Deparei, no abrigo dos idosos, com a senhora sentada sozinha, no banco de
cimento, debaixo da árvore. Ao me aproximar, ouvi a voz dela, num português
delicado: "Você é bonito e educado. Eu, daqui, estava a mirar você”. A
mulher era bonita, educada, elegante. Trajava vestido amarelo de seda, cobrindo
as pernas. Com o dedo indicador, marcava a página do livro bem usado. Li a capa
dele: Senhora, de José de Alencar. Durante nossa conversa, ela nos confessou:
- Eu nasci numa família de posse, no agreste pernambucano. Cursei até o
Normal. Não ensinei porque me casei. Eu e meu marido tivemos dois filhos e uma
filha. Viemos morar aqui, em Juazeiro do Norte, porque meu marido foi
transferido como gerente do Banco do Brasil, para a agência daqui. Depois de
dois anos de aposentado, ele morreu do coração. Fiquei com o aposento dele, que
era muito bom, e mais alguns bens. Eu nem me preocupava com dinheiro. Mas, um
dia, meus três filhos, que moravam em Recife, me visitaram. Me convenceram para
ajeitar os nossos bens. Aceitei. Morava eu e uma empregada
solteirona. Ela fazia de tudo para mim. Meus filhos me diziam que não me
deixariam faltar nada. Assinei até documento, autorizando meu filho advogado a
resolver tudo por mim. E continuei a morar na nossa casa do centro. Só que meu
filho advogado veio me visitar sozinho e se desculpando que meu filho e minha
filha não puderam vir. Ele me chamou para passear. E ele veio até aqui comigo.
Eu não procurei acreditar no que havia ocorrido com aquela senhora. Mas
tive de crer. O filho advogado deixou-a no abrigo, sem lhe revelar nada.
Entregou a mãe ao dono do abrigo, com a mudança dela: quatro malas de roupa,
diversos livros, documentos pessoais e, por fim, o cartão bancário da mãe.
Convenceu o proprietário do abrigo que a decisão tinha sido da própria mãe.
Pois seria somente enquanto se fizesse a reforma da casa no centro da cidade.
Ainda o filho advogado prometeu ao dono do abrigo que estaria amiúde a
visitá-la.
Enquanto eu ouvia triste a história da idosa, o dono do abrigo
aproximou-se. E, ao escutar pedaço da história, ele mesmo quem a terminou, já
que a mulher chorava de cabeça baixa, com o lenço nos olhos:
- Os três filhos dela venderam a casa do centro e todos os bens dela.
Dispensou a empregada que ainda esperava por Dona Conceição. E o que eu sei é que
a empregada, todo começo de mês, vem pegar aqui um salário, porque foi um
pedido de dona Conceição para mim, até quando chegasse à sua morte, quando a
sua aposentadoria vai deixar de existir.
- Ainda bem que a Justiça nos ajudou a não perder a minha aposentadoria,
não foi Seu Carlinhos? - concluiu Dona Conceição nossa conversa, indo para o
seu local de descanso.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.