Um lituano e um cigano percorriam a mesma estrada. Travando conhecimento, decidiram prosseguir a estrada juntos a conversar, pois dizem que, assim, as mais longas e penosas caminhadas se tornam suaves e são vencidas sem dificuldades sensíveis. O lituano tinha na mochila um leitão assado. Já o cigano levava, no bornal de couro, uma galinha cozida.
Os dois caminhavam palestrando cordialmente. Às tantas, como caísse tarde, e a noite chegasse, o cigano parou e propôs:
- Vamos sentar-nos naquela erva macia do prado. Caminhamos o dia inteiro, e é tempo de descansar e comer alguma coisa. Eu, por mim, estou cansado e com fome. As pernas reclamam imobilidade, o estômago reclama alimento.
O lituano, pensando da mesma forma, achou a ideia excelente.
- Vamos fazer uma coisa? Comeremos primeiro o leitão. - propôs o cigano.
- Perfeitamente! - aceitou de pronto o lituano. - A tua galinha, nós a saboreamos mais tarde, antes de pegarmos no sono, à guisa de ceia.
Os dois homens devoraram o gostoso assado do lituano, beberam a água fresca de uma fonte vizinha e, depois, com o estômago regalado, deitaram-se na erva. Ficaram a conversar placidamente e a olhar as estrelas, que iam tremeluzindo no céu.
Algumas horas depois, o lituano falou ao companheiro:
- No meu estômago, ainda há lugar para a tua galinha.
- Sabes de uma coisa? - disse-lhe o cigano. - A galinha é pouca coisa. Ossos e pele. Se formos dividi-la, caberá pouca coisa a cada um. E nenhum de nós dois ficará satisfeito.
- Pois tenho uma ideia, propôs-lhe o lituano. - Vamos tratar de dormir um sono.
Ao acordar, contaremos nossos sonhos. E quem tiver tido um sonho mais bonito ganhará a galinha inteira.
- Boa ideia. - disse-lhe o cigano, que confiava na sua fantasia de zíngaro, para forjar o sonho mais bonito.
Tentaram dormir. Mas apenas o cigano se pôs a ressonar, o lituano abriu os olhos, levantou-se muito cauteloso, tirou do bornal de couro do outro a galinha. E foi devorá-la perto da fonte, sem o menor escrúpulo. De repente, apareceu uma raposa faminta, que se incumbiu de fazer desaparecer os ossos, a única coisa que o comilão não engoliu.
No dia seguinte, de madrugada, quando abriu os olhos, o cigano não teve mais do que um pensamento: garantir à sua fome a delicada carne cozida do bípede.
- Tive um sonho belíssimo, disse o cigano ao companheiro que, deitado a seu lado, fazia menção de haver acordado também naquele instante.
- Conte o seu sonho então.
- Pois escute só. Parecia-me que eu estava no paraíso. Estavam, a meu redor,
Jesus Menino e são José, com os anjos todos, cantando e tocando harpas. De uma nuvem, surgiu Nossa Senhora, com um toucado de estrelas, tendo, na mão, um ramo de ouro. Bateu com o ramo no solo. E, do lugar em que ela tocara o ramo, se ergueu uma mesa, carregada de pratos de ouro, com as mais deliciosas comidas. O que comi foi servido por lindas moças. Me parecia que eu ia ter era uma indigestão, quando acordei.
Ao terminar o seu sonho, o cigano disse para o lituano, com um sorriso de ironia:
- Agora, meu amigo, me conte você o seu sonho.
- É verdade o que você acabou de me dizer. Já eu vi, em sonho, quando você subia ao céu. E, quando você chegava ao paraíso, eu vi a Virgem saudando você. Depois, Nossa Senhora mandou que servissem um verdadeiro banquete só para você. Como estavam aromáticos aqueles pratos fumegantes! E, ainda, bem temperados! Daqui da terra, chegava o cheiro apetitoso dos pratos. E você comia, com tamanho regalo que eu, apertado pela fome e com apetite estimulado pelo gosto com que você comia lá em cima, levantei-me e … coitado de mim, levantei-me e comi a mísera galinha, um prato que era muito pobre, comparado com aqueles todos deliciosos, que você comia sozinho, lá em cima.