Era uma vez uma cabrinha muito esperta e alegre. Saltava daqui para ali, pastava a erva tenra dos barrancos, o capim mimoso do prado. E vivia feliz. De quando em quando, ia mirar-se no espelho lúcido do regato. E ficava toda cheia de si, ao ver-se tão graciosa e bem ataviada, com o sonoro guizo de prata, que lhe pendia do pescoço.
Mas, um dia, a sua felicidade se conturbou. Havia perdido o guizo de prata, o seu sonoro cantor, cujo timbre os próprios pássaros invejavam. Procurou-o no meio das moitas, no crespo dos barrancos, à beira do regato, entre as florinhas delicadas do prado. E a cabrinha acabou chorando amargamente:
- Como farei sem o guizo, sem o meu lindo guizo de prata?
A cabrinha ouviu, então, uma voz, que a pôs em sobressalto. Mas, por mais que olhasse em volta, não via nenhum ser humano, ou nenhum animal.
- Não perca o seu tempo, procurando. Eu achei o seu guizo. Aí, eu o apanhei e gostei muito dele. Ele me diverte muitíssimo.
O guizo estava no ramo de um salgueiro, que fora quem falara, na sua voz vegetal espessa, esverdeada. Naturalmente, os leitores já ouviram uma árvore falar. E sabem como é a voz vegetal. O salgueiro se divertia em sacudir o ramo, como se fosse um braço. A cada sacudidela, o guizo tremulava, guizalhava, cantava, gorjeava.
- Ah! Esse aí é exatamente o meu guizo, disse para o salgueiro a cabrinha. Pois me dê, agora, o meu guizo, por favor.
- Eu? Nem por sonho. Eu me sinto muito bem com ele.
- Mas o meu guizo não é seu. Me dê de volta, ou quer que eu vá tomar de você?
- Você não me assusta. Mais poderoso é o vento do que os teus cornos. E eu afronto o vento, só rindo dele.
A cabrinha, furibunda, foi correndo queixar-se à foice, que estava encostada à sombra, do lado de fora do paiol.
- Vem, foice, cortar aquele salgueiro perverso. Ele furtou o meu guizo, meu lindo guizo de prata. E não quer me devolver.
- Por que você, sua cabrinha, vem me aborrecer? Vem perturbar o descanso de quem já trabalhou tanto hoje? Vá embora daqui, agora. Eu não estou no mundo para satisfazer esse seu capricho tolo.
- Mas como você não é gentil para com uma pobre cabrinha, que está sendo vítima de grave injustiça. Deixe estar, que eu vou me vingar de você.
A cabra foi falar com o fogo, que dançava alegremente, na lareira, divertindo-se, em fazer levantar-se e baixar-se a tampa de uma chaleira.
- Meu fogo bonzinho, falou-lhe a cabrinha, vem queimar a foice, que não quis cortar o salgueiro, que roubou meu guizo, meu lindo guizo de prata.
- Mas você está pensando que eu estou aqui, para atender cabeças de vento como você? Vá embora agora mesmo. E não venha mais perturbar quem está se divertindo.
- Mas como você é grosseiro. Você vai se arrepender, porque eu vou me vingar de você.
A cabrinha se dirigiu para a água, que cantava e fazia pirueta no regato.
- Minha água camarada, vem apagar o fogo, que não quis queimar a foice, que não quis cortar o salgueiro, que roubou meu guizo, o meu lindo guizo de prata.
- Ora, ora, era só o que me faltava! Eu sair daqui, dos meus cuidados, só por causa de uma cabrinha tonta.
- Mas você me parece que não é nenhum modelo de boa educação. Está bom. Mas eu ainda vou me vingar de você.
A cabra foi falar com a vaca.
- Minha amiga vaca, você pode beber a água, que não quis apagar o fogo, que não quis queimar a foice, que não quis cortar o salgueiro…
- O quê, sua cabrinha! O problema é seu, respondeu-lhe a vaca. E, virando-lhe as costas, continuou a mascar placidamente.
- Sua vaca atrevida! Eu ainda vou me vingar de você.
Pobre cabrinha. Não conseguia achar quem lhe fizesse justiça e a tratasse com boa educação. Mas ela era muito persistente. E prosseguiu, até que encontrou o lobo. Então, a cabrinha desfiou a sua lenga-lenga. O lobo, por sua vez, sorriu, com aquela bocarra negra e cruel. E disse-lhe muito ironicamente:
- Mas, mas… Como é que você quer que eu vá comer a vaca, minha menina, se eu estou sem fome? Eu acabei de comer uma linda cabrinha graciosa, assim como você. Escute-me. Vou lhe dar um conselho: por que você não vai para o inferno, belezinha?
A cabra saiu mais enfurecida do que nunca. E encontrou o caçador. Mas nem tinha começado a maçante narrativa quando o caçador a interrompeu:
- As bobagens me ferem os nervos e me fazem errar a pontaria. Não me venha mais me importunar, porque eu posso acertar um tiro no meio dos seus olhos.
A cabrinha pôs-se a chorar de raiva. A essa altura, o dono deu pela ausência da irrequieta cabrinha sua. E saiu-lhe à procura dela. Ao encontrá-la, falou-lhe:
- Por que você veio para tão longe de casa? E por que está a berrar dessa maneira?
A cabra contou-lhe a sua odisseia. O amo caiu na gargalhada.
- Mas como você complica muito as coisas. E ainda quer que todo mundo seja pedagogo, ou magistrado, ao falar em educação e justiça. Venha comigo, venha.
Então o amo e a cabrinha foram até o salgueiro. Lá, o amo agarrou o guizo e atou-o novamente no pescoço da cabra. E conclui, olhando firme para ela:
- Não era isso que você queria, afinal? No fundo, isso não era tudo o que você queria? Com seus saltos e cabritagens, você mesma fez o guizo se escapar do seu pescoço, e ele se enroscou no galho do salgueiro, não foi? Pois, se você tivesse vindo diretamente a mim, contado para mim o que se passava, você teria evitado tantas respostas mal-humoradas e tantas amarguras.