Conversa em dia de feira (Dantas de Sousa) - crônica

 

Saindo da feira da Rua Santa Luzia, Neco se encontrou com a cunhada Jasmilinda, Em meio à conversa dos dois e entre o barulho do aglomerado de gente, Jasmilinda filosofou: "Espinho quando tem de furar, Neco, já de pequeno traz a ponta. E pau novo, pode um dia ser cipó. Mas cipó não pode ser pau novo".

- Isso é a mais pura verdade, Jasmilinda. - e também Neco mostrou saber filosofar: - Quando criança, já vem com destino meio pesado. Aí, é pau que não se quebra nem se verga mais nunca.

- E é a mais pura verdade, Neco. Como Conceição se parece com bicheira de pé de chifre no gado. Bicheira de pé de chifre ninguém nunca cura não, porque não se mata o bicho, porque ele sobe é pra cima. Só mata se o chifre cair pelo chão.

- Você tem a mais pura verdade, Jasmilinda. Desde criança, Conceição era pessoa abonitada. Mas por essa eu nunca esperei não. Essa história pegou todos nós da rua de supetão. Avalie só como a pobre mãe dela não está com a cara nos pés, de tanta decepcionada.

- Você que pensa, Neco. O que se deu com Conceição foi mais por culpa da mãe dela, que deixava a filha como jerimum no mato. Aí, quando desconfiei, fui falar com a mãe dela: “Ô Soledade, tua filha Conceição está num chororô tempo todo”. E eu joguei, Neco, uma verde pra Soledade: “Foi comida que fez mal a tua filha, pra que ela anda se arripugnando tempo todo?”.

- E o que ela respondeu, Jasmilinda? - perguntou curioso Neco.

- Ela me passou na bucha, Neco, sem tirar os olhos demim: “Quando tu vem, Jasmilinda, cum teus cajus, eu já estou indo com as minhas castanhas. Tu vai ver, tu vai ver: minha filha Conceição vai se casar, por bem ou por mal”.

Neco encompridou conversa:

- Soledade nem sabe quem é o povo do sedutor, Jasmilinda. Eita  povinho cheio de arruaça. Gosta de um pega pra se danar e jogar os outros no fogo.

- Neco, isso é a mais pura verdade. A família de Paim e Soledade está mais por fora do que batente de porta. Na família do sedutor, a começar pelos talos graúdos, tem de tudo o que a gente nem pode imaginar. Inveja e raiva nunca morre por lá. Toda vez que dou de frente com o velho ou a velha, faço bem rápido, nas costas dos dois, o “Pelo sinal da santa cruz / livre-nos Deus, Nosso Senhor / dos nossos inimigos”. E sanda rezo depressa: “Água bate na pia / Meu bom Jesus tá no altar / O que vir de mal contra mim / Arreda preu passar”.

- Agora, Jasmilinda, é a mais pura verdade. Raça de gente de olho amarelado, com pinta escura no olho, não é gente que se bote fé. Coitada de Conceição, termina comendo o que o diabo não come. Depois, a gente conversa mais.

E os dois deixaram a feira, levando cada qual consigo os sacos plásticos cheios.

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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