Literatura do Folclore: O advogado do sacristão - conto

Estava, numa certa Sexta-feira da Paixão,  um sacristão a distribuir velas para quem fosse acompanhar a procissão do Senhor Morto. Por fim, sobrou uma em sua mão. Ele logo procurou com os olhos se todos tinham recebido. Vendo que não havia mais ninguém para receber, ele entrou na igreja, colocou a vela atrás da porta e falou:

- Esta aqui vai ficar pro diabo.

Passados os tempos, aconteceu que durante um naufrágio, o sacristão foi preso pelos piratas e levado para uma ilha. O coitado ficou mais que desesperado. Mas, num certo dia, o sacristão ouviu uma voz falando por perto dele: “Quando você sentir bater no seu rosto uma ramada, se agarre a ela.

E assim ele fez de acordo com o que lhe mandara a voz desconhecida. Pois quando ele sentiu o contato com uns galhos, agarrou-se logo aos ramos invisíveis. E, no mesmo instante, se deu um vento muito forte. E, quando ele viu, estava descendo diante da sua porta.

Só que o sacristão não pode ficar sabendo quem teria sido o seu protetor. E, como ele gostava de viajar, inventou de ir a pé, para uma região muito pobre e de pouquíssimas pessoas. E, estando lá, acabou-se o seu dinheiro. O sacristão não encontrava trabalho de maneira alguma. Até que parou diante de uma granja.

Ao ver muitas galinhas, o sacristão pediu, para a mulher, que era a dona da granja, que lhe fritasse, pelo amor de Deus, meia dúzia de ovos. E confessou para ela não ter nenhum dinheiro para lhe pagar, mas que iria viajar pelo mundo e que, quando voltasse, lhe pagaria a dívida.

A mulher concordou com a sua proposta e fritou os seis ovos. Ele rapidamente comeu os ovos. E, depois disso, partiu.

Ainda o sacristão andou penando bastante pelo mundo. Até que, um dia, a sorte chegou. E ele progrediu e fez bons negócios e enriqueceu. Então ele decidiu fazer duas coisas importantes: pagar aqueles seis ovos comidos há tanto tempo e retornar para a quietude da sua igreja.

Quando, numa certa tarde, estava a dona da granja diante da porta, viu parar um cavalo com arreios de couro macio e prata. Desceu do animal um homem bem-vestido. Não o reconheceu, mas o desconhecido lhe falou:

- Eu vim lhe pagar uma dívida. Foi a senhora me atendeu na hora da fome e da necessidade. Eu fui aquele que comprei seis ovos para pagar depois. Pois eu não só quero pagar mas também quero lhe dar uma boa quantia em dinheiro, de presente.

Vendo-o endinheirado, a ganância assaltou o coração da mulher, que lhe falou de modo grosseiro:

- Espere aí. Eu vou ter de fazer as contas.

- Contas? Que contas? - estranhou o homem. E se sentindo atordoado, continuou: - E precisa fazer a conta para receber o valor preço de seis ovos? Não estou entendendo.

A mulher entrou em sua casa. Dali a pouco, saiu com um papel na mão  e lhe apresentou uma conta fantástica, uma lista imensa com o preço de milhares de galinhas.

- Que é isso, senhora? - perguntou o homem.

- Se eu tivesse posto, respondeu-lhe a dona da granja, aqueles seis ovos para chocar, teriam saído cinco franguinhas e um frango. As frangas botariam e tornariam a chocar. Em dez anos, eu teria tudo isto que está aqui nesta lista.

Como o homem se recusasse a pagar aquele absurdo, foram todos ao juiz mais próximo. E o julgamento do caso ficou marcado para daí a uns dias.

Muito desgostoso, o antigo sacristão resolveu andar um pouco, a fim de espairecer. De cara amarrada, cenho franzido, andou de um lado a outro do lugar, e já temendo a se tornar pobre, devido àquela ambição da mulher. E, numa de suas voltas, encontrou-se com um homem, todo vestido de preto, de colarinho duro, sapatos de verniz, muito bem penteado. E o desconhecido foi logo lhe perguntando:

- Por que você, meu amigo, está tão aflito?

O sacristão terminou contando o seu problema ao desconhecido. E o homem, sorrindo enquanto ele falava, consolou-o:

- Ora, ora, meu amigo, isso não é caso para você ficar nessa tristeza toda. Não se incomode não. Eu vou ser seu advogado. Aceita ou não?

Como se sentia perdido, o sacristão acabou aceitando o desconhecido como seu advogado. E o senhor lhe afirmou que, no dia do julgamento, estaria lá para defendê-lo.

No dia do julgamento, após haver começado a sessão, nada do advogado aparecer. Alguns casos foram julgados e havia chegado a vez do sacristão. E nada de aparecer o advogado. O juiz esperou. E nada. O juiz já estava impaciente, enquanto o sacristão se mostrava desesperado. Já sentia que, por falta de defesa, ia ser obrigado a entregar todo o seu dinheiro, ou ia ser preso, ou até iam matá-lo. Suava frio e maldizia a hora em que aceitara o serviço de qualquer desconhecido.

Em meio a tantos pensamentos loucos, qual foi a grande surpresa do sacristão ao ver o advogado chegando. Só que estranhou diante do aspecto do advogado: de barbicha em ponta e os pés de pato. E se tremeu da cabeça aos pés. Lá no seu íntimo imaginou de vez que o homem se parecia mais era com o demônio em pessoa. E ele tinha razão, já que o tal estranho advogado lhe falou baixinho ao seu ouvido:

- Você, meu amigo, se lembra da vela que você deixou para mim, atrás da porta da igreja? Pois, em agradecimento, já o livrei da prisão na ilha e aqui estou novamente para tornar a salvá-lo. Tranquilize-se, que não quero a sua alma.

O advogado, após essa confissão ao sacristão, dirigiu-se ao juiz, que não sabia da sua condição satânica, e falou de modo educado:

- Queira desculpar o meu atraso, excelência. Eu estava cozinhando um pouco de feijão, para plantar.

- Estava fazendo o quê? - perguntou-lhe desconfiado o juiz, enquanto se ouvia risadas do público pela desculpa tão esquisita.

- Eu estava, excelência, cozinhando feijão para plantar - repetiu o advogado.

O juiz recostou-se na sua alta cadeira e riu também. Logo após, falou para o advogado:

- Amigo, o que você me declara é um trabalho completamente perdido. Pois feijão cozido não nasce.

- Então, excelência, por que estamos aqui debatendo se de ovos fritos nascem pintos?

E foi assim que o sacristão pôde voltar em paz para a sua igreja.

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