Conversa em calçada 5 (Dantas de Sousa) - crônica

 

Na sombra da calçada, numa tarde de domingo, após a saída do doutor Guiné (apelido do advogado, já que ele era todo sardento. Mas o apelido só podia ser dito longe dele), Seu Rogaciano baixou a voz, para anunciar ao seu vizinho da frente de casa que iria lhe contar um segredo:

- Eu só confio no senhor, Seu Florêncio. O senhor é homem, não gaiato como doutor Guiné. Tenho o senhor como um cofre, que eu posso guardar o que quiser dentro dele.

Enquanto Florêncio agradecia as palavras de confiança, dona Tõinha, esposa de Seu Rogaciano, chegou à porta da frente, trazendo a garrafa de café e duas xícaras. Depois dos dois beberem o saboroso café de dona Tõinha, o marido esperou a esposa entrar, levando a garrafa e as xícaras, e calada, de rosto entristecido. Seu Rogaciano, então, deu início ao seu segredo:

- Vivo chateado com essa minha mulher, Seu Florêncio. Ela, do dia pra noite, botou na cabeça de não me querer mais. Que o senhor me diz, Seu Florêncio?

O amigo não lhe respondeu logo. No entanto, perguntou-lhe por que Dona Tõinha estava agindo daquela maneira com ele, um senhor de setenta e sete anos, marido de dentro de casa, que não possuía apetite sexual como quando era jovem.

- Peraí, Seu Florêncio, cortou-lhe as palavras o ancião. - Não adianta botar o carro na frente dos bois não. Mas o que tá acontecendo é que Tõinha foi perguntar pra nossa Madalena se eu estava doente das coisas do mundo. E Madalena, que não gosta de fuxicada, rebateu pra Tõinha que não sabia de nada e só sabia que eu estava doente da prosta, como o médico falou pra ela. 

- E aí, Seu Rogaciano?

- Aí, pra não encompridar conversa, Tõinha botou o pé pela mão, não quer mais saber do Rogaciano pra aquela hora. Entrou na cabeça dela, que estou com a doença de mulher da vida e que o doutor estava querendo engabelar ela com negocio da prosta. Mas prosta, Seu Florêncio, é doença de homem velho e não tem nada a ver com coisa de doença pegada de mulher da vida. 

- Mas como?... O senhor me mostrou seus exames. Eu não sou médico, mas vi que, realmente, é problema na próstata. Mas, Seu Rogaciano, quem foi então que botou essa conversa em Dona Tõinha?

- Ora, doutor, nesse mundo está cheio de diabo de carne e osso. Mas eu só sei que a Tõinha está fazendo fincapé pra não deixar eu pôr a mão no seu entreperna. Está parecendo que ela está me traindo.

- Não diga isso, Seu Rogaciano. Não diga mais isso. Dona Tõinha sempre foi uma mulher correta. E ela já está nos setenta. Eu vou dizer a verdade pro senhor: eu boto minha mão no fogo pela Dona Tõinha.

- É?... É mesmo? E se a sua Dona Rosinha tivesse com essas presepadas?...

- Calma, Seu Rogaciano. O senhor está com os nervos agitados. Eu entendo.

Seu Rogaciano baixou a pancada. Mas, dali a pouco, voltou a expor seu desabafo, mostrando-se inquieto com os dedos das mãos:

- Dois dias atrás, Seu Florêncio, inventei de chamegar nela. Nós dois deitados na cama, tarde da noite. Aí ela me repugnou. Parecia que eu estava cagado. Na hora não me aguentei. Me subiu uma raiva. E sabe que foi que fiz com Tõinha?

- Que foi, Seu Rogaciano. Meu Deus, Seu Rogaciano com raiva…

- Pois eu agarrei Tõinha pelas pernas, feita bezerra nova, e arrastei ela de vez pra fora da cama. Joguei ela no chão, como se faz com saco cheio. E ela, tempo todo, desaforada. Até berrou alto que a casa toda escutou: “Sai daqui, com essa tua aida. Sai daqui com essa tua aida”. Espie só. Mas de onde Tõinha tirou essa história de aida. Só se foi do inferno. Mas  que tem a ver prosta com aida?... Uma coisa eu digo ao senhor: eu não perdi minha força toda não. Meu bichinho se espreguiça quando avisto um xonhonhó.

Seu Florêncio explodiu uma risada alta. Mas calou-se ao ver Madalena surgir na janela da frente.

JN. Dantas de Sousa, Eurides. 

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