Depois do animado e demorado almoço, Pedro Duda Aguiar, antigo funcionário da tesouraria da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte, reabriu conversa com Manuel Inácio Gonçalves, que viera de Recife, recém-casado de segunda união, a fim de passar a última semana de férias na encantadora chácara do amigo de infância Pedro Duda.
O dono da chácara, esparramado no seu predileto sofá da sala de visitas, comentou para o amigo que boateiro é indivíduo maléfico à sociedade. E lembrou-se do amigo Zé-baixinho, motorista de caminhão de aluguel, o qual ainda morava na Rua Nossa Senhora de Fátima, bairro dos Franciscanos. O otário, já setentão e avô, não desistira da mania de propagar boato. E conclui deixando o casal curioso: "Ele acabou caindo no atoleiro da desgraça. Sua imprudência fez ele sofrer. E muito".
Odorina, a companheira de Manuel Inácio, foi mais além: desprezou a lamentação da mulher de Pedro Duda, sobre a separação conjugal do filho mais velho. Sem se importar com o olhar reprovador de Manuel Inácio, indagou a Pedro Duda sobre o que de tão grave acontecera com o senhor do caminhão. E ela esperou alimentar a sua curiosidade.
Por breve instante, a atitude inesperada e indiscreta de Odorina chegou a causar forçado silêncio na sala de visitas. De modo humilde, dona Rosinha Aguiar tratou de servir café para os dois homens e refrigerante para a hóspede. Aos poucos, porém, veio a pairar, dentro da sala, a fragrância suave da harmonia de antes. Olhando fixamente para o amigo, Pedro Duda retornou o assunto sobre Zé-baixinho: "Só que seu último boato pegou fogo. Teve de fugir às pressas. E só voltou pra família três anos depois".
Bem que a sabedoria do povo diz: Quem anda a chutar pedra qualquer dia vai quebrar o pé. Foi por aí que se deu com Zé-baixinho. Para azar dele, espalhou o adultério de uma mulher conhecida no Cariri, tida como das mais elegantes e esposa de um próspero comerciante de armas. Por causa da confusão, morreu louca. Chamava-se Margarida Viana. Terceira mulher do comerciante, mais nova do que ele vinte e dois anos anos. Moravam numa casa espaçosa, lindíssima, de muro alto e cerca elétrica.
Na cabeça de Zé-baixinho, o flagrante da traição conjugal de Margarida Viana foi como se ele houvesse achado uma botija. O motorista tivera a sorte de presenciar o ocorrido numa noite de agosto, de madrugada, enquanto ele vinha a pé, sozinho, do velório de um colega motorista. Já pouco distante da casa de Margarida, ele avistou um homem, de boina e casaco preto, saindo a pé, tranquilamente, pelo portão da frente.
Para não ser visto, Zé-baixinho acompanhou-o disfarçadamente. Antes do ultrajante cidadão entrar no seu carro, estacionado no segundo quarteirão, debaixo de uma árvore, com pouca iluminação, conseguiu ele identificar ser doutor Maurício Sabiá, famoso médico de Juazeiro do Norte, além de político conhecido no Cariri cearense.
Carregando o seu precioso achado, Zé-baixinho chegou à sua casa e guardou toda a cena debaixo do travesseiro. Não contou nada para a esposa. Mas ao amanhecer do dia, abriu a tampa do silêncio e narrou o ocorrido, em forma de segredo, para o dono da padaria da esquina, quando foi comprar pão para o café da manhã.
Durante o dia, saiu a presentear aos amigos a traição de Margarida. Não se esquecia de, ao final de cada relato, comunicar a famosa senha dos boateiros: “É segredo”. E não durou uma semana para a história bater nos ouvidos de Margarida Viana de Alencar.
A esperta mulher, sem procurar alardear e, ainda, a meditar bocado de tempo, finalmente tomou a decisão de chegar até o autor do boato. Discretamente, pôs em ação seu secreto plano: atrair o quanto antes o boateiro para uma conversa íntima. Até que conseguiu encontrar Zé-baixinho na Rua São Paulo, no centro da cidade, enquanto ele aguardava carreteiros encherem a carroceria do seu caminhão com sacos de arroz.
A mulher se apresentou ao motorista como quem desejava contratá-lo para uma mudança residencial. E resolveu tocar no cruel assunto. Nem ao menos esperou Zé-baixinho se explicar para ela. Rápido, sacou o planejado aviso, deixando-o mais branco que leite. Segundo ela, o marido iria tomar satisfação com ele, arrastá-lo para uma conversa séria, já que o motorista era quem estava com insistentes assédios sexuais para com ela. E lhe deu o ultimato: "Se prepare. Se eu fosse você, caía no meio do mundo. Meu marido arranjou dois homens de cabelo na venta".
De volta ao seu lar, Margarida Viana, entre nervosismo e revolta, participou ao marido a história dos insistentes enxerimentos de Zé-baixinho para com ela. Fez a cabeça do companheiro, que lhe prometeu dar fim no sedutor, de um jeito ou de outro. E o negócio piorou para o lado do motorista. Ao ir ele procurar o marido de Margarida Viana para consertar a história, eis o resultado: o comerciante não aceitou a conversa de Zé-baixinho e se aliou a doutor Murilo Sabiá.
Os dois, então, na companhia de dois caras mal-encarados, bateram à porta da residência de Zé-baixinho. A sorte do motorista lhe foi a esposa. A coitada, tremendo-se de medo, avisou ao marido, antes de abrir a porta da casa. Para não vê-lo morto, pediu-lhe que fugisse às pressas, pulando o muro do quintal das duas casas vizinhas. E Pedro Duda deu mostra de terminar a sua história: "Zé-baixinho só retornou para a família muito tempo depois".
Mas Odorina, sem olhar para o marido, não saciou a curiosidade. E, dessa vez, Pedro Duda explicou-lhe com paciência. Após o fato correr pela cidade de Juazeiro do Norte, a confusão, sem mais Zé-baixinho, desandou. Sabe-se que o comerciante marido de Margarida Viana recebera uma carta anônima sobre a traição da esposa com doutor Maurício Sabiá. E os dois, ao se encontrarem numa encruzilhada de uma estrada, sem ninguém para assistir, terminaram trocando tiros. Os dois, do lado de fora de suas camionetas, até morrerem.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.