Conversa em beira de estrada (Dantas de Sousa) - crônica

Seu Quinco caminhava lento pela estrada de terra batida, de braços cruzados para trás e segurando a sua inseparável foice com a mão direita. Ao me ver a pé, aparecendo na curva, foi logo me saudando e de sorriso irônico:

- Doutor Morais, andando de pé, sinal de pouco dinheiro. - e agarrado a meu braço direito, apontou a mão esquerda para a estrada. Notei que ele me mostrava Chiquinho, rapaz velho, solteiro, andar pesado da gordura e costa de touro.

- Aquele ali, doutor Morais, tem dinheiro debaixo do colchão. Mas bolso de cobra. Ranzinza que só. Agora deu pra mostrar os bolsos. Mas estou com meus dois olhos nele, como um no gato, outro no rato. Só que agora creio que Chiquinho é que nem raposa passando necessidade.

Ao ouvir Seu Quinco atirar a primeira flechada em Chiquinho, resolvi demorar-me. E ainda lhe dei coragem para vê-lo lançar mais flechas. 

- Quando ontem botei o pé dentro de casa, dei de cara com Chiquinho na sala dos meus santos, passando manteiga no juízo de minha Corrinha. Avalie só. Pois eu logo fiz que entrei pra dentro de casa, mas fiquei foi encostado de costa na parede do quarto de mim dormir, apegado na sala, com minhas oiças pregadas nos dois. Aí Chiquinho continuou alimentando a fogueira: “Corrinha, eu sou homem trabalhador, com minhas mãos calejadas. Não sou vagabundo de rua não”.

- Parece que Chiquinho é homem direito, Seu Quinco.

- Doutor, o senhor não dá pra ser adivinhador não. É só médico de gente. Pois bem, a Corrinha, depois de Chiquinho acender a fogueira, ela pulou de banda e implorou: “Mas seu Chiquinho, deixe eu imaginar melhor. Estou com meu juízo meio atanazado. Nem sei se pai e mão me dão o aval”.

- E aí, Seu Quinco. - apressei a história.

- E lá pras tantas, doutor Morais, Chiquinho puxou o tição aceso pra Corrinha, dizendo: “A gente, boneca, no lugar de se casar, nós podemos se amancebar. Até pode ser bem melhor. Pois vamos fazer um contrato: de dia você fica aqui com os teus, ajudando, fazendo nossa comida… Mas, de noite, você vai lá pra casa, pra gente ficar debaixo do lençol”.

- Opa, Seu Quinco, agora que o caldo engrossou tudo se dá um jeito. As coisas vão se ajustar pouco a pouco.

- Mas espie só a conversa do doutor, levantou a voz Seu Quinco, dando uma foiçada numa cerca da beira da estrada. - A gente for esperar se ajustar um pau torto, doutor, aí a gente morre e o pau continua desajustado. Chiquinho, doutor Morais, ele é sem-vergonho. Pois espie só. Começou trazendo queijo lá pra casa. Depois umas galinhas. Depois uns ovos de capoeira. Pensou que ia engabelar nós. Mas a gente num tirava os olhos de cima dele. Ele vivia de olho comprido tempo todo pra Corrinha. Tõinha me dava sempre sinal. E aí o sedutor começou a fazer demora pra querer se arranchar. Mas eu sabia que um dia eu pegava ele na virada. Tudo tem seu dia. E foi quando ele estava alimentando mais de lenha a fogueira, porque sentia que Corrinha não estava querendo abanar ligeiro o fogo dele. Mas por outra parte, doutor, a Corrinha também não quer perder os alimentos trazidos por Chiquinho.

- Pois aí, Seu Quinco, tenha mais um pouquinho de paciência. Corrinha é moça de juízo. Ela está só deixando passar o tempo até Chiquinho se esmorecer. 

- É, doutor Morais, concluiu Seu Quinco, de braços cruzados para trás, a segurar a foice, e pronto para seguir estrada. - Nessa minha idade, doutor, eu só sei que todo bicho de saia tem seu dia de fraqueza. Hoje, Chiquinho agrada Corrinha com de-comer. E se ele der pra Corrinha uma linguiça com dois ovos, termina Corrinha ficando de bucho inchado e tendo de vomitar uma presepada de duas pernas, preu e Tõinha aturar. Num é mesmo não doutor? Do Chiquinho, doutor, o senhor não sabe nadinha. Ele não pode ver uma franguinha que já torna ela uma galinha feita pros galos do mundo. 

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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