Conversa em roça (Dantas de Sousa) - crônica

Dois homens pararam de trabalhar, roçando o mato. Debaixo do juazeiro, enquanto comiam pedaços de rapadura com farinha, conversavam:

- Mas quedê a tal chuva, meu compadre Zeca? Céu todo num azulado só. A terra está se esturricando. Calor no mundo acabando com tudo. Os bichos de quatro pés estão se sentindo fraco.

- Pois é, compadre Bastião. Deus lá em cima está vendo tudo. 

- Já aqui só se vê carestia matando mais que a morte. Os preços lá em cima. Dono de bodega com tudo pela hora da morte. Tem mais jeito não, compadre Zeca.

De repente, calaram-se os dois. Ao encontro deles, vinham pela estrada, conversando, dando risadas, duas moçoilas. Cada qual conduzia a lata seca sobre as cabeças, em busca do rio, quase secando. Os xortes  das mocinhas eram do tamanho dos de boneca. Tiras  de pano cobriam seios delas, como se fossem miniblusas. Aquilo causou revolta no compadre Bastião:

- Pronto, compadre Zeca. Taí a perdição do mundo. Nós estamos no fim do mundo. Tudo desembestou como cavalo brabo solto, sem rédea. Falta pouco pra homem e mulher andar nuzinho, sem cobrir os proibidos. 

Compadre Zeca aprovou o amigo no balanço de cabeça. E protestou:

- Eita, compadre Bastião. Pensa que o mundo está ficando velho, mas ele está revirando os tempos de antigamente. Que mundão doido é esse, meu compadre.

A conversa deu por fim quando Luís do Carité, que estava deitado na sombra da árvore ao lado, sem dormir e só ouvindo os dois, jogou sua filosofia:

- O mundo é um relógio teimoso. Deus bota os ponteiros pra andar pela direita. Mas os ponteiros vão pela esquerda. Deus bota de novo eles pela direita, mas eles teimam rumando pela esquerda. E assim vão, até que Deus se cansa e não dá mais corda no relógio. 

Pelos olhares dos dois amigos, eles não entenderam nada do que Luís do Carité quis dizer.

JN. Dantas de Sousa, Eurides.

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