pouco a pouco, no trabalho eufórico no
centro espírita, Valdir Carrasco passou a ser identificado como médium do
acaso. Carrasco se orgulhava de ter adentrado ao templo espírita devido
à obsessão pelo acaso. Para ele, indivíduo que buscava espiritismo
deveria se convencer de que fora conduzido pela mão do acaso. Além disso, em
cada passe que ele dava em alguém, seria para transformá-lo em ser espiritual,
iluminado pelo acaso e para continuar o caminho guiado pelo
acaso.
Quando sua família teve certeza de que Valdir
Carrasco, filho mais velho, frequentava centro espírita e delirava com esquisitice do acaso, a mãe dele, de tanto desgosto, caiu de cama, falecendo. Na hora da morte, a mãe dele a chorar não conseguiu vê-lo. Também
não chegaria a ver o que estaria para acontecer com o filho predileto.
Valdir Carrasco, agarrado ao pensamento dum sábio
espiritualista: “O acaso é a negação da hipótese”, passou a
repeti-lo constantemente. Foi demitido das duas escolas onde lecionava História,
porque declarou a alunos e professores que
conversava com o acaso. Além disso, nas pregações do centro espírita, deixou todos de cabelos em pé, ao afirmar que deus acaso lhe
incentivava para ele pregar ao mundo a obra do acaso. Devido à essa obsessão,
dividiu-se o centro espírita Caminho da Luz: uns o viam como novo profeta que
se reencarnara na Terra, para implantar a evolução do acaso na Humanidade; já outros, como lunático, conduzido pelos espíritos das trevas.
Sem mais aguentar com a loucura de Valdir Carrasco, o pai dele o levou para morar na casa de recuperação do evangélico. E foi ali que Carrasco conheceu Haroldo do Sonho, um adolescente internado. No primeiro dia em que os dois se conheceram, Carrasco lhe disse que só aceitara vir para a casa do evangélico porque o acaso lhe incentivou. Já Haroldo lhe revelou que o novo amigo iria mudar sua vida angustiada e tediosa.
Na casa de recuperação, usavam mesmos remédios, porém não sabíam nomes dos remédios nem pra que serviam. Aos finais de semana, recebíam visitas. Carrasco conversava pouco com o pai. E Haroldo pouco com a tia. Um dia soube da morte da mãe e que o pai foi embora.
Os internados não conseguiam se
entrosar com os dois. O evangélico, que vieram a saber ser pastor, começou
a lhes chamar de filósofos. Brincava assim: Carrasco do Acaso e Haroldo do Sonho. Interessante que a filosofia dos dois evoluiu na casa de
recuperação, a ponto de entrar em ebulição, Ao discutirem com pastor
Mourão, conselheiro da casa, acabaram os três a tocarem tapas, murros.
Diante disso, foram Carrasco e Haroldo expulsos da casa de
recuperação. Até que se alegraram, já que combinaram os dois sair pelo mundo a
pregarem o ecumenismo do Acaso com o Sonho. Mas quando o pai de Carrasco e a tia de Haroldo souberam o paradeiro dos dois amigos filósofos, uniram-se e convenceram pastor Mourão interceder ao dono da casa de recuperação, pastor Josiel Almeida, que triplicariam o pagamento da casa de recuperação. E pastor Josiel aceitaram de volta os dois adolescentes.
Daí em diante, conversas de pastores e pregações se tornaram obsoletas para os dois. Acaso e Sonho transformavam a mente de internos da casa. A teoria filosófica projetava iluminação mundial. Objetivo principal da teoria: a lealdade do sonho é o princípio do acaso; a pureza do acaso é o santificador do sonho de cada indivíduo. E de tanta felicidade numa das reuniões, gritaram bem alto em coro: Aleluia, Aleluia, Aleluia!
Pastor Mourão de tão alegre correu para abraçar os adolescentes efusivos. Aproximou-se gritando: Aleluia, Aleluia, Aleluia, irmãozinhos. Depois souberam que pastor Mourão apoiaram os internados rebeldes porque a casa havia recebido, para ser internado, José Correia da Luz, o dono do centro
espírita Caminho da Luz.
Daquele dia em diante, recrudesceu discussão
interminável a respeito do ecumenismo do Acaso e o Sonho com o Espiritismo. Partiram, então, para a conquista de outras denominações
religiosas.
Certo dia, chegaram uns homens e conversaram com o evangélico, pastor Josiel. Terminaram entrando em acordo. Foram todos da casa de recuperação do pastor Joziel para outro lugar mais largo, mais confortável. Assim, na nova casa de recuperação, Carrasco e Haroldo descobriram que respiravam entre espírita, evangélico, católico. Por isso, os dois filósofos caíram num desânimo total. Pois eles se uniram para transformarem os dois filósofos e, ainda, a todos os internos, em doentes mentais. Além de forte carga de autoridade sobre todos, estavam todos eles no bojo de ecumenismo imaginário de intelectual, de ecumenismo fundamentado na religião única, apoiada pelo espectro de globalismo político-religioso.
Mesmo que apresentassem a doutrina do Acaso e do Sonho, não quiseram ouvir Carrasco e Haroldo. Repeliram do ecumenismo o Acaso e o Sonho, uma vez que ecumenismo, para eles, deveria ter limites: opção por pobres, tornar-se uma ideologia teológica materialista, finalidade política e fermentada por cultura pagã.
Carrasco e Haroldo resolveram seguir caminho de pensadores livres. Mas terminaram levando os dois, à força, para um lugar novo que a nova direção construíram: a cela de hospício. Obrigaram a falar o eufemismo: centro de reeducação.
Na verdade, levaram Valdir Carrasco e Haroldo do Sonho para lá, como levarão quem defende livre expressão de ideia, de opinião. Os dois, ainda que no ostracismo do ecumenismo do Acaso e do Sonho observaram que, no lado de fora, havia uma pocilga onde convivem Ilusão e Utopia, duas colunas do bárbaro ecumenismo humano: materialismo, humanismo, niilismo, hinduísmo, budismo,
gnosticismo, paganismo, ateísmo, satanismo, esoterismo, espiritualismo,
rosacrucionismo, ilusionismo, iluminismo, existencialismo, cristianismo, espiritismo, modernismo,
marxismo, globalismo... Mas sem o Acaso e Sonho.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.