Falar demais leva cacete (Dantas de Sousa) - crônica

Quando o ônibus, vindo de Barbalha para Juazeiro do Norte, parou num ponto da Avenida Leão Sampaio, seis pessoas se espremeram entre passageiros. Por sorte, um deles conseguiu o assento ao lado da senhora de cabelo cor de caju, comprido. Portava ela brincos dourados, unhas pintadas de vermelho-escuro e batom da cor de pimenta malagueta. Seu vestido era florido, com cinto largo de couro preto, e decote realçando polpudos seios. E logo que o motorista voltou a andar poucos metros, a senhora começou a falar alto:

- Eu já disse, e repito de novo a vocês dois. (Os dois a que ela se referia eram dois rapazinhos, sentados no banco de trás) - A merda do pai de vocês fez bem ele ir embora de casa. Agora deixei de ser égua. Vou revirar o mundo de cabeça pra baixo. Ninguém me segura.

- Que é isso, mãe. - advertiu-a o da janela, parecendo ser o mais velho. - Deixe disso. Nâo tem nada a ver. Não invente de se virar numa coisa que não presta. A senhora está velha.

Um gaiato, lá de trás, meteu-se na conversa:

- Dona Maria, a senhora devia se acalmar e tomar conselho do seu filho.

Outro completou:

- Dona, quem gosta de velha é fundo de rede.

Já o mesmo filho quis consertar o deboche dos passageiros:

- Tá vendo, mãe. Quem fala demais leva cacete. 

- Cala tua boca, menino desaforado. E que é que tem se eu levar cacete.

O velho, no banco da frente, virou-se para trás a sorrir e adiantou-se:

- Pois eu aqui estou pronto pro que der e vier. Sou viúvo e desimpedido.

A mulher revidou de pronto:

- Crie vergonha, velho enxerido. Tu já tem a linguiça caída. Não sou mulher pra me trocar com um repugnante como tu.

- Amorzinho que pensa, adiantou-se o velho. Esse daqui foi criado com cuscuz com leite, caldo de mocotó, feijão com toucinho… Não sou esses frangotinhos de hoje, não.

Algazarra entupiu o ônibus: palavras de baixo escalão, ditos pornográficos, gargalhadas. Foi preciso o motorista parar o ônibus diante do “shopping” e. em seguida, levantar-se devagar, por causa da barrigona. Diante da mulher, com o indicador para ela, repreendeu-a:

- Ô minha senhora, tudo isso se deve a você. Desde que saímos de Barbalha... A senhora devia ter jeito de uma senhora. Seus dois filhos estão morto de vergonha.

Silêncio total dentro do ônibus. Mas a mulher não deixou por menos:

- Pois o senhor devia deixar de ser atrevido. Volte pro seu lugar. Não se meta comigo, não. E falo o que me der na telha. E ninguém me empata.

- Mas, senhora, aqui é um ônibus que anda no meio do povo. Deixe desse converseiro pra quando a senhora tiver no seu cabaré.

Piorou o negócio de vez. Quatro passageiros se levantaram apressados: a mulher, seus dois filhos e o velho. Partiram para dar lição no motorista, que nem pensou no peso da barriga: correu para seu volante e agarrou o cacete roliço, de madeira, a fim de se defender.

A mãe, os dois filhos e o velho pararam de repente. Mas um passageiro, que não dava para vê-lo no meio dos outros, soltou a inoportuna graçola:

- Eita que cacete bom esse do motorista, dona Maria. Esse aí dá pro seu  experimento.

O velho se meteu, para defender a mulher:

- Seu viado. Mostre tua cara preu socar o cacete do motorista no teu escape imundo.

Ainda bem que, passando a viatura da polícia, ao lado do ônibus, o motorista deu sinal, com o braço, para ela, e gritou  para o soldado da porta. Ele parou o ônibus, desceu, conversou com os policiais dentro da viatura. Dois policiais foram ordenados irem dentro do ônibus, com os passageiros. Assim, o ônibus, em silêncio, seguiu trajeto. Adiante dele, a viatura com dois policiais. De ponto em ponto, foi descarregando passageiro até a condução parar no ponto final, próximo a Praça Padre Cícero. Desceram a senhora, os dois filhos dela, os dois policiais, o motorista e o cobrador.

JN. Dantas de Sousa, Eurides. 

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