Em certa localidade, passeava um
dia um professor. O homem apreciava a leitura. Por isso, trazia sempre consigo
um livro. Uma bela manhã de domingo, achando-se deitado num casebre de
pescadores, teve a impressão de ouvir os sinos de uma igreja, às vezes
distantes, outras pertos. Ouviu aquilo por muito tempo e admirou-se. Não deu
crédito aos sentidos, todavia muito bem sabia ser impossível ouvir os sinos de
uma igreja a tão grande distância. De repente, ouviu-os, e dessa vez muito
nítidos. Pôs o livro de lado, levantou-se e saiu. Era um dia bonito cheio de
sol. Um grupo de pessoas passou por ele, trazendo os seus livros de cânticos, usando
vestes domingueiras, rumo à igreja. Um pouco mais adiante, no bosque onde nunca
notara outra senão árvores e arbustos, o professor viu uma velha igreja de
madeira.
Passado algum tempo, viu o
ministro tão velho tão fraco que a mulher e a filha tinham de ampará-lo. Ao passarem
pelo lugar em que se encontrava o professor, pararam e convidaram-no a ir ouvir
o ofício religioso da sua igreja. O professor, após pensar um instante, e achando
que seria interessante verificar de que maneira aquela gente oficiava,
concordou, contanto que não houvesse dano para ele. Mas não, não haveria. Pelo
contrário, receberia uma bênção, retrucaram-lhe.
No templo reinava a mais perfeita
ordem. Não havia cão nem crianças que perturbassem o desempenho da missão religiosa.
O canto era belo sem dúvida, mas o professor não conseguia compreender uma
palavra que fosse. Alguns homens conduziram o ministro ao púlpito, e ele
proferiu edificante sermão. No entanto, ele expunha ideias esquisitas, difíceis
de acompanhar. Também o Padre Nosso não foi proferido como costuma ser, e o
professor não conseguiu ouvir o “livrai-nos do mal”. Tampouco foi mencionado o
nome de Jesus. E, no fim, não houve nenhuma bênção.
Terminado o ofício, o professor foi convidado a visitar a casa do ministro. Respondeu ele que iria de boa vontade sim, contanto que não houvesse nenhum perigo. Responderam-lhe, como de outra vez, que não haveria perigo e que, pelo contrário, surgiriam vantagens.
O professor foi. Era uma bela vivenda como a maioria da região. Rodeava o jardim cheio de flores, perfumadas maçãs e uma bela grade. Os moradores convidaram-no a almoçar. As iguarias muito bem preparadas eram cuidadosamente apresentadas. Como sempre disse o professor que, de bom grado, aceitaria o convite para almoçar, se não houvesse perigo. Comeu, então. E, mais tarde, reconheceu que não percebia diferença nenhuma entre aquela comida e a comida cristã, oferecida na casa do ministro da igreja da aldeia. Servido o café, mulher e filha conduziram-no a um quarto. E a mulher queixou-se de que o ministro, velho e fraco como estava, não tardaria em falecer. Falou, depois, da robustez do professor. Finalmente, mãe e filha confessaram-lhe que o desejavam ver ministro. E se ele não pretendia permanecer naquele lugar, para exercer tal função.
O professor negou-se, afirmando que de teologia nada sabia. Mas as duas replicaram que ele era mais do que culto. O professor explicou-lhes que, embora culto, não sabia ao certo se dispunha dos dotes tão necessários para tão espinhosa missão. E não convinha absolutamente precipitar-se. Assim, solicitou um ano de prazo para resolver. Mal acabou de falar, viu-se um pântano e não enxergou mais nem a casa do ministro nem a igreja. Pensou que tudo tivesse passado. Todavia, transcorrido um ano no momento exato que o prazo pedido ia terminar, e estando ocupado na construção de uma casa, postado numa das paredes de machadinha em punho, viu correr-lhe ao encontro a filha do ministro que, imediatamente, lhe perguntou se resolvera aceitar ou não a proposta:
- Refleti bastante, retrucou o professor, e não posso aceitar. Não sei como justificaria tal ato diante de Deus e da minha consciência.
A filha do ministro, sem lhe responder uma palavra, desapareceu. Quanto ao professor, nervoso, sentou-se com a machadinha no joelho. E, pelo resto da vida, ficou inválido.