Literatura do Folclore: Lázaro - conto

Existiu, noutros tempos, no Convento do Carmo, em João Pessoa, um personagem que deixou tradição. Ainda hoje, ele é lembrado pelos conhecedores da vida da antiga província. Ele era um preto escravo, que se chamava Lázaro, mas que de Lázaro só tinha o nome. Era um preto luzidio, tipo másculo, enorme, de feições agradáveis, dando a impressão de descender de uma raça superior. Seu nariz era aquilino, seus cabelos eram lisos e seus lábios eram finos. Só a cor dele é que era negra de verdade.

Diziam que Lázaro se ocupava em fazer rendas, que as vendia por intermédio de outras pessoas. Mas nada indicava que assim fosse. O trabalho no convento, onde ele morava, era pesadíssimo, incessante. E o número de escravos era insuficiente para fazer todo o serviço da fradaria. Não seria possível, portanto, que houvesse tempo para Lázaro descansar e ir fazer rendas. Devia, porém, haver algum outro motivo, para que se atribuísse a Lázaro aquela espécie de serviço. Também aquele seu aspecto enorme era totalmente contrário à ideia de um trabalho tão delicado e tão dependente de paciência e habilidades femininas.

Só que o povo dizia que o andar de Lázaro justificava a sua ocupação. De fato, o andar de Lázaro era extravagante. E parecia tudo, menos andar. O que ele fazia era dançar o tempo todo que andava pela rua. Andava dançando, num passo miúdo, constante sem parar. Mal parecia o mal de São Guido. Era por isso que todos diziam que aquele jeito ridículo de andar correspondia com seu trabalho de tecedor de rendas. Habituara-se tanto ao serviço meticuloso, e por isso diziam que Lázaro ficara possuído do mal incurável de andar dançando. E aquilo tinha qualquer coisa de absurdo e não inteiramente inexplicável.

Lázaro raramente saía à rua. E, quando saía, era para não fazer coisa alguma. As janelas se fechavam. Os grandes ficavam olhando por trás dos postigos, enquanto os meninos corriam para os fundos de casa, agarravam-se às saias de suas mães, num incrível estado de nervos.

- Lá vai, Lázaro. - era a voz de alerta.

Bastava isso para que o alarme tomasse enorme extensão. Em vida, o seu prestígio era baseado no medo. Imagine-se o que seria depois da morte. Deveria tomar de conta da população. E foi, em realidade, o que aconteceu.

Um dia, circulou a notícia de que Lázaro havia desaparecido, para os lados da mata da Água Fria. Ninguém sabia bem a causa. Mas todos sabiam que aquilo constituía perigo. Que iria, então, ele fazer por lá? Nada justificava aquela sempre sua escapada. No entanto, Lázaro fugira, para não voltar mais.

Bem que esperaram a sua volta. Quanto mais a temiam mais a esperavam. E, como Lázaro não voltasse, a sua lembrança passou a viver na mente dos moradores com tamanha intensidade que sua pessoa nunca conseguira com o cotidiano do convento e das ruas da cidade. Afinal, a única estranheza que ele demonstrava era andar dançando num passinho miúdo e igual. Deslizava pelas calçadas, os pés quase sem desgrudar do chão. Aquilo teria parte com o fute (o demônio)? De certo que tinha.

Ninguém reparava que Lázaro vestia molambos. Nem também no seu chapelão de palha, sempre pendurado pelo cordão ao pescoço. Nem nos seus braços em ângulo, para melhor equilíbrio da sua dança de miudinho. Nem nos seus pés largos e inchados. Nem nas suas unhas grandes, tão grandes que se enroscavam, como parafusos amarelos. Ninguém reparava mesmo em nada, mas somente na dança de Lázaro. O barulho que ele fazia era sutil, e toda a população o conhecia bem. Era mais um sussurro, desses que vêm com o vento ligeiro, do que um barulho.

Pois foi exatamente esse barulho que ficou sobre a terra, sinal único da passagem do escravo pelos lugares onde ele sofreu suas penas. A qualquer hora, de dia, ou de noite, ouviam-se bem os passos de Lázaro, aproximando-se da gente. Tornou-se o fantasma de todos os instantes. Às vezes, acontecia achar-se uma pessoa na sala de jantar e ouvir, de repente, alguma coisa estranha no corredor. Se fosse alguém mais corajoso, ficava no seu canto quieta, esperando que o mistério se desfizesse, ou se explicasse. Se fosse o contrário, abria na mais desabalada carreira deste mundo. Diziam todos que a alma de Lázaro andava penando, porque ele ainda procurava fazer aquilo que não devia.

Corriam as histórias mais desencontradas para explicarem aquelas visitas inoportunas e inesperadas. Até que, por fim, ficou estabelecido que os passos de dança, ou ruído, semelhante ao que se ouvia em qualquer lugar, não teriam outra procedência: era mesmo Lázaro que vinha.

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