Conversa em barbearia (Dantas de Sousa) - crônica

Ao se levantar da cadeira do barbeiro, o idoso diante do espelho, de sorriso feliz, camisa estampada, bermuda e sapatos brancos sem meias, exclamou, batendo no ombro do rapaz de cabeça baixa, aguardando o barbeiro chamá-lo para o corte do cabelo:

- Veja, meu rapaz. Meu espírito não deixa de ser jovem. Sessenta anos hoje eu completo. E eu com espírito de garotão.

O rapaz logo o contestou, ainda de cabeça baixa, enquanto se sentava na cadeira do barbeiro:

- Senhor, eu prefiro ser um indivíduo jovem e ter espírito de velho.

- Você não sabe o que fala, meu jovem. - alteou a voz o aniversariante, mostrando sorriso de ironia e altivez. - Jovem, como você, não sabe o que fala. Diz coisa sem pensar.

Na barbearia, pairou a nuvem da surpresa. Não sabíamos se o jovem iria ficar calado, ou se continuaria a enfrentar o idoso, que balançava molho de chaves na porta de saída. No entanto, antes de ele abrir a porta, o rapaz não se conteve. Pediu ao barbeiro pausa e o contrapôs:

- Eu sei que há setentões com espírito de jovem. Mas eu admiro jovens que possuem espírito de setentões sábios.

- Que eu tenho a ver com isso, meu jovem. É sua opinião. Você quer ter pinta de intelectual. Mas só sabe jogar palavra fora.

- Senhor, eu não sei quem é nem de onde vem. Mas como o senhor há pobre em espírito, a viver vida de adolescente, de superfluidade, de consumismo. Tem vontade de fama, de dinheiro, de poder. Se torna ridículo pra sociedade. Agora, jovem com espírito de adulto é rico em espírito. É prudente, educado, tem princípios. Não é tolo nem se expõe ao povo, com arroto de aparência, ou balançando molho de chaves, pra se esnobar.

Sem saber o que falar para o jovem, o idoso abriu a porta de vidro da barbearia e bateu-a com força. Após sair, retornou e mandou, em voz alta, o jovem para a puta que o pariu. Ainda o chamou de menino que nem deixou de mijar nas calças. Atirou-lhe na cara que ele era um tolo metido a letrado. Diante dos presentes, esnobou-o: 

- Eu estou lendo um livro muito bom, garoto. É dum doutor que sabe o que diz. Você devia ler livro de autoajuda, pra acalmar sua arrogância.

- Está vendo a prova, Ivan. - o jovem se dirigiu ao barbeiro. - Esse senhor lê livro de comerciante de felicidade, mas que levam a leitores angústia, incerteza, soberba. Deveriam era ler um que não foi escrito por mentiroso: a Bíblia Sagrada.

- Bíblia, e deu a gargalhada o aniversariante. - Mais um evangélico, decorador de Bíblia, enrolador de gente.

- Desculpe-me, senhor, sou católico. Leio a Bíblia para refletir a palavra de Deus, eterna e imutável. Depois, medito as palavras e coloco-as em prática.

O aniversariante ainda se esperneou, disse o que quis. O barbeiro, o jovem e mais três fregueses não abriram a boca. Enraivecido com o silêncio de todos, mais uma vez ele empurrou a porta de vidro com violência. Dirigiu-se para sua camionetona, diante da barbearia e acelerou-a sem dó dela.

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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