Conversa em bodega 3 (Dantas de Sousa) - crônica

        Apesar de imundo, o rio Salgadinho estava se esborrotando pela estrada do Carité, a que vai dar no município de Caririaçu. Tanta água chega dava medo no povo. E Bregueço contava a quatro amigos de cachaça, no alpendre da bodega de Raimundim, um fato ligado à cheia do rio. Mas foi interrompido por Raimundim, vindo de lá do fundo da bodega, puxando trago no cigarro de fumo brabo:

- Já presenciei o rio Salgadinho, esse mesmo aí, parecido com o dilúvio de Noé. Vi gente morrer às pencas.

- Acho que você, Raimundim, sabe da história que vou falar. - bradou Bregueço, limpando a boca com as mãos, após a lapada da cachaça branca, fubuia do Crato. - A história do homem que morreu e apareceu vivo, depois de muita busca.

- Homem de Deus, eu assisti. Mas eu sei de uma melhor que a sua, adiantou-se Raimundim, se desencostando da parede. - Eu vi, aqui no Carité, nesse mesmo rio, que passa nas terras de Zé Miguel, padrasto do meu primo Mardoqueu, uma velha que trouxeram pra descobrir um homem, chamado Joaquim, e que a família pensava que ele tivesse vivo. A polícia estava toda cansada de tanto procurar o corpo. Aí a desconhecida velha, fumando cachimbo, dessas velhas rezadeiras, chegou com a cuia e vela. Ela botou a vela acesa dentro da cuia. Depois, a velha mandou soltar a cuia dentro do rio. Todo o mundo estava de olho na presepada da velha. Davam risada dela. Até a polícia e uns parentes do afogado. Só que não chegou duas horas. A velha não saiu do lugar onde estava sentada, calada tempo todo. Só espiava a cuia rodando, rodando, rodando em círculo, sem parar. A velha tirou o cachimbo da boca, gritou pros policiais: “Pode mergulhar, seus descrentes. Quem está falando aqui é a Sebastiana”. E a cuia só parou de rodar quando os guardas chegaram lá perto de onde a cuia estava rodando, e enxotaram ela pra longe, pra verem se podiam mergulhar.

- E aí, Raimundim. - gritou Bregueço, levantando-se com esforço, da murada baixa da bodega. - O homem bateu mesmo as botas?

Foi aí que Mala-velha soltou a sua:

- Tu não viu não, abestado. O Raimundim terminou de contar que a vela avisou pra velha e que depois a velha avisou pros guardas porque a vela já estava avisando pro mundo que a alma do homem que já tinha falecido estava voando no espaço, sem nem se importar com vela, velha, velharia toda da beira do rio. Avie logo, Raimundim, que a vela, que está acesa dentro da minha barriga, ela quer tomar mais uma da branquinha do Crato.

    Só pararam todos de gargalhar dentro do escuro da bodega, ao se abastecerem da fubuia, misturada com água. 

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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