Kátia, ao preparar o almoço, liga para a cunhada:
- Nazaré, eu estava pensando agorinha. Nazaré foi
pro médico? Se você não foi, vai ter que ir. Não deixe de se tratar com o
médico do posto, porque tu pode pegar essa virose. Foi isso que eu pensei.
- …
- Não brinque cum essa virose não, Nazaré. Essa
virose quando vem não quer saber se a gente vai adoecer. Essa virose está
pegando todo mundo. Essa virose é uma virose difícil de sair da gente. Eita que
virose ruim essa. Se tu num for correndo pro médico do posto, essa virose não
vai se afastar de tu. Essa virose, Nazaré, termina se apregando bem direitinha,
como catarro nos peitos de menino pequeno.
- …
- Ei, Nazaré, mudando de assunto. A chuva daí foi
como a daqui? Pois a daqui deu goteira por tudo que é canto. Deu goteira na
cama dos meus patrões. O coitado do doutor João arrastou água pra fora até
quase dia clareado. O pobre está todo quebrado que nem sei o quê. Você sabe,
Nazaré, como é água. Entra sem nem pedir licença pra dentro da casa. Ela é ruim
pra sair pra fora. Só sai quando se empurra ela com o rodo.
- …
- Ah, eu sei, Nazaré, eu sei como é. Tudo pela hora
da morte. Avalie só, anteontem fui na feira daqui do meu trabalho e quase que eu
caio pra trás, cum tudo lá pra cima. A banana que eu pensava que ainda estava
barata, pois nâo tinha uma que prestava. Todas do tamanho do dedo mindinho. Mas
bom o que eu vi, Nazaré. O vendedor onde
compro banana, roubaram o coitado. Na hora que ele foi passar o troco. Foi
assim: ele tirou do bolso a mão cheia de moeda. Avalie só, Nazaré. Ele achou
seis botãos, no meio das moedas. Os botãos chega brilhavam. Ele ficou todo sem
jeito. Olhou pra eu, pros freguês, desconfiado, nervoso, e terminou dizendo,
Nazaré: “Eita que mundo desgraçado. Me engabelaram com essa ruma de botão”. Num
deu pra nós achar graça dele...
- …
- Esse mundo, Nazaré, esse mundo é pros sabidos.
Pois é, Nazaré, tenha muito cuidado, muito mesmo, com essa virose. Vá logo
correndo pro médico, que essa virose pode te engabelar e não pense que ela é
uma gripezinha, porque essa virose pode levar você pro hospital. Vá logo,
Nazaré, não confie nessa virose não, vá logo, que só eu sei o que essa virose é
capaz de fazer com a criatura. Apesar de eu não ter pegado essa virose, só eu
sei como essa virose castiga a gente, fazendo pior estrago que a chuva de ontem
à noite, de mais de cem milímetros, fez com o canal de lá do Crato, alagando a
cidade todinha e lixo espalhado pelas ruas, que num se acaba mais. Pois é,
Nazaré, eu agora vou ter de desligar meu celular, porque tenho ainda um monte
de coisa pra fazer e depois eu ligo de novo, pra saber o que o médico lá do
posto te disse dessa virose. Num brinque não, Nazaré, com essa virose. Nesse
tempo de chuva, essa virose vem que nem barata dentro de casa, que é preciso
que eu esteje o tempo todo limpando a casa a toda hora, pra não deixar as
baratas entrarem, como essa virose faz. Um beijo, Nazaré, e depois eu ligo pra
saber como foi teu problema com essa virose. Essa virose é uma coisa muito
séria, Nazaré. Tchau, cunhada. Te cuide cum essa virose, te cuide. Vou
apagar a panela que a comida parece que está queimando, viu, viu?
E Kátia, mesmo agoniada com as panelas no fogão,
cantava, por pedaços, uma dessas malfeitas e popularescas canções, de uma das
insossas bandas de forró, surgidas neste nosso Ceará.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.