Certo dia, um homem saiu da cidade andando a pé. Quando ele estava encostado numa porteira, num lugar quase deserto, deu de cara com uma caveira muito feia. De propósito, ele lhe deu um pontapé e, em seguida, disse em brincadeira:
- Quem foi que te matou, caveira?
Mas, para seu espanto, os ossos da caveira, muito brancos, após estalar, lhe respondeu:
- Foi a língua.
O medo tomou de conta do homem. Mais que depressa, ele saiu correndo numa carreira louca, em direção da cidade. Mostrando-se muito nervoso, contava a todos o que lhe acontecera. O povo lhe dizia:
- Não pode ser. Isso é invenção de sua cabeça.
- Não, não, o homem rebatia. - Eu juro, eu vi e ouvi direitinho a caveira falar.
- Uma caveira falando? Isso é uma loucura, meu amigo.
- Mas é verdade. Eu juro, juro.
Alguns começara então a acreditar no homem. Já outros não. E a notícia correu a cidade, até que chegou ao palácio do rei.
Aí, o rei mandou chamar o homem que fez o alvoroço na cidade e lhe perguntou:
- Mas que história é essa, meu amigo?
De imediato, o homem contou ao rei tudo o que havia passado com ele. Falou às pressas, se arrepiando só de se lembrar do susto que teve.
- Eu juro majestade, concluiu o homem para o rei. - Eu juro, pela alma da minha mãe.
O rei se desencostou do trono e, com um dedo em riste, sacudindo-o diante do nariz do homem, lhe falou:
- Eu quero ir ver isso. Mas uma coisa eu lhe digo: se for sua mentira, eu mando pegar você e botar você pendurado na primeira árvore que eu encontrar.
Então fizeram um grande cortejo. Adiante ia o rei no seu cavalo branco, todo enfeitado com ouro e prata. Logo atrás, os nobres, muito bem vestidos. E, por fim, os soldados. Lá na frente do cortejo, caminhava a pé, com as mãos amarradas, o coitado do homem. Uns riam e diziam gracejos para com o homem. Até que chegaram junto à porteira. Calaram-se todos para ouvir, o pobre homem, trêmulo, perguntar à caveira:
- Quem foi que te matou, caveira?
A caveira quieta estava, quieta ficou. O moço pensou que talvez tivesse falado baixo. Em voz mais alta, perguntou de novo `caveira:
- Quem foi que te matou, caveira?
E a caveira continuava muda.
- Quem foi que te matou, caveira? - gritava o homem desesperado, já com os olhos arregalados, com as veias do pescoço quase se explodindo. Dava até para ver que o homem ia ter um ataque de coração.
- Quem foi que te matou, caveira? Quem foi que te matou, caveira? Avie, logo. Diga, diga.
E aquela caveira muito branca, brilhando no sol, continuava num silêncio só. Foi aí que o moço perdeu a cabeça. Começou a chutar a caveira, chegava suava de tanto desespero.
- Diga logo. Diga logo. Quem foi que te matou, caveira?
Como a caveira não respondeu ao homem, o rei mandou o carrasco pegá-lo. Aí ele fez o nó na corda com dedos ágeis e botou o homem enforcado numa árvore à beira do caminho. Depois disso, seguiu a comitiva de volta para a cidade, mas sem nenhuma animação.
Lá atrás, ficou tudo em silêncio. Ninguém passava lá onde estava o homem enforcado. Quando começou a anoitecer, a caveira se mexeu sobre si mesma e, aos pulos, chegou debaixo da árvore onde estava o homem enforcado. E diante dele, com o buraco das órbitas vazias virados para cima, dirigiu-se ao morto:
- Eu não te falei que quem te matou foi a língua?