Conversa em bodega 2 (Dantas de Sousa) - crônica

Zé-pequeno e Cabeça-de-prego discutiam na bodega, já pra lá de embriagados. Dentro do balcão, segurando o pau roliço de espantar cachorro e bêbado, Galego, o dono da bodega, prestava atenção aonde os dois iriam chegar com aquele alarido desgraçado.

- Deixe de tanta mentira, Zé-pequeno. Jesus não nasceu em Belém não. Nosso Senhor nasceu foi no estrangeiro. E Belém fica aqui no Brasil, bicho burro.

- Burro é você. Você não entende nada. Agora, pra derribar a sua burrice, Jesus nasceu foi no Natal.

- Eita, que tu, Zé-pequeno, prum jegue só falta o rabo. Que Natal que nada. Natal fica no Rio Grande do Norte. Já tive lá e nunca vi ninguém falar isso não.

Foi aí que Galego, de pau roliço em punho, não aguentando converseiro sem pé nem cabeça, pulou o balcão, expulsando os dois para o meio da estrada de barro. Mandou-os pro inferno pra se misturarem com os bodes de barba. Ao voltar para dentro da bodega, entupido de tanta raiva, por causa daquela vida no meio de alcoólatras, deparou-se com o seu Miguelito, seu pai, sem camisa e de rosário branco exposto no tronco cabeludo. Ele viera às pressas, pensando que estava havendo assalto na bodega.

- Pai, meu amigo, gritou Galego, atrás do balcão. - Agora o senhor vai conhecer um homem de cabelo na venta. Eu botei pra acabar, de vez por toda, com esses cães do inferno dentro da minha bodega.

Seu Miguelito ficou sem saber o que dizer. Somente agarrou no rosário e sentou-se no banco do alpendre, de olhos fechados. Naquele instante, o ancião ouviu o pau troar dentro da bodega. Galego começou a quebrar, com o roliço de pau, tudo o que era de garrafa de bebida alcoólica que havia na bodega. Enquanto fazia a quebradeira, bradava:

- Nunca mais, pai. Nunca mais, Seu Miguelito, esse Galego vai vender bebida alcoólica nessa bodega. Nunca mais quero ouvir as loucuras desses hereges. Daqui pra frente, aqui, na minha bodega, vai virar um céu, Seu Miguelito.

- E o teu fiado, meu filho Galego? - interrogou-lhe seu Miguelito.

- Meu pai, o céu que eu falo é não ter mais bebo, cachaça e nem esse frege todo aqui dentro da bodega. Seu Miguelito, quem vende fiado, sem ser de bebida alcoólica, é amigo de Nosso Senhor. 

Depois disso, Seu Miguelito correu para casa, vizinha à bodega, para contar a sua esposa, dona Mariquinha, que vivia a pedir a Deus que Galego acabasse com aquela bebedaria na bodega. 

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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