Literatura do Folclore: A hospitalidade - conto

Rekel, uma senhora muito abastada e serena, vivia sozinha, numa casa de madeira. Passava os dias atendendo aos afazeres domésticos, ou fiando a lã. Um dia, apresentou-se diante dela uma donzelinha gentil, de cabelo cor de mel e olhos celestes, ingênuos e doces, que lhe disse:

- Sei, Rekel, que és boa e generosa. Poderias guardar, por algum tempo, este saco em que tenho as minhas coisas? É muito pesado e não posso estar a carregá-lo de um lado para outro.

A mulher foi cortês e atenciosa para com a moça. Apanhou o saco e o fechou num armário, feito o que disse à donzela, e que ficasse tranquila.

- Aqui, afirmou Rekel, eu vivo sozinha. Ninguém, portanto, conseguirá tocar nos seus pertences.

A loirinha foi embora contente. Depois de dois dias, regressou, trazendo, pela mão, um menininho que tinha tal qual ela o cabelo cor de mel e os olhos azul-celeste.

- Rekel, tem acontecido uma porção de desgraças na minha vida. Tudo está correndo mal. Queres hospedar, por alguns dias, este meu irmãozinho, enquanto eu vou buscar auxílio, na casa de uma tia rica? Não temos mais casas nem meios.

- Guardarei o menino como se fosse meu filho. - prometeu a boa Rekel.

- Deus te abençoe pelo bem que fazes. - disse-lhe a mocinha e foi-se embora, depois de beijar as faces do irmão e a mão da benfeitora.

Voltou dali a dois dias, com uma velha corpulenta.

- Ó, amiga querida, hospeda, por alguns dias, também minha boa vovó. Ela está sofrendo de muito frio. E a sua idade não mais lhe permite dormir no bosque, ao ar livre.

A dona da casa acolheu, cordialmente, mais aquela hóspeda.

Mas dois dias se passaram, e Rekel tornou a receber a visita da moçoila. Vinham, com ela, um homenzarrão de cabelos vermelhos, com um cachimbo na boca, e uma mulher magra e alta, que trazia, nos ombros, uma peliça cinzenta.

- Ó, eleita da bondade, deixa que meus pais fiquem aqui, até a minha volta, uma vez que te prontificaste a guardar o que é meu. Assim que eles dispuserem de uma cabana, cuidarão de te deixar livre da tua.

- Minha casa é pequenina, minha querida. - falou Rekel para a moçoila. - Por isso, é impossível hospedar tanta gente.

- Irás permitir que meu pai e minha mãe morram de fome, ao léu, nas estradas, ao relento, nestas noites tão frias?

- Certamente que não seria de bom cristão proceder assim. Pois vamos nos apertar. Faremos um milagre. Daremos um jeito para eles.

Um dia depois, justamente quando todos estavam à mesa, reapareceu a jovem com um rapaz muito insolente e desenvolto.

- Este é meu primo. Deixe que ele fique aqui algumas horas. Morava conosco, mas o vento Norte abateu a nossa casa, e ele ficou sem teto, coitado.

A moça escapou, antes que Rekel, assombrada, pudesse-lhe articular duas palavras de recusa.

Quando reapareceu, a moçoila trazia duas floridas moças da sua idade. Elas eram petulantes, bem vestidas e desembaraçadas.

- Estas são minhas melhores amigas. Acolhe-as com a tua habitual cordialidade.

A essa altura, a plácida Rekel já estava com os derradeiros resquícios de paciência liquidados.

- Minha casa não é nenhuma hospedaria. E se fosse, não seria gratuita. E não teria mais lugar. Leva tuas amigas embora.

- Que modos são esses? -  dirigiu-se a Rekel uma das jovens. - Vem a minha prima te pedir um pouco de hospitalidade, com uns modos tão humildes, e tu queres afugentar nós três, como se nós fôssemos animais intrusos?

- Tu és uma egoísta, disse a Rekel uma outra moça. - Tu tens a casa, e não queres servir os que não têm lar? Deus castiga uma coisa dessa.

- Não sairemos daqui e não permitiremos que essas moças saiam. - disseram a Rekel os hóspedes, em coro. E a coitada da boa mulher, dona da casa, só olhava para todos, estupefata, sem saber como agir.

Nesse instante, Rekel viu que a chamavam pelo nome. Eram três carregadores:

- Mandaram dizer para a senhora, dona Rekel, receber isto aqui. E são cem cruzeiros o nosso trabalho de trazer até aqui.

- Como é a história?… - gritou desta vez a boa Rekel.

Pronto, eis aqui umas roupas, um papagaio, um gato preto, um cão amarelo e umas galinhas. Agora, só falta pagar pra gente.

-Viva! Viva! - gritaram a vovô, o pai e a mãe. - Até que, finalmente chegaram as nossas roupas e os nossos bichos de estimação.

Rekel, por um instante, pareceu ficar sem fôlego. Depois, muito pálida, apanhou um chapéu de palha, a fim de se resguardar do sol, e disparou pela estrada. Penetrou na floresta, sem saber para onde ir, e nunca mais voltou à sua casinha de madeira.

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