Havia um negociante que tinha a pretensão de ser muito inteligente e que, com toda a sinceridade, se julgava um poço de sabedoria. Chegou a ter a ingenuidade, para não dizer, petulância, de escrever na porta do seu estabelecimento: "Comprai do homem mais inteligente do mundo".
Ora, certa vez, passou, pela frente da loja, uma moça de soberba formosura. Leu as palavras presunçosas e teve ganas de pregar uma partida ao seu autor. Entrou na loja e começou a examinar uns panos, com muito interesse.
O homem não escondeu a sua admiração ante a graciosidade da freguesa. Ela sorriu para ele e disse-lhe:
- Bem se vê que, além de homem inteligente, és de bom gosto, uma vez que está admirando a minha beleza. Ou estarei enganada?
- Mas por Deus! És uma linda moça, nunca te havia visto antes aqui. De onde vieste?
- Eu?! Mas eu sou daqui mesmo, não saio nunca do meu castelo, no morro de Cristal. Sou a filha do príncipe Antônio.
- Ora vejam só! - disse o comerciante, no auge da admiração. - Como o povo fala demais! Diziam que a filha do príncipe Antônio jamais saía do castelo por ser o bicho mais horrível deste mundo, capaz de meter medo ao próprio Satanás com a feiúra. Sabes, linda senhorita, que a descrição que se faz de ti é a de um mostrengo surdo, corcundo, barbudo, sem dentes e zarolho?
A jovem soltou uma risada fresca e cristalina.
- Por isso é que ninguém se atreve, apesar de minha riqueza, a ir-me pedir em casamento. A inveja tem muita fantasia...
- Sim, e acrescenta-se que quem for pedir-te em casamento deverá submeter-se à condição de só ver a noiva depois do casamento. É verdade?
- Quanto a isso, sim, mas não será pela minha feiúra. Quero crer ao contrário...
- E se eu arriscasse a te pedir em casamento?
- Serias bem aceito. Eu diria que sim. Meu pai ficaria contente em ter como genro o homem mais inteligente do mundo. Agora, adeus. Vai até o castelo, meu querido.
E levou os panos que o comerciante, embebido nas mais doces esperanças, se esqueceu de cobrar.
Nessa tarde mesmo, o homem, vestido com seus mais ricos trajes, subiu o morro de Cristal e bateu resolutamente à porta do castelo, pedindo licença para falar com o príncipe Antônio. Este ouviu o pedido de casamento, feito em tom grave e solene pelo comerciante e respondeu-lhe que sim, à condição de não ver a noiva, a não ser depois de realizada a cerimônia. Assim, depois que ambos disseram "sim", e ele viu o carão monstruoso da noiva, fitando-o com um olho só e a sorrir com a boca desdentada, que se abria como negra caverna acima do queixo, enfeitado com dois tufos de negra barba, deu um "ah!" de espanto.
- Aconteceu alguma coisa?
- Nada, nada. Esqueci, na comoção, o presente para a minha esposa. Vou buscá-lo sem mais demora.
E saiu correndo tanto, tanto, que em poucos minutos se achava no recesso da floresta. Ali, ofegante, ficou a olhar para todos os lado, cheio de susto, como se temesse que o bicharoco, que havia tomado por esposa, o tivesse seguido.
Estava muito triste, a pensar na estupidez que cometera, quando apareceu a zombeteira menina que tão cruelmente lhe pregara tal partida.
- Então, meu amigo, ainda estás convencido de que é homem mais inteligente do mundo?
- Fizeste a minha desgraça e ainda vens tornar-me mais penosa a sorte com tuas zombarias? Vai-te embora, eu te peço.
- Não te desesperes. Arrependo-me do que fiz. Vou tentar consertar. A lição te será proveitosa, e dentro em pouco serás ainda livre e rico.
- E poderia então casar-me comigo?
- Sim, é possível. Mas segue fielmente as minhas instruções. Deixa que eu vá na frente, para escolher uns colaboradores de que necessito. Daqui a meia hora, aparece no castelo do morro de Cristal. E não te espantes com o que estiver sucedendo, por muito absurdo que te pareça.
O jovem obedeceu. Para ele, já agora, tudo era indiferente. Pior não podia lhe acontecer. Apareceu no pátio do castelo. O príncipe Antônio estava às voltas com uma chusma de estranhos convidados: homens e mulheres em farrapos, de caras sujas, pés no chão. Uma gente horrível, verdadeiro Pátio dos Milagres!
- Príncipe Antônio, eu sou a irmã do teu genro. Vim para ficar morando no palácio. Manda-me dar um leito de seda, uma dama de honor e uma bolsa de dinheiro para os meus gastos particulares.
- Príncipe, eu sou o tio do teu genro, vim para morar com ele, de acordo com a combinação.
- E eu sou o primo.
- E eu o vovô. Chama tua filha, minha neta, quero abraçá-la.
Um casal de velhos, cheirando a cachaça e fumo tentou abraçar o príncipe. "Somos os sogros de tua filha. Agora, vamos viver aqui todos em família". O príncipe estava atarantado, quando apareceu o comerciante.
- Escuta aqui, amigo, falou o príncipe, não me disseste que tinha uma parentela tão abaixo de qualquer classificação, e que havias comprometido em trazê-los aqui, para o meu castelo. Ora, aqui está um saco de dinheiro, correspondente ao dote que minha filha iria receber. Vamos desfazer esse casamento. Felizmente, o arcebispo está no castelo e anulará a cerimônia.
O rapaz não disse nada. Apanhou o saco de dinheiro e saiu em meio das vaias dos "parentes" que, dali a pouco, desfazia o andrajoso ajuntamento e iam receber a gorjeta que a moça lhes prometera pela representação dos papéis.
A moça correu, depois, ao encontro do mercador.
- Vais concordar que haja no mundo gente com inteligência mais viva que a tua?
- Sim, minha linda. E agora, casas-te comigo?- Sim, mas com duas condições: primeiro, retirarás imediatamente da porta de tua loja aquelas palavras idiotas. Segundo, não tomarás nenhuma iniciativa sem primeiro me consultares para que aprove ou não.
Combinado o que, casaram-se. Diz a história que souberam aproveitar com inteligência a dádiva do príncipe Antônio e, negociando com habilidade, multiplicaram a fortuna.