Zé-pequeno e Cabeça-de-prego discutiam na bodega, já pra lá de
embriagados. Dentro do balcão, segurando o pau roliço de espantar cachorro e
bêbado, Galego, o dono da bodega, prestava atenção aonde os dois iriam chegar
com aquele alarido desgraçado.
- Deixe de tanta mentira, Zé-pequeno. Jesus não nasceu em Belém
não. Nosso Senhor nasceu foi no estrangeiro. E Belém fica aqui no Brasil, bicho
burro.
- Burro é você. Você não entende nada. Agora, pra derribar a sua
burrice, Jesus nasceu foi no Natal.
- Eita, que tu, Zé-pequeno, prum jegue só falta o rabo. Que Natal que
nada. Natal fica no Rio Grande do Norte. Já tive lá e nunca vi ninguém falar
isso não.
Foi aí que Galego, de pau roliço em punho, não aguentando converseiro sem
pé nem cabeça, pulou o balcão, expulsando os dois para o meio da estrada de
barro. Mandou-os pro inferno pra se misturarem com os bodes de barba. Ao voltar
para dentro da bodega, entupido de tanta raiva, por causa daquela vida no meio
de alcoólatras, deparou-se com o seu Miguelito, seu pai, sem camisa e de
rosário branco exposto no tronco cabeludo. Ele viera às pressas, pensando que
estava havendo assalto na bodega.
- Pai, meu amigo, gritou Galego, atrás do balcão. - Agora o senhor
vai conhecer um homem de cabelo na venta. Eu botei pra acabar, de vez por
toda, com esses cães do inferno dentro da minha bodega.
Seu Miguelito ficou sem saber o que dizer. Somente agarrou no rosário e
sentou-se no banco do alpendre, de olhos fechados. Naquele instante, o ancião
ouviu o pau troar dentro da bodega. Galego começou a quebrar, com o roliço de
pau, tudo o que era de garrafa de bebida alcoólica que havia na bodega.
Enquanto fazia a quebradeira, bradava:
- Nunca mais, pai. Nunca mais, Seu Miguelito, esse Galego vai vender
bebida alcoólica nessa bodega. Nunca mais quero ouvir as loucuras desses hereges.
Daqui pra frente, aqui, na minha bodega, vai virar um céu, Seu Miguelito.
- E o teu fiado, meu filho Galego? - interrogou-lhe seu Miguelito.
- Meu pai, o céu que eu falo é não ter mais bebo, cachaça e nem
esse frege todo aqui dentro da bodega. Seu Miguelito, quem vende
fiado, sem ser de bebida alcoólica, é amigo de Nosso Senhor.
Depois disso, Seu Miguelito correu para casa, vizinha à bodega, para
contar a sua esposa, dona Mariquinha, que vivia a pedir a Deus que Galego
acabasse com aquela bebedaria na bodega.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.