Rulka era uma princesa. Uma princesa tão bela que bastava olhar para o seu retrato, para se ficar imediatamente apaixonado por ela. Os jovens se enamoravam doidamente dela. As moças a invejavam. Mas Rulka tinha um defeito grave, suficiente para anular toda a simpatia que sua beleza maravilhosa podia atrair: era extremamente soberba. E, assim, quanto vissem pedir-lhe a mão, recebiam escarninha em pleno rosto, E que viesse o mísero falar-lhe a sós, ou no meio do bulício da corte.
Riu, assim, no rosto do príncipe Berko, quando esse, muito em segredo e aproveitando-se a solidão do jardim dela, onde passeavam os dois, confessou-lhe ter por ela a mais viva simpatia. E, embora ela, no seu íntimo, também não desgostasse de tão prendado jovem. Berko era esplêndido: alto, moreno, com um belo rosto expressivo e dois olhos que resplendiam tanto que a gente não podia fitá-los, por mais de um segundo.
Berko sabia que as meninas mais gentis e nobres do mundo se sentissem felizes em casar-se com ele. Por tudo isso, o procedimento de Rulka o ofendeu e magoou-o profundamente. E ele foi-se embora, jurando, no seu coração, que se vingaria da moça.
Um dia, a princesa belíssima e soberba, enquanto passeava pelo seu jardim, viu mover-se, na pétala de um lírio, o minúsculo corpinho de uma joaninha. Tomou o bichinho, colocou-o na palma da mão e ficou encantada a contemplá-la. A joaninha foi-se tornando mais pesada na palma aberta de Rulka, assumiu a transparência luminosa de uma gema e se transformou em esplêndido rubi.
A moça, então, chamou o ourives real. Entregou-lhe a pedra fúlgida e ordenou-lhe que lhe preparasse um anel. Fez depois saber a todos os jovens do reino que se tornaria esposa daquele que adivinhasse a origem da joia. Pensava que ninguém poderia descobrir como um inseto chegara a se mudar em pedra tão preciosa. E antegozava a alegria de fazer sofrer outras amargas desilusões aos enamorados, depois de os ter embalado nas asas suaves esperanças.
Os homens acorreram em chusma ao palácio: duques, condes, poetas, artífices, mercadores de pedras, ourives. Até agricultores, servos, soldados, aventureiros. Inclinavam-se diante da belíssima jovem, ironicamente mais linda que nunca, examinavam o bizarro anel, diziam as mais extravagantes hipóteses. E ouviam, como negativa, uma risada de motejo.
Quando os pretendentes começaram a rarear, apareceu-lhe, numa tarde de inverno, no palácio da princesa, um velho de longas barbas esvoaçantes ao vento frio, curvo para o solo, e o qual ia tateando, penosamente, com o seu bordão.
- Então o vovô também sonha casar-se comigo?
- E por que não? Sou velho, é certo. Mas o meu coração é jovem.
- Então, diga-me: qual é a origem do anel?
- Seu rubi era uma joaninha do jardim.
A princesa perdeu as cores. Levou a sua mão à boca, como se tivesse ficado tonta. Suas aias, postadas a pouca distância, correram para ampará-la, antes que Rulka tombasse ao chão.
Passado o momento de surpresa e estupefação, Rulka tomou-se de coragem:
- Mantenho a palavra - disse ela para o velho. - E estou pronta para o casamento.
As núpcias foram celebradas. O rei e a rainha choravam pela triste escolha da filha. Choravam também os amigos, os nobres, os servos. Só Rulka se manteve tranquila, indiferente. Era soberba, mas cheia de dignidade. Dizia para consigo: “Perdi o jogo; devo, então, pagar”.
Depois do casamento, o velho quis que ela fosse com ele. E ordenou a Rulka:
- Você, agora, é a minha mulher. Pois então, deverá você compartilhar a minha sorte de miséria e incerteza.
Rulka despediu-se dos seus. Em seguida, afastou-se do palácio. O marido a acompanhou até um casebre. Lá, ofereceu-lhe umas folhas de couve e um pedaço de pão duro. Depois, estendeu, no chão desigual, uma esteira. E disse-lhe:
- Não tenho cama. Você deverá se acostumar a dormir nesta esteira. Eu vou para o lado de fora, vigiar a casa. Não quero dormir.
- Não tem sono?
- É difícil que os velhos tenham sono. De qualquer maneira, visto que o repouso é necessário, amanhã de manhã, quando você se erguer, virei dormir na esteira. Assim, dividiremos a esteira.
A pobre princesa, muito cansada, adormeceu profundamente. Ao despertar, no dia seguinte, encontrou-se numa câmara luxuosíssima, e ela estava recostada num leito macio. Diante dela, um jovem belíssimo a contemplava, sorrindo.
- Não estou compreendo. - disse Rulka, olhando ao seu redor e a pensar que estava a sonhar. Mas verificou, no auge do espanto, que se encontrava bem acordada. E parecia-lhe já haver visto aquele jovem. Onde? Quando? Repetiu:
- Não estou compreendo.
De súbito, lembrou-se do velho marido do casebre e da esteira puída. A mudança de cenário parecia-lhe inexplicável.
- Moça, você não se lembra de Berko? - perguntou-lhe o jovem.
- Sim, conheci o príncipe Berko. E até o apreciava muito. Ah! Agora me recordo: é você o príncipe Berko.
A memória lhe despertara inteiramente:
- Diga-me: é você mesmo? E eu continuo a não compreender… Onde está meu marido? E a minha casinha?
- Quer continuar, falou sério o jovem, amarrada àquele velho? E você prefere a casinha a este palácio?
- Fiz uma promessa sagrada ao velho. Tenho de cumpri-a. E, quanto à casa, ela é a minha, a que o casamento, bem ou mal, me trouxe.
- Eu não acredito descobrir em você tanta virtude. Além de você ser muito bela, é também sensata. E eu me sinto feliz. Porquanto vê teu esposo aquele pobre velho, a quem, para cumprir a palavra empenhada, jurou companhia eterna, e a cujo lado não desdenhou viver, para manter a palavra dada. Pois aquele velho sou eu.
- Você?
- Sim. Quis eu, com a ajuda da minha madrinha, a fada Mirrasa, punir a sua soberba. Mas o castigo não poderia ser eterno. E, enquanto você dormia, eu trouxe você ao meu palácio. Assim, podemos, agora, começar uma vida nova feliz. Que diz?
Rulka não lhe respondeu. Chorava comovida e arrependida da sua soberba, que ia lhe dando tão maus resultados. E, assim, foi grande a alegria na corte, quando o rei e a rainha anunciaram, muito contentes, quem era o verdadeiro genro.