Boca da noite, antes da reza da Renovação do
Coração de Jesus, Seu Antônio Justo, o dono da casa, foi o primeiro que, na
roda de nove homens, sentados no alpendre, puxou história:
- Compadre Zuca deve se lembrar do que eu
vou contar agora, não é compadre? Aconteceu numa pega de boi que nós dois fomos
lá na Valença. Eu estava com tanta vontade de correr que me atrevi de
me enfiar na capoeira braba, de cristão ter receio de penetrar nela.
E me atolei naquele resto feio de mato, chega fazia crepe,
crepe, crepe, e a poeira tampando tudo diante da gente. Aí, quando avistei
o boião danado, disparei feito louco, desenganado da vida. O meu cavalo preto,
todo avoado, parecia foguete no rumo da lua. Aí, num deu outra:
consegui com essa minha mão direita aqui - naquela época eu era
um homão destemido da cabeça aos pés - e segurei firme no rabo do
ferrabrás. Mas só que eu mostrei tanta disposição - e eu era um homem fornido
- e sabe o que foi que aconteceu? Compadre Zuca se lembra muito bem,
porque vinha no meu calcanhar. Pois bem, eu puxei com tanta, mais tanta
valentia, o rabo do bicho que, quando eu dei por mim, eu estava com
a pele do bicho inteirinha na minha mão. E o diacho - ele só
podia ter parte com o demo - se desembestou sem a pele de cima do corpo e
desapareceu no meio do mundo, que nenhum de nós
viu ele mais.
Seu Antônio Justo, mal findou a sua história, a
roda se dividiu: uns caíram na gargalhada, desacreditando dele, enquanto outros
se mantiveram em silêncio. Ainda bem que Seu Zuca, sem perder tempo, começou a
contar o seu caso:
- Pior foi eu, pior foi eu. Me meti de ir pra um pega de boi na Paraíba,
aqui bem próximo da gente. Daqui, eu fui sozinho e Deus, numa burra que eu
tinha, e sem o consentimento de mãe - que Deus tenha ela num bom lugar.
Pois bem, minha burra era especial, toda ajeitada feito mulher nova. Depois
dela, nunca mais avistei uma como ela, e nem nunca mais possuí uma outra
daquele jeito de ser. Daqui dessa roda, só o compadre Antônio Justo chegou
a conhecer a Mimosa. Pois bem, quando eu aterrei lá onde eu disse que fui, o
povo botou pra rir de mim, que quase não se acabaram mais de rir de mim e da
burra. Mas, pra não encompridar conversa, porque eu não sou homem de
falar muito como político, os mandantes da pega deixaram eu me inscrever.
E mesmo torcendo nariz pra mim, eu enfrentei o pega mais a
burra. E sabe o que se deu? Pois foi como eu estou dizendo. Botaram pra nós
correr, assim de manhãzinha, raiando o dia, o boizão desse tamanho e
dessa largura (e mostrou para a roda, com as mãos, o formato do boi). E
eu não contei pipoca. Minha Mimosa, no dia, estava afoita,
de veneta. A Mimosa não correu, a bichinha fez foi voar feito gavião
com fome. Pra acabar logo o assunto, quando eu derrubei o valentão no chão,
parecia que eu estava era num outro mundo. Eu não via
nenhum pé de gente por perto, só aquele esquisitão da molesta. Aí, eu
amarrei o monstro num tronco de pau grosso, fornido, e saí na busca de gente,
puxando a Mimosa pelo cabresto, ainda inteirinha, mas soprando mais pouco. Só
que eu comecei a achar tudo que eu via pelo arredor estranho. Aí, eu comecei a
desconfiar. Mas não esmoreci não, porque quem vai pra chuva é pra se
molhar. Pois bem, depois de eu andar uma estirada, puxando a Mimosa,
aí eu botei meus dois olhos em cima duma casa de barro. Pois sabem o que foi
que se deu com eu? Quase que perdi meu juízo - e não sei como a
Mimosa não bateu a biela - eu só sei que eu quase caí por terra quando
o dono da casa me disse que eu estava pisando no Piauí.
O alpendre explodiu de verdade em tremenda risadaria. Foi algazarra só. E só baixou a poeira da gozação depois quando a dona da casa e outras mulheres anunciavam, aos berros, a chegada da rezadeira e a hora da janta antes da reza.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.