Vivia, há muito tempo, no sertão, um casal que vivia muito bem, tão bem quanto Deus com os anjos. Causava inveja a todo mundo esse casal, pois todos reparavam em sua felicidade. Foi então que apareceu, na casa dele, uma imensidade de ratos. Até parecia um castigo. Não havia o que acabasse com eles. Era um inferno.
Um dia, apareceu, nessa mesma casa, um gatinho preto, muito gordo, muito esperto, o qual logo começou a fazer proezas, matando e afugentando os ratos. Ora, marido e mulher ficaram muito contentes com o gatinho. E viviam a alisá-lo: meu gatinho daqui, meu gatinho dali. A casa, que antes andava numa roda-viva, e até parecia mal-assombrada, agora estava sossegada.
Um dia, o marido teve que viajar, e a primeira recomendação que fez à mulher foi a respeito do gatinho. Assim que ele saiu, o gatinho desapareceu. A mulher ficou quase doida.
Dias depois, chegou o marido, e a primeira coisa que fez foi perguntar pelo gatinho. A mulher contou-lhe o que acontecera. Ela ainda estava falando quando o bichinho saiu do quarto de dormir. E, miando tristemente, foi correndo para o lado do senhor, que ficou muito aborrecido, vendo o coitadinho tão magro que suas costelas apareciam.
O gatinho continuou fazendo proezas. E foi crescendo. Cada dia, engordava mais. E o dono da casa teve que fazer outra viagem dali a alguns dias. E fez novas recomendações à mulher. Como da primeira vez, aconteceu da segunda. O gato sumiu e foi aparecendo magrinho, com os ossos a furar a pele, assim que ele chegou. Mas, dessa vez, houve uma discussão feia, e a mulher quase apanhou do marido, que estava fora de si de tão zangado.
Nova necessidade de viajar. E nova recomendação, com o aviso de que, se não achasse o gatinho no estado em que o deixara, ela pagaria caro.
Assim dizendo, o homem partiu. O gatinho fugiu para o mato, virou tiririca. E a mulher, coitada, virou, mexeu, procurou em todo canto, fez promessas a todos os santos que há, examinou todos os buracos que havia por perto e pela redondeza, rogou a santo Antônio, andou, perguntou… e nada.
Chegou o marido. E, lá de longe, antes de cumprimentar a mulher, foi logo lhe perguntando:
- Onde está o meu gatinho, mulher?
- O nosso gatinho, meu marido…
Não acabou de falar, e o gatinho foi saindo de dentro de casa, quase de rastros, miando que dava pena, e enroscando-se nas pernas do dono, que acabava de desmontar. Estava quase morrendo de magro, de fome. O homem não quis mais saber de nada. Meteu o chicote na mulher, deu-lhe pancadas às cegas, não prestava atenção no que fazia, quebrou-lhe um braço, abriu-lhe brechas na cabeça e espancou-a muito, por causa do fingimento do gatinho.
Pois bem, passou. Dias depois desse barulho, o homem se arrependeu e começou a ter remorsos… ele que se dava tão bem com a mulher. Inventou, por isso mesmo, outra viagem. Mas, dessa vez, com intenção de nunca mais voltar para casa. Arrumou suas coisas e foi-se embora depressa.
Andou o dia inteiro. E, à noite, abrigou-se numa clareira da mata. Com a escuridão, iam chegando umas coisas misteriosas, que falavam e se reuniam em sessão. Apareceu depois o Maioral, que perguntou, de um por um, como iam os trabalhos de que se ocupavam. Houve relatórios de todas as façanhas dos diabos, que tentavam os cristãos. Um dos demônios começou a dizer o que fazia na casa do homem que dera uma surra na mulher por causa do gato fujão:
- O negócio andava difícil, e eu já estava começando a desistir, quando a casa deles se encheu de ratos. Então, pronto. Aproveitei e virei um gatinho. Acabei com os ratos e fiquei gato de estimação. O homem, que é muito cuidadoso, cada vez que saía de casa fazia mil recomendações à mulher. Eu, então, sumia e só voltava magro e cheio de fome quando ele chegava de viagem. Daí, começou o desentendimento entre os dois. O marido sempre ameaçando a mulher. A princípio, eu era gordo. Mas, toda vez que ele voltava, eu estava com os ossos à mostra. Na última viagem, fiquei tão magro que, assim que ele me viu, caiu logo em cima dela, deu-lhe muitos tabefes, chicotadas, pauladas, quebrou-lhe um braço, rachou-lhe a cabeça, arrumou sua trouxa e saiu por aí. Deixou a casa e a mulher, de uma vez.
- Qui debedabo! Berado! Muito bem! Muito bem! Bravo! Ora viva! Isso é que é diligência e saber fazer as coisas. Terá um grande prêmio quando acabar o serviço.
O homem, que estava escondido ouvindo tudo, disse para consigo mesmo: “Ahhh, seu bandido. É assim, hein? Está bom.
Arrumou outra vez a trouxa e voltou correndo para casa, onde chegou cerca do meio-dia, hora de almoço, e bravo.
A mulher, logo que o viu, ficou muito admirada. E foi recebê-lo, mesmo com o braço numa tipoia. Mas, na frente dela, correu o gatinho, miando, muito mais sofredor do que das outras vezes. O homem pegou-o no colo e o colocou depois no chão. Porém o gatinho cismou com ele e continuou miando… miando… enroscando-se nas pernas do homem.
- Mulher, você deu comida ao nosso gatinho? - perguntou ele, com a cara amarrada, procurando um pau.
- Não. Já lhe disse uma porção de vezes que ele some logo que você sai…
- Some, hein? Então, eu lhe vou mostrar outra vez. E vai ser já.
A mulher, vendo o perigo, saiu correndo e chorando. E ele, pegando um bom porrete, desandou com vontade, mas foi na cabeça do gatinho, que deu um estouro e fedeu por três dias.
Depois, o homem foi contar à mulher o que vira na clareira da mata. Desse dia em diante, ele e ela viveram bem como antes.