Literatura do Folclore: Lasse, meu criado - conto

Era uma vez, um príncipe, ou um duque, não sei bem quem era ele, mas se mostrava de altíssima linhagem. Ele não queria ficar em casa. Gostava de percorrer o mundo e era muito bem acolhido em toda a parte. Entrava em contato com as pessoas mais ilustres, mesmo porque era imensamente rico. Fazia logo amigos e conhecidos. Com efeito, quem possui gamela cheia sempre acha porcos quem pretenda nela enfiar o focinho. Gastando, porém, daquela maneira, o dinheiro foi diminuindo, foi diminuindo, e ele acabou sem nenhum tostão. Acabaram-se, então, os amigos que conviveram com ele. Como verdadeiros porcos, começaram a grunhir. E cada qual o abandonaram. Aí, lá ficou o coitado sozinho e desiludido. Todos se usaram do dinheiro dele, porém ninguém pretendia ajudá-lo a reconquistar a fortuna dissipada. Assim, o duque, ou o príncipe, viu-se obrigado a mendigar pelo caminho.

Certa vez, durante a noite, ele chegou a uma grande floresta. Não sabia nem onde pudesse pernoitar. Olhando, procurando cá e lá, acabou por descobrir uma velha choupana, no meio da vegetação. Naturalmente, ele observou que não se tratava de uma hospedagem, digna de um fidalgo. Mas, quando não é possível ter-se o que se quer, convém sempre aceitar o que se apresenta. Assim, não sabendo o nosso amigo o que fazer, entrou na choupana. Dentro dela, não havia nem um gato, nem um banco onde se pudesse sentar. Encostada à parede, no entanto, notou uma grande caixa. Que haveria nela? Se fosse pão mofado, do jeito que ele estava, até poderia comê-lo. Durante o dia inteiro, não mastigara nada. Estava com tanta fome que o ventre se encostava às costelas.

Ele abriu a caixa. Dentro dela, havia outra. E, nessa, mais outra. E assim por diante. O nosso amigo, pacientemente, abria uma depois da outra. Na última, pensou que poderia encontrar alguma coisa muito linda, já que fora tão ocultamente ocultada. Por fim, descobriu, numa minúscula caixinha, um pedaço de papel… Era tudo quanto se lhe deparava, depois de tamanha paciência. Mas que coisa triste! De repente, notou palavras escritas naquele pedacinho de papel. E, examinando bem, conseguiu decifrá-las, apesar de, à primeira vista, serem muito estranhas. E leu-as:

- Lasse, meu criado.

Mal proferiu aquilo, ouviu bem perto uma resposta:

- Que é que o senhor manda?

O jovem olhou, olhou, e não viu ninguém. Leu-a mais uma vez:

- Lasse, meu criado.

Recebeu a mesma resposta:

- Que é que o senhor manda?

- Se houver aqui um ser humano, disse ele, bem que poderia arranjar-me alguma coisa para comer, porque estou morrendo de fome.

Imediatamente, surgiu uma mesa com tudo o que se poderia imaginar. O jovem comeu e bebeu com vontade, matando a fome e a sede. Nunca passara tão bem na vida, pensou. Depois, cansado, mais uma vez pegou o papelzinho:

- Lasse meu criado.

- Que é que o senhor manda?

- Você me deu de comer e de beber. Eu lhe agradeço bastante. Mas, agora, por favor, arranje-me uma cama. Quero dormir. Olhe, que seja uma boa cama.

Tornara-se mais exigente depois de ter enchido o estômago. Sucedeu, então, o que pedira. Apareceu uma cama tão linda na choupana que um rei e uma rainha apreciaria. Aquilo tudo era muito bom.  Mas é um fato sabido que o melhor é inimigo do bem. Depois de se deitar, o jovem achou aquela choupana bem miserável para haver uma cama tão estupenda. Assim, pegou o papel de novo e leu-o:

- Lasse meu criado.

- Que é que o senhor manda. - mais uma vez, disse-lhe o criado.

- Se você me arranjou uma comida tão excelente e uma cama estupenda como esta, no meio desta floresta, não lhe há de ser difícil, certamente, de arranjar-me um aposento melhor. Olhe, eu sempre dormi em castelo, com espelhos de moldura de ouro e tapetes luxuosos, além de conforto de toda a espécie.

Mal terminou de falar, viu-se no meio do mais rico e imaginável aposento. Muito à vontade, virou o rosto para a parede e fechou os olhos.

Dormiu a valer. De manhã, ao se despertar, olhou em torno e notou que dormira num grande castelo. Havia nos aposentos muitos enfeites e adornos, que não tinham fim. As paredes, o teto, tudo cintilava de tal maneira que ele se viu obrigado a cobrir os olhos com as mãos. De repente, olhou pela janela. Que maravilha! À sua frente, estendia-se o mais belo jardim que alguém poderia desejar: lindas árvores e rosas de toda espécie. Todavia, não havia, naquele delicioso recanto, uma viva alma, nem um gato… Então, o duque pegou de novo o pedaço de papel e leu-o:

- Lasse, meu criado.

- Que é que o senhor manda?

- Agora que você me arranjou comida e me deu tão formoso castelo, no qual morarei daqui por diante, uma vez que muito me agrada, eu não quero ficar tão sozinho. Quero criados e criadas.

Foi imediatamente obedecido. Apareceram, no castelo, inúmeros lacaios, criados e criadas. Uns se atarefavam no serviço, outros lhe faziam profundas reverências. O duque sentiu-se realmente feliz.

No entanto, no outro lado da floresta, erguia-se outro castelo, no qual vivia um rei, a quem pertencia a floresta e os extensos campos das vizinhanças. Achegando-se o rei, por acaso, a uma das janelas, e vendo o novo castelo, sobre cujo telhado giravam as ventoinhas douradas, pensou: “Que coisa estranha”.

Imediatamente, chamou os seus cortesões que, acudindo-o, inclinavam-se para ouvirem as ordens do rei:

- Estão vendo aquele castelo? - perguntou-lhes.

Eles, olhando na direção indicada, encheram-se de pasmos.

- Quem terá ousado construir tão lindo castelo nas suas terras?

Curvaram-se de novo e reconheceram que não podiam explicar o sucedido. O rei mandou chamar os seus soldados que, acorrendo, apresentaram-lhe as armas.

- Que todos os meus soldados e cavaleiros, ordenou o soberano, abatam, quantos antes, o castelo. E enforquem quem o construiu.

Imediatamente, partiram os soldados, obedecendo à ordem do rei. Ressoaram tambores e clarins. O duque ouviu o barulho e, sabendo o que aquilo significava, pegou novamente o fatídico pedacinho de papel.

- Lasse, meu criado.

- Que é que o senhor manda?

- Vem vindo aí um grande exército. Você precisa agora me arranjar, sem perda de tempo, soldados, em números duas vezes superior aos que estão atravessando a floresta. Além disso, espadas, fuzis e canhões. Enfim, tudo quanto é preciso para a resistência e a vitória, já.

Não houve demora. Quando o duque tornou a olhar para fora, viu incrível número de soldados, em volta do castelo.

Os do rei, ao chegarem, pararam. Não ousaram avançar mais. O duque, que não era nenhum medroso, aproximou-se do coronel do rei e perguntou-lhe o que desejava. E o coronel explicou-lhe a que vinha.

- Não adianta, replicou-lhe o duque. - Está vendo que conto com muita gente. É melhor que o rei se torne meu amigo. Eu ajudarei o rei contra os seus inimigos.

O coronel acatou com agrado a proposta. O duque convidou-o, com os seus oficiais, a entrar no castelo. Ali, foi servido a todos eles um excelente banquete. Enquanto comiam, terminaram dando com a língua nos dentes. E o duque soube que o rei tinha uma filha solteira, tão bela que não era possível encontrar outra que se lhe comparasse. Sempre comendo e bebendo, os súditos do asseveraram os que ela poderia ser a esposa ideal do duque.

Dali para diante, após a saída dos oficiais, o duque começou a refletir. O pior, disseram-lhe os convidados, era ser ela exatamente soberba. Não gostava de um olhar de nenhum homem. Aí, o duque sorriu sozinho e pensou: “Se é só isso, a doença era curável”.

Sozinho, começou a pensar na princesa. Seria realmente tão bela e delicada, como afirmavam aqueles oficiais? Gostaria de verificar. Como naquele dia já houvesse sucedido tanta coisa milagrosa, achou o nosso duque que a ideia seria viável.

- Lasse, meu criado.

- Que é que o senhor manda?

- Traga-me a filha do rei, logo que ela adormecer. - ordenou-lhe o duque. - Não quero que a desperte nem na vinda, nem na ida, compreendeu?

Não demorou nada. E a princesa apareceu na cama, dormindo tão bem que era prazer em vê-la. Era uma criatura encantadora, não havia dúvida. O duque examinou-a cuidadosamente. Era a princesa verdadeiramente bela. Quanto mais a fitava mais se apaixonava.

- Lasse meu criado?

- Que é que o senhor manda?

- Leve a princesa de volta, ordenou o duque. - Agora, que a conheço, estou decidido amanhã ir pedi-la em casamento.

Na manhã seguinte, o rei, olhando pela janela, pensou: “Já não verei o maldito castelo”.

Mas a coisa incrível lá estava, como antes. O sol refletia-se nos telhados, as ventoinhas cintilavam, que era uma maravilha. Furioso, o rei chamou os criados, que acorreram mais depressa do que nunca, desfazendo-se em mesuras. Os soldados apresentaram armas.

- Estão vendo aquele castelo? - bradou o soberano.

Eles estenderam o pescoço e olharam. Viram-no naturalmente.

- Não lhes ordenei que o pusessem abaixo e enforcassem o construtor? - gritou o rei, fora de si.

Não puderam negar. O coronel contou tudo quanto sucedera, quantos soldados tinha o duque, e como era majestoso o castelo. Disse também ao rei que o duque lhe mandara saudações amigas. O rei, meio zonzo, colocou a coroa sobre a mesa, para coçar a cabeça. Não conseguia compreender. Era capaz de jurar que tudo aquilo fora obra de uma só noite. Pensou consigo: “Será se o duque não era o diabo em pessoa, ou um poderoso feiticeiro?”. E, sempre a pensar, mandou que chamassem a princesa, sua filha:

- Bom dia, meu pai, disse-lhe ela. - Esta noite, eu tive um sonho como nunca tive. Foi  muito lindo e estranho ao mesmo tempo.

- Que foi que você sonhou, minha querida filha? - perguntou-lhe o rei.


- Que eu tinha ido ao novo castelo, no outro lado da floresta, onde vi um simpático duque. Nunca supus que pudesse existir um duque assim. Meu pai, eu quero me casar com ele.

- Mas isso é muito esquisito. - retrucou o rei. - Agora, você está querendo um marido. Logo você, que nunca se dignou a olhar para nenhum homem.

- É verdade, meu pai, reconheceu a princesa. - Mas eu mudei de opinião. E eu quero me casar com o duque, pronto.

O rei encheu-se de assombro. Ouviram-se, então, subitamente, repetidos toques de clarins, rufar de tambores, além do som de outros instrumentos. Um mensageiro veio correndo, para anunciar que o duque já chegava, acompanhado de grande séquito. O rei, tornando a repor a coroa na cabeça, ficou olhando para a escadaria. Quanto à princesa, estava que tinia de curiosidade.

O duque saudou-os amavelmente. O rei respondeu-lhe da mesma maneira. E, em seguida, realizou-se uma grande festa. E o duque sentou-se ao lado da formosa princesa.

É claro que não sei o que dissesse um ao outro… O que sei é que, a certa altura, o duque aproximou-se do rei, pediu-lhe a mão da linda princesa. O rei não pode dizer que não, pois o duque era homem com o qual não convinha absolutamente ter atrito. Contudo, não quis o monarca dizer sim, sem mais nem menos… O rei quis, antes, visitar o castelo. Era natural. Por conseguinte, entraram em acordo. E decidiram que o rei, acompanhado da princesa, visitaria o duque.

Despediram-se. E, quando o duque voltou para o seu castelo, Lasse teve de fazer um milhão de coisas. E ele fez todas as coisas, saltando de um lado para outro. Tudo ficou tão belo, tão delicado, que, quando o rei e a rainha chegaram, ficaram boquiabertos. Quem seria capaz de descrever as maravilhas que viram? Visitaram aposento após aposento. E o rei não cabia em si de contente.

Celebrou-se o casamento. Terminada a festa no palácio do rei, o duque, ao voltar com a jovem esposa para o seu castelo, também deu magnífica festa.

Passado algum tempo, certa noite, ouviu o duque uma voz misteriosa perguntar-lhe:

- Está satisfeito agora?

Era Lasse. Mas o duque não conseguia divisá-lo.

- Satisfeitíssimo, retrucou o duque. - Você me proporcionou tudo quanto eu desejava.

- E que você me deu em troca?

- Nada, reconheceu o duque. - Mas, meu Deus, que poso lhe dar se não é feito de carne nem de osso, e se não me é dado sequer vê-lo? Se, contudo, há alguma coisa em que lhe possa ser útil, fale que eu lhe obedecerei imediatamente.

- Gostaria muito de receber o pedacinho de papel que o senhor guarda na caixinha, falou para o duque Lasse.

- Se é isso, disse-lhe o duque, se com isso o ajudo, não tenho dúvida. Já sei de cor as palavras…

Lasse agradeceu e disse ao duque que deixasse o papelzinho na sua cadeira, diante da cama, quando o deitasse. Ele iria buscá-lo de noite.

Assim, fez o duque. Pouco depois, ele e a princesa deitaram-se e adormeceram. De madrugada, porém, o duque despertou com um frio, que o fazia bater os dentes. Abrindo os olhos bem, verificou que estava inteiramente nu. Em vez do precioso leito e do lindo quarto de dormir e do magnífico castelo, viu-se na velha choupana. Imediatamente, falou baixo para não acordar a princesa:

- Lasse, meu criado.

Não recebeu resposta. Chamou-o mais uma vez:

- Lasse, meu criado.

Nada. Desesperado gritou:

- Lasse, meu criado. Lasse, meu criado.

Tudo inútil.

Compreendeu então que Lasse, de posse do papel, ficara livre do serviço. E fora ele próprio quem lhe dera o papel. Não havia o que fazer. O duque estava de novo na velha choupana e nu, ainda por cima. Quanto à princesa, achava-se na mesma situação, embora conservasse a roupa recebida do pai, sobre a qual Lasse não tinha nenhum poder.

Viu-se o duque obrigado a explicar tudo à princesa. E pediu-lhe que o deixasse, uma vez que, sozinho, saberia arrumar-se melhor. Ela, no entanto, não concordou com ele, dizendo-lhe que se lembrava muito bem do que lhe recomendara o sacerdote, durante a bênção nupcial, ou seja, de que jamais poderia abandonar o marido.

O rei, pai da princesa, lá no outro lado da floresta, acordando-se, resolveu olhar pela janela. E não mais viu o maravilhoso castelo que abrigava a filha e o genro. Inquieto, chamou os cortesãos. Eles, aproximando-se, curvaram-se até o chão.

- Estão vendo aquele castelo no outro lado da floresta? - perguntou-lhes o soberano.

- Não, majestade, responderam submissos.

- Onde estará? - indagou o rei.

- Não sabemos, majestade.

O rei, fazendo-se acompanhar por todos eles, rumou imediatamente para lá. Quando chegaram no ponto em que erguia o castelo, com o grande e esplêndido jardim, nada mais viram, a não ser pinheiros e outras árvores. E, entre a vegetação, descobriram a velha choupana. O rei entrou. E coitado que lhe foi dado contemplar. Lá estava o genro, inteiramente nu, E a filha, não muito vestida, chorava amargamente.

- Meu Deus, exclamou o pobre rei aflito. - Que aconteceu aqui?

Não ouviu resposta. O duque preferiu morrer a ter de explicar tudo. Mas o rei procurou, por todos os meios, fazê-lo falar. O duque, obstinado, não proferiu nenhuma palavra. O rei, então, enfurecido, desconfiando de que aquele duque não era o que afirmava ser, mandou que o prendessem. Entretanto, a princesa, intervindo-se, suplicou ao pai que o deixassem em paz. Mas de nada valeram os seus rogos. O duque era um patife, afirmava o rei. E, portanto, deveria morrer.

Os homens do rei ergueram a forca e puseram a corda em volta do pescoço do infeliz. Durante os preparativos, contudo, a princesa, aproximando-se do algoz, deu a ele e ao ajudante uma gorda propina, para que o duque não morresse.

De noite, eles deveriam libertar o duque. E ele e a princesa tratariam de fugir. Assim, tudo ficou combinado. O algoz e o ajudante deram um jeitinho, puxaram o duque para cima. E o rei, acompanhado do seu séquito, afastou-se.

Era o fim, pensou o duque tristemente, refletindo na enorme ambição que o dominara e na estupidez com a qual entregara o pedacinho de papel para Lasse. Ah, se o tivesse de volta. Mas era tarde para arrependimentos. Não sabendo o que fazer, ficou a balançar as pernas…

Não se aborreceu muito quando notou que o sol desencadeava por trás da floresta. De repente, ouviu medonho grito… Olhando, notou sete carroças, cheias de sapatos velhos. Na última delas, havia um velho, de roupa cinzenta, com um gorro na cabeça. O seu rosto parecia o de um horrível fantasma…

Rumando para a forca, deteve-se ao pé dela. Fitou o duque e, em seguida, explodiu-se em horrorosa gargalhada.

- Você foi burro, heim? - disse-lhe o velho. - Afinal, convém a burrice. Que diabo!

E gargalhou de novo.

- Agora, continuou o velho a falar para o duque, aí está você enforcado, e eu aqui estou, com os sapatos que estraçalhei, lidando por lhe fazer os desejos. Duvido que saiba ler o que está escrito neste papel. Nem sei se o reconhece. Ah, ah, ah!

Mas nem todos os enforcados morrem. E daquela vez, Lasse foi mais burro?… Não. O duque, com ligeiro movimento, arrancou-lhe o papel das mãos do velho.

- Lasse, meu criado.

- Que é que o senhor manda?

Tire-me já desta forca. Devolva-me quanto antes o castelo. E, quando cair a noite, traga-me novamente a princesa.

Tudo se fez com incrível rapidez. E tudo voltou a ser o que era antes. Só que, quando o rei se acordou, na manhã seguinte, olhou pela janela, como sempre. E lá estava, novamente, o castelo com as brilhantes ventoinhas ao sol. Os cortesões, acudindo ao apressado chamado do rei, curvaram-se em mesuras:

- Estão vendo o castelo? - perguntou-lhe o rei.

Eles estenderam os pescoços, olhando para a direção apontada.

- Sim, majestade.

O rei, então, mandou buscar a princesa. Mas os criados não conseguiram encontrá-la. Mandou-os verificar se o genro continuava na forca. Mas lá não havia nem sombra de genro.

Atrapalhado, o rei retirou da cabeça a coroa, jogou-a sobre a mesa e coçou-se à vontade. Não compreendia absolutamente o que se passava. Finalmente, só lhe restou partir, acompanhado de grande séquito, para o lugar onde deveria erguer-se o castelo, e onde realmente se erguia. O jardim e as rosas eram os mesmos de sempre. Em baixo das árvores, viam-se os homens do duque. O genro e a princesa, luxuosamente trajados, correram-lhe ao encontro, na escadaria. “Aqui andam artes do diabo”, pensou o rei. Não ousava confiar nos olhos, de tão estranho lhe parecia tudo aquilo.

- Bem-vindo seja meu pai, e muito bom dia. - exclamou o duque.

O rei mal o olhou:

- Você é meu genro? - perguntou-lhe.

- Mas claro, retrucou o duque. - Quem devia ser?

- Não mandei ontem que o enforcassem como vulgar ladrão? - perguntou-lhe o rei.

- Estou acreditando que meu pai, durante o trajeto, enlouqueceu, respondeu o duque, rindo. - Julgará o senhor que permito que me enforquem tão facilmente? Haverá aqui alguém que dê crédito a uma balela dessas?

Assim falando, ficou o séquito inclinando-se, a lhe prestar obediência. E todos disseram:

- Como podia alguém ter ideia tão estaparfúdia? Afinal, não havia burros entre eles.

O rei não sabia o que fazer. Fitando o duque, achou que nunca poderia ter-lhe feito mal, mas não tinha nenhuma certeza.

- Diga-me, meu genro, não estive aqui ontem, e o castelo não havia desaparecido? No seu lugar não estava apenas uma velhíssima choupana e, na choupana, não vi você inteiramente nu?

- Meu pai, respondeu-lhe o duque, creio que os anões o iludiram e fizeram com que se perdesse na floresta. - E, voltando-se para os cortesãos, perguntou-lhes: - Que acham?

Todos os cortesãos curvaram-se umas quinze vezes, para mostrarem que estavam de pleno acordo com o duque. Era natural. E o rei esfregou os olhos. Depois, relanceou-os em volta.

- Deve ser como afirma, murmurou afinal o rei. - Acho que já me voltou a razão, como me voltaram os olhos. Teria sido realmente uma pena que eu o tivesse mandado enforcar.

Estava o rei outra vez alegre. E ninguém mais pensou no assunto. Mas diz o povo: é sempre à nossa custa que aprendemos. O duque começou a fazer tudo pessoalmente. E Lasse só gastou poucos sapatos. O rei doou ao genro a metade do reino.

Um dia, Lasse procurou o duque. Não tinha aspecto muito mais belo do que na primeira vez, mas possuía melhores maneiras. E não ousava rir e fazer caretas.

- Já não precisa do meu auxílio, disse Lasse. - Antigamente, eu inutilizava sapato após sapato. Agora, pelo contrário, não consigo terminar um par. E tenho a impressão de que, nas pernas, me cresce musgo. Por conseguinte, creio que poderia despedir-me.

O duque concordou.

- Tive o cuidado de fazê-lo trabalhar por fim muito pouco. E acho que posso passar sem você, completou o duque. Mas não posso dispensar nem o castelo, nem os seus pertences. Nunca mais arranjarei construtor que seja capaz de substituí-lo com vantagem… Logo, não lhe entregarei voluntariamente o papel.

- Enquanto mantiver em seu poder não correrei perigo, afirmou Lasse. - Mas, se cair em mãos de estranhos, terei de recomeçar a trabalhar. E aí uma coisa que almejo. Quando se trabalha, como eu, durante mil anos, o cansaço é inevitável. Que diabo!…

Lasse avisou ao duque que ele deveria guardar de novo o papel numa caixinha. E que ela seria enterrada, à profundidade de sete jardas, no chão, debaixo de uma pedra, na qual ninguém mexeria.

Agradeceram um ao outro a companhia. E separaram-se. O duque, cumprindo a palavra empenhada, jamais mostrou o papel a quem quer que fosse. E viveu muito feliz com a princesa, que lhe deu vários filhos. Quando o rei morreu, herdou-lhe todo o reino.

Assim, podem imaginar os leitores que a sua situação não piorou de maneira nenhuma. Nesse reino, se ainda o rei não morreu, ele deve estar governando hoje…

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