Literatura do Folclore: O Mouro - conto

O Mouro percorre as ruas em seu cavalo, altas horas da noite. E o tropel que se ouve, às horas mortas, é o sinal de que o fantasma está vivo. Quem já o viu sabe o quanto é ágil o cavaleiro. Gosta de correr, mas não há jeito de o esperar na certa, que ele não percorre sempre os mesmos caminhos nem às mesmas horas. Vem de venetas. Não gosta de homens. E, sempre que pode, chicoteia-os. A mulher, porém, tira-lhe as forças. Ama todas as mulheres. Fica bobo diante delas, mas sabe escolher as que deseja, com suas preferências de sátiro.

Todos temem o Mouro, por causa de seu gênio impetuoso. Anda sempre vestido de branco, com um longo roupão. E, nesses trajes, dança vertiginosamente, revelando incrível habilidade coreográfica.

Na porta da mulher escolhida, é que é de se ver a sua dança. Uma dança improvisada, uma verdadeira festa, pelo prazer que vai experimentar dentro de pouco.

Ouve-se o sapateado e já sabe que é o Mouro.

Quando se vai olhar, só se vê um cavalo quieto, amarrado ao postigo. Mas se sabe que o Mouro anda por ali, para acalmar as suas ânsias sexuais.

É um homenzarrão de cor escura. E todos os outros homens o detestam, não tanto pelas chicotadas, mas porque lhes faz séria concorrência, tomando para si as mulheres mais belas. E isso não se discute: é um fato que todos comprovam. Também ele não dá a menor confiança aos rivais. E, sempre que lhes aparece oportunidade maneja o relho e surra-os. Muitos já apanharam dele, mas não dizem nada, para não apanharem de novo.

Se não fosse isso, de ele querer tomar para si o que há de melhor, decerto ninguém se queixaria contra o mito exigente e valentão. O modo como age, o terrível ciúme que revela, é sinal de sua raça: mouro. As surras que aplica confirmam que é violento e inflexível na defesa daquilo que escolheu para si.

Há, na cidade, muitas costelas quebradas e muitos aleijões incuráveis, devido ao gênio do Mouro, principalmente na festa de fim de ano, quando vieram, da Bahia, muitas mulatas roliças e enxutas, para os maracatus e para as lapinhas. O ciúme recrudesceu. E o resultado foi aquela desgraça, de que todos se lembram muito bem.

Ninguém sabe, porém, a profissão verdadeira do fantasma: se era ferreiro, ou marceneiro… nada! Só ele sabe. Ele vive de barriga cheia, pele muito lustrosa, muito limpo no seu roupão branco, além de seu veloz cavalo, sempre bem tratado.

As más línguas afirmam que o Mouro assalta as casas comerciais durante a noite, o que faz com muito método e atrevimento. A verdade é que vive à larga. E muitos negociantes sofrem as consequências, sem terem para quem apelar, com receio de que ele volte e faça pior. Fala-se também que as barcaças que atravessam o Varadouro são sistematicamente visitadas pelo Mouro, que vai fazer a sua inspeção e verificar se há alguma mercadoria que convenha aos seus interesses. Examina os manifestos de bordo e fica sabendo quem são os consignatários. Depois é que assalta as casas, sabendo já o que vai encontrar.

Transporta o produto do seu roubo no lombo do cavalo árabe. E o faz com estilo, sem pressa, na maior segurança. Quem quiser que se meta para lhe barrar o caminho. E, então, verá com quantos paus se faz uma jangada.

Ninguém descobriu ainda onde fica o seu esconderijo. Muita gente diz que é para as bandas de Pernambuco. Mas ninguém não ter a certeza. É só porque ele aparece daquele lado.

Dizem que naufragou nas águas do mar que se embaraçam com as águas do rio Goiana. Vinha do outro lado do Atlântico, num veleiro. E o veleiro, ao chegar à costa brasileira, não suportando o embate das ondas do temporal, naufragara, morrendo todo os tripulantes e passageiros. O Mouro, porém, salvara-se. Ganhara a terra, depois de uma longa série de aventuras.

O Mouro sempre se saíra muito bem de tudo. Mas se tornara tão conhecido naquela zona que resolvera mudar de ares, para melhor proteger suas aventuras de amor e rapinagem. Assim, virou fantasma. E um fantasma respeitado, principalmente pelos homens que têm suas amantes formosas reservadas e queridas, com as quais, para poderem dormir, é preciso ter coragem, muita coragem.

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