Havia um padre que nunca tinha tido na sua vida um cuidado. Nada o preocupava, a ponto de ele ter escrito, em sua porta, o seguinte: “AQUI MORA UM PADRE SEM CUIDADOS.” O rei, sabendo disso, ficou muito admirado e disse que queria saber se era verdade o que aquele padre tinha escrito em sua porta.
O rei, então, mandou chamar o padre. E logo que ele chegou, perguntou ao rei qual era o fim daquele chamado. Aí, disse-lhe o rei que era para saber se, com efeito, o padre nunca tinha, em sua vida, cuidados.
Disse-lhe o padre que, na verdade, não havia coisa alguma que o tivesse preocupado. E que passava sua vida sem ter cuidados. Então, disse-lhe o rei:
- Eu quero que, daqui a três dias, o senhor venha me responder, sob pena de morte, a três perguntas que vou lhe fazer.
Despediu-se o padre. E saiu do palácio já todo cheio de cuidados. Chegou a sua casa só pensando na sentença lhe dada pelo rei. Veio o jantar, mas o padre não quis comer, de tão preocupado que estava. E deitou-se em uma rede, muito pensativo.
No outro dia, o padre ainda não quis almoçar. E o criado, ao ver a aflição do padre, perguntou-lhe a razão por que ele estava tão aflito e sem querer comer.
Respondeu-lhe o padre:
- Ah, criado, é que eu estou cheio de cuidados. O rei me mandou chamar. E me disse que, sob pena de morte, eu hei de lhe responder a três perguntas que ele irá me fazer. Isso, é claro, me tem dado muito a pensar, pois não sei mesmo o que hei de lhe responder.
O criado, vendo o vexame com que estava o padre, disse-lhe:
- Não tem nada. Se Vossa Reverendíssima quiser, eu vou em seu lugar, para eu responder às perguntas do rei.
O padre não acreditou nem quis acreditar na proposta do criado. Mas o criado voltou a insistir, pedindo ao padre que ele lhe desse a sua batina. E que o padre ficasse descansado, porque ele lhe prometia que iria desempenhar bem o seu papel.
No dia designado pelo rei, o criado rapou bem a barba e o bigode, abriu uma coroa, vestiu a batina do padre e foi para a casa do rei. E, logo que o rei o avistou, mandou que ele se sentasse. E, na presença de toda a corte, fez-lhe a seguinte pergunta:
- Diga-me, padre, quantos cestos de areia têm ali naquele monte?
O padre sem cuidados levantou-se, olhou para o monte designado pelo rei e lhe respondeu:
- Ora, rei meu senhor, é só isso? Saberá Vossa Real Majestade que ali tem um cesto de areia.
Disse-lhe o rei:
- Um só? Como assim?
Tornou o padre a lhe falar:
- Vossa Real Majestade, mande fazer um cesto muito grande, que abranja todo o monte. E eis aí o que lhe digo.
Aí, todas as pessoas presentes bateram muita palma, e o rei ficou muito satisfeito. Depois, fez-lhe a segunda pergunta, que foi a seguinte:
- Diga-me, padre, quantas estrelas têm no céu?
O padre, então, deu umas voltas pela sala e disse-lhe:
- No céu, Vossa Real Majestade, há tantos milhões de milhões de estrelas.
E deu uma soma muito grande. O rei, que também não sabia, concordou com que o padre lhe dissera. A terceira pergunta do rei foi a seguinte:
- Eu quero, padre, que me diga o que é que eu estou pensando?
Virou-se o padre para o rei e lhe disse com firmeza:
- Vossa Real Majestade pensa que está falando com o padre sem cuidados? Pois o senhor está é falando com o criado dele.