Literatura do Folclore: As duas caixas - conto

Viviam, numa aldeia distante, dois meninos. Eram dois irmãos. Mas eram muito diferentes um do outro. O maior era forte, impetuoso, bom. E não conseguia estar de acordo com o menor, que era gracioso, franzino, débil. O primeiro se chamava Katachin. O segundo, Pirtit.

Katachin estava sempre em movimento. Corria os bosques e as montanhas. E, no verão, atirava-se às braçadas, nas lagoas, para correr parelhas com os patos selvagens. Já Pirtit, ao contrário, preferia ficar em casa, junto do fogo, no inverno; ou sob uma sombra do jardim, na estação quente.

Katachin não conhecia mais do que a alegria ruidosa, ou o pranto. Pirtit, pelo contrário, não ria, não chorava. Estava sempre absorto, em doce melancolia.

Uma noite, o mago Barkal chegou à casinha dos dois irmãos. E entregou a um e a outro duas caixas de madeira, iguaizinhas uma à outra.

- Dentro dessas caixas, disse o mago, está encerrado o mundo.

- O mundo? - duvidou Katachin. - E como que é possível que o mundo, tão grande, possa caber num espaço tão pequeno?

- Sim, aqui está o mundo. - repetiu-lhe o mago. - Verdade, que não é a matéria do mundo, mas as formas, as cores, as luzes do mundo.

Katachin quis abrir a sua caixa no mesmo instante.

- Não, disse o mago. - Agora, não. Agora, não. Vocês dois só abram as caixas quando estiverem sozinhos e sentirem o desejo de conhecer as maravilhas da Criação.

Pirtit não disse nada. Para ele, pouco lhe importava a caixa, ou o mundo.

- Meninos, disse o mago. - Eu vou embora agora. Mas, em breve, eu estarei aqui, para fazer-lhes uma visita.

Katachin só esperou o mago desaparecer. Logo correu ao bosque, abriu a caixa e soltou um grito de deslumbramento:

- É este o mundo, então? Mas como é belo. É mesmo divinamente belo.

Pirtit foi sentar-se no montículo do jardim. Olhava, sem nenhum interesse para a verdura, para as folhas de um arbusto e, por fim, para uma pedra avermelhada, que caíra em meio dos rosais. Mas, de repente, ele se lembrou da caixa que tinha na mão. Aos poucos, abriu-a. E, imediatamente, muitas e muitas imagens do universo começaram a desfilar diante de seus olhos, como se fora um caleidoscópio animado.

- Ora, ora. Tudo isso é que é apenas o mundo? - disse ele. E sacudiu os ombros, sem sentir entusiasmo algum.

Alguns dias depois, Barkal, o mago, estava de volta, como havia prometido aos dois irmãos. Katachin logo o recebeu com muita alegria.

- Mas você me deu um presente esplêndido. Pois, cada vez que abro a caixa, fico encantado com as tantas maravilhas da criação. Eu jamais sabia… Eu nunca havia imaginado que o mundo tivesse tantas maravilhas.

Barkal, depois da grande alegria de Katachin, interrogou Pirtit:

- E você, meu  rapaz. Que foi que você viu?

- Nada. Nada de interessante. Na minha caixa, não contém as belezas de que

Katachin fala com tanto entusiasmo.

- O que você está me afirmando, meu rapaz? Eu coloquei na tua caixinha e na de teu irmão iguais elementos: formas, cores, luzes. Uma e outra dão as mesmas imagens, e bem fieis do mundo.

- Não é assim que eu vi. Eu creio que houve algum engano da sua parte.

- Engano, falou alto o mago. - Pois está havendo o engano é da sua parte. Você se mostra cego e surdo, diante da beleza. Eu lhe peço: me devolva agora a caixa, que não te comove nem traz alegria a você. Eu a levarei de presente a outro menino que tenha a mente diferente da sua, que tenha um coração mais sensível do que o seu e que saiba se comover, se alegrar. Enfim, um que mereça a graça sublime do viver com inteligência e sensibilidade.

- Por favor, meu bom mago.  - suplicou Katachin ao mago Barkal. - Não diga isso para o meu irmão. Não leve a caixa mágica que o senhor lhe deu. Talvez, mais tarde, Pirtit vá apreciar melhor o que, hoje, por algum motivo, está passando despercebido nele.

Pirtit riu-se. Seu riso era um riso apalermado:

- Então, bradou o mago Barkal, com um pouco de desprezo e raiva. - O que é que deseja a você? O que é que causa satisfação a você?

- Nada. Nada. - respondeu Pirtit ao mago, mostrando-lhe indiferença, de olhos enxutos e sem lhe manifestar comoção alguma.  - Eu não desejo coisa alguma. Eu estou bem desse meu jeito.

E continuou com a sua mesma vida de tristeza e de infelicidade, depois que o mago Barkal se afastou, levando consigo o brinquedo maravilhoso.

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