Numa
roda de amigos, Zé-de-dona-Bia, depois de ouvir Dedé-sapateiro lhe narrar um
fato, que passara consigo no Pará, quase o levando à morte, sorriu de alegria
por ver o amigo vivo. E fez comentário: “Essa história de Dedé-sapateiro eu
creio, sem duvidar, porque eu sei que, nesse mundo, tem cada coisa que só a
gente mesmo passa”.
Dedé-sapateiro se encheu de satisfação. Mas por
pouco tempo, porque Zé-de-dona-Bia ensaiou soltar a sua história. Ainda era
cedo da noite, a maioria das mulheres se achavam assistindo à novela da tevê,
um punhado de menino e menina corria dum lado a outro da praça e vizinhos novatos
da vizinhança se achavam sentados a conversarem num banco da praça.
- Agora eu posso dizer o que se passou com eu, lá
no Amazonas. Uma coisa muito difícil de passar com um vivo. Mas naquele
dia…
Zé-de-dona-Bia esperou Ribamar se sentar no
banquinho que trouxera de casa. E continou:
- Eu tinha acabado de chegar na beira dum rião. Era
manhã de domingo. Foi aí que resolvi enfrentar o rião. Eu sempre fui metido a
nadador. Antes de entrar na água, reparei onde tinha uma ponte. E, do lugar que
eu estava, vi uma. Era uma pontona. Parecia que ela ia dum lado a outro do
rião. Criei coragem nos peitos e parti na direção da pontona. Só que me deu uma
pontada de medo, porque não tinha murada nela, nem dum lado, nem do outro. Mas
mesmo assim levantou a coragem em mim. Desconfiei do chão dela: era como se eu
tivesse pisando em espuma. Lá adiante, parei um pouco pra ver quanto que eu
tinha andado. Atrás de mim, eu só avistava cotoco de árvore. Fiz o
sinal-da-cruz. Me bateu um arrependimento danado, mas tomei coragem pra
continuar. Pra que eu fui inventar de atravessar o rião. Quando vi que faltava como
daqui até ali no bar de Seu Anísio (a distância correspondia a mais ou menos
dez metros), foi que eu vi que era a cabeça da cobrona, descansando
na areia da margem. Eita, putaria. Na hora do pega pra capar, perdi todo sangue
quente que eu ainda tinha. Pensei logo no meu padrinho Ciço. Nem
deu tempo de lembrar da minha família aqui no Juazeiro. Pra acabar de terminar
minha conversa, eu dei um pulo tão bem pulado, que num sei como foi que eu
pulei daquele jeito. Quando eu dei por mim, eu estava num meio dum areal, só de
calção que eu tinha por debaixo de minha calça. E eu não sabia pra que lado
seguir, pra procurar ajuda, sozinho, no meio daquela mata. Eu via como se eu estivesse
tomado banho de areia da cor de carvão. Aí, eu saí andando abestado por dentro
da mata fechada, invocando meu padrinho e todos os santos. E foi assim que me
salvei: dei de frente duma aldeia de índio. Mas só um índio sabia nossa língua.
Depois dos índios me ajeitarem com comida, me cobrindo o corpo com uma esteira,
de tira de planta... Eu só sei que três índios me deixaram na margem, e me
botaram dentro duma canoa,. E eu segui de volta pro meu alojamento.
- E a cobrona, Zé-de-dona-Bia? - alertou-lhe
Luiz-arara. - Que foi feito da bichona? Ela foi embora com você?
- Vá se lascar, Luiz-arara. A cachaça está roendo
teus miolos. Vá tomar no teu...
Só não completou sua frase Zé-de-dona-Bia porque se
abriu a briga entre os dois. Ela, a briga, acabou a conversa. Resolveram todos irem
para suas casas.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.