Literatura do Folclore: As doze palavras - conto

Era uma vez um homem muito trabalhador e honrado, mas infeliz em todo negócio em que se metia. Tinha ele devoção ao Anjo da Guarda, rezando todos os dias em sua intenção. Por estar, cada vez mais pobre, o homem perdeu a paciência. Um dia, ele gritou desesperado com sua triste sina:

- Acuda-me, diabo, que o Anjo da Guarda não me quer ajudar.

Então, apareceu um sujeito alto, todo vestido de preto, barbudo e feio, com uma voz roufenha e desagradável:

- Aqui estou, meu caro. Aqui estou. Que é que você quer de mim?

- Eu quero é ficar rico.

O diabo indicou uma gruta, onde havia um tesouro enterrado, e lhe disse:

- Daqui a vinte anos, voltarei para buscar você. Se não me disser as doze palavras ditas e retornadas, você será meu para toda a eternidade.

O homem começou a viver folgadamente. Andar em festas, vivendo cercado de amigos e de mulheres.

O tempo foi se passando. Uma noite, ele se lembrou de que estaria condenado às penas do inferno, se não soubesse as doze palavras ditas e retornadas.

- Isso deve ser fácil, falou para si mesmo.

No dia seguinte, perguntou aos amigos, aos vizinhos e a todos os moradores da cidade. E não havia quem soubesse o que vinha a ser o que lhes perguntava. Foi aí que homem se agoniou. Cada vez mais o tempo passava, porém ninguém sabia quais eram as doze palavras ditas e retornadas.

Então, ele resolveu largar a vida má que estava vivendo. Começou a fazer penitência. E, ainda, saiu pelo mundo, perguntando às pessoas as palavras ditas e retornadas. O coitado só faltava morrer, por causa do pavor de ter de se encontrar com o diabo e ser carregado para o fogo eterno.

Muito tempo havia se passado desde que ele deixara daquela vida boa e alegre. Vestia-se com modéstia e dava esmolas. Uma tarde, porém, ia ele por um bosque, na hora da ave-maria. Ajoelhou-se, então, para rezar. E, ao terminar a reza, avistou um velho que se aproximava dele. Cumprimentou-o. E aí foram andando juntos para a vila. No meio da viagem, ele perguntou ao velho como ele se chamava.

- Eu me chamo Custódio, respondeu-lhe.

Para não deixar de fazer alguma pergunta ao Custódio, falou-lhe sobre as doze palavras ditas e retornadas. E o velho Custódio lhe disse:

- Eu sei as doze palavras ditas e retornadas.

O homem ficou tão satisfeito que abraçou o velho, dando graças a Deus e lhe dizendo que aquilo era um milagre do seu Anjo da Guarda, a sua devoção antiga.

- Então, amigo Custódio, como são as doze palavras ditas e retornadas? E qual é a primeiro bom amigo?

– Custódio, sim. Mas amigo, não. Pois a primeira palavra dita e retornada é a Santa Casa de Belém, onde nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, para nos remir e salvar.

- E as duas palavras ditas e retornadas, amigo Custódio.

- Custódio, sim. Mas amigo, não. Pois as duas palavras ditas e retornadas são as duas tábuas de Moisés, em que Nosso Senhor pôs seus divinos pés, e a primeira é a Santa Casa de Belém.

- E as três palavras ditas e retornadas, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não! Pois as três palavras ditas e retornadas são as três pessoas da Santíssima Trindade. As duas são as duas tábuas de Moisés e a primeira é a Santa Casa de Belém.

- E as quatro palavras ditas e retornadas, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As quatro palavras ditas e retornadas são os quatro evangelistas. As três são as pessoas da Santíssima Trindade, as duas são as tábuas de Moisés e a primeira é a Santa Casa de Belém.

- E as cinco palavras, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As cinco palavras ditas e retornadas são as cinco chagas de Nosso Senhor.

- E as seis palavras, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As seis palavras ditas e retornadas são as seis velas bentas que estão no altar-mor de Jerusalém.

– E as sete palavras, amigo Custódio?

Custódio, sim. Mas amigo, não. As sete palavras ditas e retornadas são os Sete Sacramentos.

- E as oito palavras, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As oito palavras ditas e retornadas são as oito bem-aventuranças pregadas por Nosso Senhor Jesus Cristo.

- E as nove palavras, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As nove palavras são os nove meses em que a Virgem Mãe trouxe em seu ventre Nosso Senhor.

- E as dez, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As dez palavras ditas e retornadas são os Mandamentos da Lei de Deus.

– E as onze palavras, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As onze palavras são as onze mil virgens.

- E as doze, amigo Custódio?

- Custódio, sim. Mas amigo, não. As doze palavras ditas e retornadas são os doze apóstolos; as onze são as onze mil virgens; as dez, os Mandamentos; as nove, os meses de Nossa Senhora; as oito, as bem-aventuranças; as sete, os Sete Sacramentos; as seis, as velas bentas; as cinco, as chagas; as quatro, os evangelistas; as três, a Santíssima Trindade; as duas, as tábuas de Moisés; a primeira, a Santa Casa de Belém, onde nasceu quem nos salvou. Amém. Pois essas são as doze palavras ditas e retornadas.

O homem caiu de joelhos e agradeceu ao Custódio:

- Obrigado, obrigado, amigo Custódio, por essa esmola que vai me salvar do demônio.

- Custódio, sim. E seu amigo. Eu sou o seu Anjo da Guarda. Eu vou lhe perdoar pelo seu arrependimento e por sua penitência.

E o Anjo da Guarda se sumiu. Aí, quando chegou o prazo para o homem prestar contas ao diabo, disse-lhe as doze palavras ditas e retornadas. E o maldito se rebentou como uma bola de fogo, espalhando cheiro de enxofre por todos os lados.

Dali em diante, o homem viveu santamente seus dias e morreu na paz de Deus. Ele se salvou graças ao seu Anjo da Guarda. 

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