Havia, num reinado, uma serpente que só comia animais de criação. Todos os dias, o rei daquele lugar mandava que dessem um animal para a fera comer. Mas o bicho comia tanto que os animais começaram a acabar. E chegou o dia que não havia mais nem boi, nem vaca, nem o velha, nem cavalo, nem nada. Então, o bicho horrível começou a comer gente.
Como ninguém queria ser comido, tiraram a sorte para ver quem deveria ser sacrificado. Depois de determinado quem ia servir de alimento para a serpente, o rei mandava que levassem o coitado lá para perto da toca, onde o bicho morava. E, assim, a gente daquele lugar foi vivendo sempre aterrorizada, pois ninguém sabia quando ia chegar sua vez.
Até que, um belo dia, a sorte de ser comido caiu para a filha do rei. E ele, que não voltava a sua palavra atrás, mandou que levassem a princesa, para a serpente devorá-la. E, assim, os guardas levaram a moça e deixaram-na perto da toca. Quando a serpente saísse faminta e furiosa, iria encontrá-la. E comeria e logo ficaria calma, voltando a dormir.
Mas acontece que estava um príncipe caçando por aqueles lados. E encontrou a princesa, que chorava muito amedrontada. Aí, o príncipe perguntou-lhe por que ela estava tão desesperada. E ela lhe contou tudo. E o príncipe lhe disse:
- Ora, ora, isso é nada! Deixe estar, fique sossegada.
Depois de falar isso, o príncipe se deitou, pondo a sua cabeça no colo da princesa. E lhe pediu que ela catasse um piolho em sua cabeça. A moça satisfez-lhe a vontade. E ele, pouco depois, adormeceu.
Dali a pouco, a moça sobressaltou-se, ao ouvir um barulhão: era a fera que se vinha aproximando, soltando urros terríveis. A princesa ficou com tanto medo que nem teve a coragem de acordar o moço. E começou a chorar, toda trêmula, à espera da morte. Só que aconteceu que uma de suas lágrimas caiu no rosto do príncipe. E ele se acordou. Surpreendido, levantou-se e perguntou a princesa o que estava acontecendo. Ao saber que era a serpente, lhe disse:
- Deixe que ela venha.
Quando a serpente foi chegando, o príncipe foi desembainhando a espada. E foi andando ao encontro dela. Depois de uma luta tremenda e longa, terminou matando a fera. Decepou, então, a cabeça da serpente, cortou-lhe as sete pontas de línguas, amarrando-as, em seguida, num lenço. Depois, tirou um anel de ouro do dedo e deu-o à princesa, marcando o dia em que iria ao palácio, para pedi-la em casamento. Despediu-se e foi embora.
Mas, enquanto o príncipe e a princesa estavam conversando, passou por ali um negro carvoeiro. O negro, vendo a serpente com a cabeça cortada, tirou uma faquinha do bolso, cortou os sete tocos de língua e foi voando para o palácio, para dizer ao rei que havia matado a serpente.
Ora, muito bem. O rei dissera que quem matasse a serpente e lhe entregasse as sete pontas de língua era aquele que se casaria com a princesa. Como palavra de rei não volta atrás, não houve outro jeito, senão aceitar o negro carvoeiro como noivo da princesa. O rei ficou muito desapontado, mas disfarçou e mandou que fossem buscar a filha no mato.
A moça, ao chegar ao palácio e ficar sabendo o que havia, zangou-se muito, pois bem sabia que o negro estava mentindo, e vira muito bem quando ele cortara os sete tocos da língua da serpente. E a princesa ficou muito furiosa, mas não disse nada.
O rei, dando tudo por feito, mandou hospedar o futuro genro no palácio. Mandou também que lhe dessem um banho com bagaço de coco e areia, para tirar aquele cascão de suor e pó de carvão. Depois, mandou que lhe dessem uma roupa de veludo muito bonita e sapatos de cetim. E, assim, o negro saiu do banho vestido como príncipe, patinhando, sem saber como andar, pois nunca usara sapatos na vida. Quando chegou numa sala, viu-se cercado de criados e ficou de cabelos em pé. Ao vê-lo, os outros negros escravos do rei perguntaram-lhe o que o negro estava fazendo no palácio. Então, todo cheio de si, ele respondeu aos criados:
- Eu matei o serpentão. E eu vou casar com a filha do senhor meu rei.
E foi ficando por lá. Assim que acabava de almoçar, ou jantar, todos os dias, comodamente instalado numa cadeira de balanço, muito emproado, o negro chamava um dos seus criados:
- Ei, você aí. Me dê o fogo para eu acender o meu cachimbo.
Depois que lhe acendiam o cachimbo, o negro ficava por lá, soltando uma fumaça fedida, cuspindo em todo canto… Era um nojo.
Durante todo o tempo, a princesa vivia muito calma, preparando o enxoval para se casar com o seu príncipe. E ela dizia para si mesma: “Deixe estar, malandro. Você vai ver com quantos paus se faz uma canoa”.
O negro, quando via a princesa, ficava todo assanhado, babando-se, e colocava os dois olhões brancos em cima dela, que até dava medo. O rei e a rainha, quase morrendo de tristeza, assim mesmo iam preparando tudo para o casamento, que já estava perto.
Na véspera do casório, na hora do jantar, quando todos estavam sentados à mesa, bateram palmas na escadaria do palácio. O criado foi ver quem era. E voltou bem rápido, dizendo que era um príncipe que queria falar com sua majestade. O rei, imediatamente, mandou que o fizesse entrar.
Foi aí que apareceu um moço formoso ricamente vestido. Ao entrar, fez reverência ao rei, à rainha, à princesa. E cumprimentou todos os cortesões. Depois, explicou que estava ali, para mostrar a todos algo que tinha consigo. Ao mesmo tempo, pediu licença ao rei, para fazer uma pergunta à princesa. O rei, então, concedeu a licença pedida. E o príncipe aproximou-se da princesa e lhe disse:
- Senhora princesa, posso lhe perguntar onde está o objeto que lhe dei, no lugar onde se costumava botar as pessoas que serviam de alimento para a serpente?
O negro, que também estava ali jantando, ficou cor de cinza, ao ouvir tais palavras. A princesa, imediatamente, enfiou a mão ao seio e tirou o anel, que apresentou ao príncipe. O negro, a essa altura, aflitíssimo, não sabia mais o que fazer. Então, o príncipe contou ao rei tudo o que acontecera. Ao terminar de contar, o príncipe enfiou a mão no bolso e tirou as sete pontas da língua da serpente. Quando acabou, pediu a princesa em casamento.
A essa altura, procuraram o negro. Não o encontraram. Ele voara pelas escadas abaixo, quando todos estavam distraídos, escutando o príncipe. E ele se escondera no chiqueiro.
Todos os que estavam na sala ficaram muito contentes, pois gostavam muito da princesa, que era bondosa e bonita. Bateram muitas palmas e abraçaram o príncipe. O rei e a rainha não cabiam em si de tanta alegria. A princesa, então, nem se fala.
Foi aí que começou a verdadeira festa do casamento. Quando acabaram as palmas e os vivas, a princesa contou o que vira o negro fazer, ao encontrar a serpente já morta. E o rei, num instante, ficou todo furioso. Mandou agarrar o negro e enforcá-lo.
O casamento do príncipe e da princesa teve uma festa tão grande, mas tão grande, que durou um mês inteiro.