Dois
aposentados, de chapéus de palha, conversavam na esquina, debaixo da acácia
verdejante. Ao me aproximar deles, percebi a moçoila magra, de pernas
compridas, de xorte, sentada no meio dos dois. O da direita dela era magro,
brincalhão, desses que gostam de tirar brincadeiras de mau gosto com mulheres.
Envergonhada diante de mim, devido às tiradas picantes do idoso, a moçoila
resolveu ir para casa. E logo que ela entrou em casa, o brincalhão me anunciou:
-
Essa bichinha magrela, mestre, cara de menina cheirando a leite, nem parece que
tem quatro meninos. Trepadeirazinha que nem a peste. E nenhum
dos meninos não conhece nem a venta dos pais.
O
outro aposentado, de nome Luís Pequeno, protestou:
-
Peraí, Assis, você nem deixou o assento da menina esfriar. Deixe dessa mania de
falar de menina, de moça, de casada e até de separada.
Eu sei por que você fala daquela coitada assim: é porque ela não te
dá a melancia pra tu enfiar tua faca nela.
Assis
não abriu a boca. Foi logo apontando para outra que passava pela calçada do
outro lado da rua, puxando uma criança a andar bem devagar. Explicou-me que a
mulher, com jeito ainda de ameninada, já teve quatro filhos, cada qual de pai
diferente. Ela se juntara mais um viúvo de setenta e oito anos, com benefício
do governo, sem mais força para brincadeira, e que se fazia de cego e de surdo
para não querer saber de chifrada. Tinha mais, a irmã da mesma mulher
ameninada, e bem mais nova que ela, começara a abrir as pernas aos doze anos e
já havia tirado da barriga para o mundo três meninos, sem nunca eles ouvirem a
voz de pai.
-
Aqui nesse nosso bairro, mestre, completou Assis para mim, e já se
levantando para se retirar. - Aqui, tem de tudo: tem jumento de lote com tatuagem no
lombo. Frangote com cabelo de jogador da seleção. Aviadado se diz,
mas embuchador da moléstia. Essa mulherada de hoje, mestre, se
derrete só com cheiro e agarro. Aí, pra ser furada, é só um trisco. E a
história é a mesma: a inchação da barriga, e por aí vai.
Ao
terminar de falar, Assis se afastou de nós dois, sem dar ouvidos para as
advertências do amigo aposentado, afirmando-lhe que ele ainda iria cair numa
enrascada por causa de sua língua sem freio. Só que mal o falador desapareceu
na outra esquina, Luís Pequeno soltou a língua para mim. Primeiro me preparou:
ele não apreciava bater a língua nos dentes a respeito de vida alheia,
principalmente de vida de mulheres. Depois, penetrou na vida das moradoras da
rua, terminado assim:
-
Eu não queria me puxar nesse converseiro não, amigo. Assis foi que
puxou. Eu só espichei porque senti que o amigo ficou nas reticências,
querendo que eu carregasse mais nas tintas. Pois eu só quis mostrar ao
amigo como as de hoje são. Também, meu amigo, a brincadeira é de graça, não precisa
de pagamento pra se brincar de vute-vute. Hoje em dia, não carece mais de se
esconder como antigamente. E como a coisa se desenrola sem fôlego, taí pra se ver: todo mundo como bicho bruto, no meio da rua, e ninguém nem aí. E
tem mais: e não é só homem com mulher e mulher com homem. Mas viado
com viado, sapatona com sapatona, e o cruzamento de homem com viado e viado com mulher, sapatona com homem e com mulher. E dizem que no meio desse povo todo tem um monte que se agarra com bicho que não fala. Só Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo
e de nós todo, é que dá jeito. Pode se preparar o amigo prum futuro
acinzentado. E nós vamos se lascar igual o que Deus fez com a Sodoma.
Luís Pequeno me pediu desculpa para ir à casa dele, beber seu cafezinho para fumar. Convidou-me, porém lhe agradeci o convite e continuei meu passeio matinal até meu bairro Limoeiro, refletindo sobre aquele previsto futuro acinzentado.
JN. Dantas de Sousa, Eurides.