Há muito tempo, viveu um filho, que pediu ao pai a herança que lhe cabia. E, recebendo-a, amolou o facão. Depois, pegou o bornal e caiu no mundo. Ele era tão forte, tão forte mesmo, que todos o chamavam de Arranca-toco.
No caminho, Arranca-toco deparou com outro rapaz muito forte também. Aquele rapaz estava torcendo uns coqueiros, “de mãos limpas”. Por isso, era chamado de Torce-coqueiro.
Após as apresentações, Arranca-toco convidou-o a acompanhá-lo. E ele imediatamente foi. Mais adiante, avistaram os dois um outro sujeito, que torcia cipós grossos, com grande facilidade. Como aquele também viajasse, a fim de ganhar a vida, Arranca-toco convidou-o a que ele se integrasse ao grupo. E Torce-cipó, prontamente, aceitou. Fizeram os três uma casa na mata. Aí, enquanto os dois iam caçar, um outro ficava na cozinha. E haja comida para matar a fome daquele três. Tanto fazia boi como boiada.
Na vez em que coube a Torce-cipó cuidar da comida, enquanto o tacho fervia, apareceu-lhe um bicho feio, dos olhos de fogo, fumando num cachimbo. O bicho, no formato de um dragão, com dentes de leão e orelhas de jumento, já chegou berrando:
- Quero comida! Quero comida. E muita.
Torce-cipó não se assustou:
- Aqui não tem comida para você.
O bicho nem quis saber de nada: empurrou o Torce-cipó, pegou o tacho ainda quente e revirou a comida fervendo, na boca. Em seguida, apanhou todas as brasas do fogão, pôs no cachimbo e saiu fumando.
Assim que Arranca-toco e Torce-coqueiro chegaram e perguntaram pela comida, Torce-cipó contou a história do bicho. E o descreveu em detalhes.Mas Torce-coqueiro não se convenceu e disse ao cozinheiro:
- Ele tomou a comida porque você não foi homem para encará-lo. Agora, dessa vez, eu é que vou ficar na cozinha. E quero ver se esse demônio vai fazer alguma coisa.
Enquanto Arranca-toco e Torce-cipó estavam na caça, Torce-coqueiro ficou cozinhando, morto de alegria, esperando o tal do bicho feroz aparecê-lo. E aconteceu como da primeira vez: após empurrar o rapaz, o bicho foi, pegou a comida quente no tacho, revirou-a na boca. Apanhou as brasas, pôs no cachimbo e foi embora, zombando do derrotado. E, para lhe fazer mais raiva, garantiu-lhe que voltaria no dia seguinte.
Quando os outros dois chegaram, eles tiveram de providenciar outra comida, ou passariam à noite toda esfomeados. Torce-coqueiro, além de contar o desaforo do bicho, transmitiu-lhes o recado de que ele voltaria para roubar mais comida.
No outro dia, com Arranca-toco de guarda, o bicho apareceu, para roubar-lhe a comida. Então, Arranca-toco mandou-o que ele se retirasse de imediato. Mas o desaforado já estava com as duas mãos no tacho quente.
Arranca-toco, furioso, bateu a mão no facão e, de um só golpe, cortou as duas orelhas do bicho, e guardou-as na algibeira. A fera implorou ao moço que lhe devolvesse as orelhas, mas não o comovendo falou-lhe:
- Amanhã, você corre risco de sangue, E vai entrar onde eu entrar. - E, ainda, recomendou-lhe: - Mas sem comer nada, nadinha.
Quando os outros dois chegaram, perguntaram a Arranca-toco pela comida. E ele lhes mostrou o tacho cheiinho.
No outro dia, saíram os três, no rumo do risco de sangue. E, após muitas horas de caminhada, foram dar num lajedo, que tinha um buraco à semelhança de uma boca aberta. Pensaram entre eles quem deveria descer. E Arranca-toco foi quem se prontificou a ir atrás da fera.
Torce-coqueiro, então, fez uma corda de muitos metros. E Torce-cipó trançou um balaio enorme. Arranca-toco entrou no balaio, e os companheiros, segurando a corda, fizeram-na descer pelo buraco escuro.
Lá embaixo, ele avistou a fera dormindo, sem as orelhas. E, ao seu lado, uma princesa, sentada numa cadeira, penteando os cabelos. Ao ver o rapaz, ela lhe perguntou, assustada:
- Moço, o que é que você está fazendo aqui?
- Fui eu que cortei as orelhas do bicho. E vim, até aqui, seguindo o risco de sangue.
Ela, então, implorou-lhe:
- Vá embora. Pois, quando o bicho não encontra o que comer, devora uma pessoa viva, para compensar.
Mas Arranca-toco não se intimidou. E, apesar das negativas, convenceu a moça a entrar no balaio. E fez sinal aos companheiros para que a puxassem.
À princesa, ele dissera que subiria por último. Mas que nada! Quando os falsos amigos de Arranca-toco viram aquela moça tão bonita, arremessaram o balaio, com corda e tudo, dentro do buraco. Imaginaram que Arranca-toco, lá dentro, iria morrer de fome, ou devorado pela fera.
Notando a traição dos dois amigos, Arranca-toco, sem ter para onde ir, sentou-se na cadeira da princesa e esperou o dragão se acordar.
Quando a fera se acordou, reconheceu, de cara, o seu algoz:
- Ah, moço, que está fazendo aqui diante de mim? Agora, eu quero uma coisa, me devolva as minhas orelhas.
- Eu só devolvo elas, se você me tirar daqui e me deixar no reino da princesa.
Não vendo outra saída, a perigosa fera pediu ao Arranca-toco que se montasse em suas costas e fechasse bem os olhos, e só os abrindo no reino, para onde os dois traidores levaram a moça.
Arranca-toco fez conforme o combinado. E o perigosíssimo animal, que cumprira sua parte no acordo, recebeu de volta as orelhas. E as recolocou no lugar.
Na cidade, o movimento era grande. E Arranca-toco soube, por um criado do rei, que o soberano estava promovendo uma festa em homenagem a dois moços que salvaram a princesa do dragão. Apesar de a moça dizer que não foram eles, mas ninguém lhe dera crença. E os dois receberiam como prêmio metade do tesouro real.
Entretanto, Arranca-toco entrou no palácio, num ímpeto. Os dois traidores se apavoraram e foi-se descoberta a farsa.
O rei, totalmente revoltado com a mentira, mandou Torce-coqueiro e Torce-cipó para a forca. Já Arranca-toco se casou com a princesa, com quem viveu até o resto de seus dias.