Literatura do Folclore: O bicho folharal - conto

Cansada de ser enganada pela raposa e de não poder segurá-la, a onça resolveu atraí-la à sua furna. Fez correr a notícia de que tinha morrido. E se deitou no meio da sua caverna, fingindo-se de morta. Todos os bichos, contentes, vieram olhar o seu corpo. A raposa também veio, mas prudente ficou de longe. E por trás de outros animais ela gritou:

- Minha avó, quando morreu, espirrou três vezes.

A onça, para mostrar que estava morta de verdade, espirrou três vezes. A raposa fugiu, às gargalhadas. Por causa disso, a onça, furiosa, resolveu apanhá-la ao beber água. Era uma seca braba no sertão, e somente havia uma cacimba ao pé duma serra e que tinha nela ainda um pouco de água. Todos os animais selvagens eram obrigados a beber ali. A onça ficou à espera da adversária, junto da cacimba, dia e noite.

Ao fim de três dias, a raposa já não aguentava mais de tanta sede. Resolveu ir beber, porém usando duma astúcia. Ela achou um cortiço de abelhas, furou-o e, com o mel que dele escorreu, passou todo no seu próprio corpo. Depois, espojou-se num monte de folhas secas, que se pregaram aos seus pelos e cobriram-na toda. Foi à cacimba. A onça olhou-a bem e perguntou-lhe:

- Que bicho é esse que eu nunca vi?

A raposa lhe respondeu cinicamente: “Sou o bicho Folharal”.

- Então, pode beber a água.

A raposa desceu a rampa do bebedouro, meteu-se n’água, sorvendo-a com delícia. E a onça, lá em cima, desconfiada, vendo-a beber demais, como quem trazia sede de vários dias, murmurava:

- Mas quanta água bebe, Folharal.

Mas a água amoleceu o mel, e as folhas foram caindo do corpo da raposa. Quando a última folha caiu, a onça reconheceu a inimiga esperta e pulou ferozmente sobre ela. Mas a raposa conseguiu fugir.

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Literatura do Folclore: O beija-florzinho - conto

Contam que, uma vez, havia um homem que tinha uma filha para casar. Quando chegou o dia do casamento, a noiva e os padrinhos saíram para a igreja, ficando as escravas na cozinha, preparando o jantar. Como faltasse água para pôr nas panelas, que estavam no fogo, uma dela pegou um pote e foi à fonte. Quando chegou lá, viu um beija-flor sentado, num ramo de árvore, cantando:

“Helena, Helena, / do papo lundu, / cajila, muquila, / zengue-zengue-zengue, / tuíte…”

A negra pôs o pote no chão e logo começou a sambar, que nem se lembrou mais da água, nem de comida, nem de nada deste mundo. Todos na casa ficaram a esperar por ela. Espera que te espera, e a negra lá na fonte. O beija-florzinho cantando, e ela sambando.

Passado muito tempo, outra escrava foi ver o que a companheira estava fazendo, que não voltava com o pote de água. Assim que foi chegando, a negra, que estava sambando, logo começou a cantar:

“Parceira de minha alma, / venha ver zizi cantar, / quindahi, / quindahi!”

A parceira logo saiu correndo. E também caiu no samba. Em casa, então, ficaram a esperar pelas duas. Chamaram, gritaram, nada! Lá se foi uma terceira escrava, uma quarta e, finalmente, todas as escravas e mucamas foram para a fonte. E, lá chegando, entraram no samba, como doidas.

Não havendo mais escravas na casa, uma das irmãs da noiva foi à fonte ver o que estava acontecendo. As escravas, ao verem-na chegar, foram logo cantando:

- Sinhá, moça de minha alma, etc.

A moça entrou na roda que era um gosto. Foi a outra irmã. Mal a primeira que fora, viu a irmã, chegando, começou a gritar:

- Minha mana de minha alma, etc.

E a segunda moça não teve dúvidas: caiu logo no samba. A mãe das moças já estava desesperada, a comida estava queima não queima. Os noivos, os convidados estavam cegam não chegam. O pessoal todo da casa já tinha ido para a fonte. Só ela estava lá. Então, aflita, disse:

- Qual o quê! Alguma coisa aconteceu para aquela gente toda na fonte. Só eu indo mesmo ver o que há.

Pôs um xale na cabeça e saiu. Muito antes de chegar à fonte, já foi ouvindo o samba ferver. E, logo que avistou o pessoal na roda, logo que ouviu o canto do beija-florzinho, já lá de longe começou a mexer as cadeiras, peneirando, requebrando-se toda. Assim que as filhas a viram, gritaram:

- Mamãezinha de minha alma, etc.

A velha caiu na dança, com perigo até de se desmanchar. Foi aí que a coisa esquentou mesmo. O bichinho estava quase se acabando com a sua cantiga. Quanto mais ele cantava mais as mulheres sambavam.

Em casa, só tinha ficado o velho aflito, esperando os noivos, os convidados, a gente que havia ido para a fonte: mulher, filhas, escravas, tudo! Ele estava quase estourando de tanta raiva. Afinal de contas, danado da vida, passou a mão num manguá (cacete) e disse:

- Esperem um pouco. Eu vou já, já, dar um jeito em vocês.

E saiu furioso pelo caminho da fonte abaixo. Logo que a mulher o avistou, foi cantando, com as mãos nas cadeiras:

- Meu marido de minha alma, etc.

O homem foi chegando no meio da roda, foi descendo o manguá a torto e a direito, enquanto cantava:

“Minha mulher de minha alma, / prove lá deste manguá, / quindahi, / quindahi!”

Apanhou a mulher, apanharam as filhas, apanharam as escravas, que foi um gosto. Num instante se acabou o samba.

O beija-florzinho, bem sossegado, lá em cima da árvore, ouvindo aquele salseiro todo, voou e foi-se embora.

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