Literatura do Folclore: O cuco - conto

Era uma vez, uma mulher perversa e espertalhona. Ela possuía, como marido, o melhor dos homens, que se possa imaginar. O que faltava a ela em bondade, sobrava nele. Ele era um homem digno de ser estimado. Mas, justamente a mulher, é que não o estimava nem um pouco. Sentia-se toda enfadada por ouvi-lo e vê-lo. Um dia, veio-lhe uma ideia diabólica. Chamou a empregada e disse-lhe:

- Vou contar uma história fantástica, hoje de noite, a meu marido. Ele precisará crer o que eu vou lhe contar. É a pura expressão da verdade: sendo assim, você vai apoiar tudo o que eu lhe disser.

A empregada, muito sabida, concordou com a patroa, na esperança de haver alguma coisa a lucrar.

- Pode deixai por minha conta, patroa. Eu me comportarei às mil maravilhas.

Depois da ceia. a mulher falou ao marido:

- Hoje, uma feiticeira me disse que esta aldeia não oferece nenhuma segurança Por isso, quando o cuco cantar, nos ramos da faia, que está em frente de nossa casa, você deverá apanhar a sua trouxa e ir embora logo, para o lugar mais distante possível.

A empregada, presente, confirmou as palavras da patroa:

- É verdade, patrão, eu também ouvi exatamente isso.

- Mas, eu ter de ir embora? - desconversou o homem. - Isso é uma coisa terrível, ter de abandonar a própria casa, deixar a minha aldeia natal. E para onde é que eu deverei ir?

- Já não te disse? - repetiu a esposa. - É para longe. O mais longe possível.

O pobre homem amedrontou-se:

- E você também vai comigo?

- Ora, marido, se eu acompanhar você, irá acontecer muita desgraça para nós dois. Foi o que me disse a feiticeira.

- Isso mesmo, reforçou a criada. - Muita, mas muita desgraça, foi o que ela disse a patroa, na minha frente.

- E o que eu irei fazer sozinho por este mundão?- lamentou-se o coitado. - O dinheiro, ainda que levasse comigo uma grande quantidade, ele terminará um dia.

- Ah, e eu quero te aconselhar: você não deve levar dinheiro. A feiticeira me aconselhou que você saia sem um tostão. E você vai ter de trabalhar pelo caminho, pedindo pousada e comida.

O homem não se conteve, que até chorou de tanto desgosto.

- Patrão, disse-lhe a empregada, é preciso resignar-se. Pode acontecer que a advertência do cuco não seja assim tão de repente.

- Ah, sim, adiantou-se a mulher dele, a feiticeira também explicou isso: o perigo poderá estar muito longe daqui.

O pobre homem já havia perdido a paz. E perguntava a esposa, a cada passo que dava dentro de casa, atarantado:

- E nós não poderemos nos ver, então, mulherzinha? Será que vamos estar separados para sempre?

- Se assim for a vontade do destino, que iremos fazer? Nossos corações estarão Sempre unidos. Um dia, quem sabe, poderemos também nos reunir nos campos azuis dos céus, ou na terra.

A empregada que, no fundo era boa criatura, estava a sentir-se comovida. E nascia nela uma grande piedade por pobre homem. Bem que teria querido desfazer o nó do engano e libertar daquele pesadelo o pobre patrão. Mas não conseguia, de receio da patroa passar para o terreno da ação o gesto de coragem e honestidade que lhe viera ao pensamento. Teve a empregada, contudo, uma ideia: dissimuladamente, passou a vigiar a faia, a fim de atropelar qualquer cuco que ali tivesse a fantasia de pousar. E dizia, para si mesmo, contente: “Um cuco, se chegar até aqui, terá que se avir comigo primeiro”.

Uma noite, então. A empregada acordou-se sobressaltada. Cantava um cuco. Ela saltou da cama e foi para a janela, que abriu-a de par em par. Á luz das estrelas, viu mover-se uma sombra enorme. Mas não era um cuco certamente. Era alguém, um ente humano. Olhou e reconheceu a malvada mulher, que se apoiava entre os ramos. A empregada tomou a decisão de soltar um grito de espanto no momento que ouvisse novamente o canto do cuco. E, lá no outro quarto, ela ouviu o rumor do patrão, levantando-se sobressaltado. Ele já havia percebido o canto fatal do cuco.

A empregada não perdeu tempo. Saiu, desesperada, ao encontro do patrão, que já pusera uma trouxa aos ombros, na ponta de um cajado. E já ia tratando de sair de casa, de olhos espavoridos e passos incertos.

- Calma, calma, patrão. Quem está cantando é um cuco sem penas, sem bico. Um cuco que está a pedir chicote.

- Que é que você está me querendo dizer, estúpida? É Deus que me adverte, por meio do cuco, que Ele quer que eu me vá por esse mundão, sem dinheiro, trabalhando aqui e ali, para obter meu sustento e pouso. Espero que minha mulher não saiba de nada: a pobrezinha ficaria tão aborrecida.

- Use um chicote, patrão. Esse cuco está pedindo é chicote - aconselhou-o a empregada.

Quando a empregada ia acompanhando o triste homem para a porta da saída, pegou um relho, que servia para fustigar o cavalo, e que estava pendurado atrás da porta, e ela despendurou-o. E pô-lo na mão do seu atarantado patrão.

- Patrão, disse-lhe por fim a empregada, não vá embora sem ver o cuco primeiro. Ela é uma ave estranha: nem tem bico, nem asas, nem penas.

A insistência da empregada foi tanta que o homem resolveu caminhar para a árvore. E mergulhou o olhar entre os ramos. Sem avistar o homem, o pretenso cuco tornou a cantar, para melhor reforçar a verdadeira de expulsão, que havia sido dito. Foi aí que o home viu aquele rosto enorme e não teve dúvidas: atirou golpes do relho a valer.

A mulher caiu no chão, uivando:

- Não me bata, marido. Não me bata. Me perdoe.

O homem logo compreendeu tudo. E as chicotadas zuniram no ar e caíram impiedosamente nas costas da malvada.

- A estupidez tem um limite, gritou ele. - Você queria me forçar a ir embora da minha casa, que é minha, que custou o meu esforço. E ainda queria que eu fosse sem o dinheiro que eu havia ganho. Pois bem, mulher malvada, agora quem vai embora pelo mundo, sem dinheiro e sem nada, como queria que eu fosse, é você. E que vá logo, antes que eu me enfeze mais.

A mulher não lhe respondeu nada. Transformou-se em cuco e disparou num voo rápido, para fugir à fúria do homem, subitamente despertado em sua boa-fé. E, como um padre ouvido a respeito dissesse que Deus, ao castigar a perversa com a forma de pássaro, era como se tivesse retirado dos seres humanos. Por isso, ele poderia se casar com que bem entendesse. E o homem não deixou de aproveitar essa liberdade. E se casou com a empregada que, por sinal, se mostrou uma esposa dedicada, carinhosa e leal.

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