Há algum tempo atrás, deu para aparecer, em vários lugares do Rio de Janeiro, uma mulher misteriosa, cuja mensagem não se sabe se era de mal ou de bem.
Sabe-se apenas que era corpulenta, tinha olhos verdes, rosto pálido. E nunca alguém viu a cor de seus cabelos, porque ela usava, constantemente, um turbante amarelo.
Aconteceu que, nas horas em que viajava pouca gente nos bondes, a mulher aparecia sentada, sozinha, no último banco. Costumava também viajar nas barcas, até o fim das linhas. E voltava, em seguida, sem falar com ninguém. E o curioso era que ninguém via quando ela subia ou descia dos bondes e das barcas. Às vezes, ela sorria. Algumas pessoas disseram que aquele seu sorriso era malvado; outras disseram que era um sorriso distraído, de quem vivia com o pensamento longe.
Um condutor de bonde, pessoa que vira de mais perto, disse que ela tinha dentes postiços, muitos miúdos, de cor azulada… Numa de suas viagens de bonde, o mesmo condutor contou que ela havia pago a passagem com passes velhos, amarrotados, um sinal de que os entendidos tomaram como aquilo provar que a mulher não seria uma criatura deste mundo, pois se sabia que o “povo do lado de lá” não podia pegar em dinheiro. Diziam também que ela usava, no seu peito, um broche, que representa um coração vermelho, varado por uma seta de prata.
Isso tudo fora contado por esse condutor. Já os outros condutores nunca a viram tão de perto, pois ela sempre passava de longe. Em geral, ela caminhava solitária, à beira do mar, na hora do pôr do sol. Às vezes, ela apanhava conchinhas. E, certo dia, uns meninos, que pescavam siris na praia do Barão, viram-na sentada numa pedra, enfiando as conchas no colar. Ao terminar, ela atirou o colar ao mar, e abrindo largamente o braço, a fim de alcançar bem longe.
Também a viram cortando rosas trepadeiras, de uma cerca de jardim. E, numa noite de lua clara, no alto de um desses morros, que rodeiam o rio, próximo de um terreiro de Quimbanda, muitas pessoas viram-na rodeando a casa e batendo as mãos, como se enxotasse um bicho.
Num dia, em que um automóvel matou um ciclista, na estrada do Galeão, as pessoas que acudiram o acidentado contaram uma outra aparição da mulher. Houve um momento em que todos se afastaram, para perseguir o chofer culpado. E as pessoas, ao voltarem da perseguição, e tendo bem seguro o motorista que gritava e se debatia, chegaram a ver a mulher ajoelhada diante do ferido, falando com ele baixinho e passando-lhe a mão pela testa dele. Quando, porém, chegaram bem perto, a mulher se afastou com passos rápidos. No chão, o ciclista estava morto, com os olhos fechados, e o rosto singularmente tranquilo.
Também no dia em que morreu um menino afogado na praia do Dendê, viu-se uma banhista de turbante amarelo, ajudando os pescadores a estenderem a rede, a fim de tirar o garoto do fundo do mar. E, quando, afinal, o pobre corpinho foi trazido pelas malhas, arrastando consigo gravetos e lama, a banhista mergulhou. E, lá debaixo d’água, saiu um som, que era direitinho um soluço. Ela não mais voltou à tona. E ninguém procurou por ela, pois a essa altura já todos desconfiavam quem fosse.
Um caso singular foi o do senhor idoso, que havia saído de sua casa, sem ninguém saber para onde ele fora. O idoso abandonou, sem dizer nenhuma uma palavra, a sua companheira de toda a vida. A coitada da esposa, chorando desesperada, revistou o paletó, que o marido despira antes de sair. E encontrou, no bolso de dentro, um bilhete escrito por mão feminina, marcando um “encontro no lugar de costume”. E, no bilhete estava assinado “M.M.”. Logo, todo mundo compreendeu que aquelas iniciais queriam dizer “Mulher Misteriosa”.
Foi em vão colocarem anúncios no jornal, com retrato do idoso. Não houve notícia alguma de um senhor desaparecido.
Finalmente, porém, duas semanas mais tarde, uma ambulância apanhou um velho paralítico e nu, caído no cais do porto. Só foi identificado que era aquele idoso que havia saído de casa, por causa da aliança, com o nome e sobrenome que ele trazia na aliança.
Mas a última vez que viram a mulher misteriosa foi na estrada de Tubiacanga. Estava indo, pela estrada, um casal de noivos, de braços dados, muito entretidos um com o outro. E, numa volta do caminho, lhes apareceu, pela frente, a mulher de cara branca e turbante amarelo. Ela os fez parar com um gesto. Abaixou-se e pegou do chão uma cobra, uma enorme jararaca preguiçosa, que dormia ao mormaço da tarde, bem à margem da estrada. A criatura estranha aninhou a cobra ao peito, como se fosse uma criança. Virou-se para os namorados, sorriu e sumiu-se mato adentro, como se entrasse por uma porta.