Um importante empregado do rei era considerado, por todas pessoas do reino, um homem duro, avaro e cruel. Sempre que o rei fazia alguma obra de caridade, ele se condoía muito pela perda dos bens do rei. Mas não era porque o tal importante empregado zelasse desinteressadamente pelos bens do rei. Pelo contrário, era porque o importante empregado roubava o rei constantemente. E não queria que os outros compartilhassem dos bens do rei.
Um dia, o rei anunciou que iria dar uma grande festa. E ordenou que todos os do seu reino estavam convidados. Todos os seus vassalos, altos e baixos, ricos e pobres. Para ele, a festa deveria ser uma festa muito suntuosa.
No dia marcado, as portas do castelo estavam todas abertas, de par em par. E, por todo lado, havia mesas cheias dos manjares mais diversos. Compareceram cavaleiros, damas, donzelas, escudeiros, jovens, jograis e menestréis. Mas, enquanto acontecia a festa, o importante empregado do rei pensava com seus botões: “Toda essa gentalha parece não ter comido durante todo o ano. Como estão a comer. Vão acabar deixando a despensa totalmente vazia.”
Mas, como precisava agradar ao rei, o importante empregado dissimulava a raiva e dizia aos convidados, com sorriso hipócrita:
- Se sirvam bem, senhores. Comei e bebei à vontade.
Todos se haviam assentado, e a festa começado. Dali a pouco, chegou um pobre lavrador, depois de ter terminado a sua faina diária. Vendo-o, o importante funcionário logo se enfureceu e descarregou sobre ele toda a raiva que havia acumulado, gritando com o pobre homem:
- O que você está querendo aqui? O que é que você perdeu nesta casa?
- Eu vim comer, respondeu-lhe o pobre lavrador, porque eu fui também convidado como todos os outros. E estou com vontade de comer. Por favor, me arranje um lugar para eu me sentar. Não estou vendo nenhuma cadeira vazia.
- Um lugar para sentar, é? - debochou-lhe o importante funcionário e ainda lhe deu um grande chute no traseiro do pobre lavrador: - Pois esse aí é que é o seu lugar pra sentar.
Mas logo depois, o importante empregado caiu num arrependimento, porém com medo de que o fato chegasse ao conhecimento do rei. E, então, resolveu ajeitar o pobre lavrador. Pediu-lhe perdão e lhe arranjou um lugar.
Sorrindo, o pobre lavrador demonstrou que não guardava nenhum rancor. Mas, consigo mesmo, esperava a ocasião adequada para se vingar do importante empregado. Bem calmo, comeu e bebeu à vontade. Depois, passou com os outros para o salão.
O rei tinha acabado de dar ordens: que era para entrarem os jograis e menestréis, a fim de divertirem todos os convidados. E, para incentivá-los a cantar bem e para que todos os artistas demonstrassem suas habilidades, o rei prometeu uma luxuosa roupa escarlate àquele que conseguisse maiores aplausos, ou risos, com o que cantasse ou fizesse.
O prêmio era bem valioso. E, então, os jograis cantaram as mais belas canções. Outros fizeram passes. Outros imitaram os bêbados e loucos. Alguns imitaram brigas de mulheres. Cada qual se esforçou bastante, fazendo o que julgava mais engenhoso. E o pobre lavrador só olhava e se divertia, como todos os outros, no salão repleto.
Quando tudo terminou, o pobre lavrador se aproximou tranquilamente por trás do importante empregado, que estava todo ancho, em pé, ao lado do rei. De repente, o pobre lavrador lhe deu um tremendo pontapé no traseiro do importante empregado, que o fez se estatelar de bruços no chão, diante de todos. E, ainda, lhe disse em voz bem alta:
- Toma. Pois aí está a cadeira que você me emprestou. Como todos estão vendo, entre gente honrada, nada se perde.
A queda do importante empregado provocou grande sensação. Um bando de criados logo acorreram. Uns para socorrerem o importante empregado. Outros, para deterem o pobre lavrador. E levaram o pobre lavrador diante do rei, que logo o interrogou com voz grosseira:
- Por que tu fizeste isso com o meu importante empregado?
- Meu senhor, respondeu ao rei o pobre lavrador, bem de modo humilde. - Me disseram que eu podia vir aqui hoje para a festa. E eu fiquei muito agradecido em relação ao meu Senhor. Só que cheguei um pouco tarde, pois estava terminando o meu trabalho. E, quando cheguei, não tinha mais cadeira pra eu me sentar. Pedi então ao vosso importante empregado que ele me conseguisse um local onde eu pudesse me sentar. E sabe o que ele fez? Ele me deu um pontapé bem com força no meu traseiro, dizendo pra mim que ele estava me emprestando uma cadeira. Pois bem, mas como eu já comi e bebi, e não tenho mais necessidade da cadeira, estou devolvendo ela, mas com um certo acréscimo, por conta dos juros. Eu asseguro ao meu Senhor, com todo o respeito, que não tenho comigo nada mais que seja vosso, pois sou um pobre lavrador. Mas eu tenho a minha consciência limpa. Mas se o vosso importante empregado julgar que o valor do aluguel foi insuficiente, estou disposto a completar ele.
Quando ouviram tal explicação, o rei e todos os convidados deram boas e gostosas gargalhadas. Enquanto isso, o importante empregado se levantou do chão, numa cara bem desconfiada, e massageava a parte dolorida, o que aumentou ainda mais as gargalhadas. Riram tanto que, afinal de contas, o rei acabou dando a roupa escarlate, como prêmio, ao lavrador. E todos os jograis e menestréis concordaram que o prêmio, dado ao pobre lavrador, fora bem merecido.