Uma vez, havia, num lugar retirado duma cidade, uma velha que tinha três filhas: uma de um só olho, outra de dois, e outra de três. Perto da casa da velha, havia uma outra casa, onde morava uma moça muito bonita. Por essa moça, enamorou-se o príncipe real do reino do Limo Verde, que a visitava toas as noites e lhe estava dando muitas riquezas. A velha vizinha, então, entrou a desconfiar daquelas riquezas. E, uma vez por outra, ia à casa da moça para ver se pilhava alguma coisa. E nada.
Uma vez, sua filha mais velha, que tinha três olhos, lhe disse:
- Minha mãe, me deixe ir passar a noite na casa da vizinha, que eu descubro o segredo.
A velha concordou, e a moça dos três olhos foi. Chegando lá disfarçou:
- Ó vizinha, há muito tempo que não lhe vejo. Vim hoje passar a noite com você.
- Pois não, vizinha. A casa está às ordens. - respondeu a bela namorada.
Quando foi na hora de irem dormir, a dona da casa deu à sua companheira, em lugar do chá, uma dormideira. A moça dos três olhos ferrou no sono como uma pedra. Roncou toda a noite e não viu nada.
O príncipe real do Limo Verde, como de costume, encantado num grande e lindo papagaio, foi chegando e batendo com as asas na janela do quarto. A namorada abriu-a, e ele foi dizendo:
- Dai-me sangue, dai-me leite, ou dai-me água.
A moça apresentou-lhe um banho numa grande bacia. O papagaio caiu dentro da água a se arrufar e bater com as asas. Cada pingo de água que lhe caía das penas era um diamante. E assim é que a moça ia ficando cada vez mais rica. O papagaio, no banho, desencantou-se num lindo príncipe, que passou a noite com a sua namorada. De madrugada tornou a virar em papagaio, bateu as asas e foi-se embora. A mulher dos três olhos não viu nada. Voltou para casa e disse à mãe que tudo eram boatos falsos e que, na casa da vizinha, não havia novidade.
Daí a tempos, a irmã de dois olhos se ofereceu para ir passar também uma noite na casa da vizinha. Foi e chupou da dormideira. Pegou no sono. E veio o papagaio, e ela nada viu. Voltou para casa sem descobrir o segredo.
Passados dias, a moça de um só olho se ofereceu à mãe, dizendo:
- Agora, minha mãe, minhas irmãs já foram. E eu quero também ir descobrir o segredo.
As irmãs caçoaram muito dela:
- Quando nós que temos mais olhos do que tu, não vimos nada, quanto mais tu que tens um só.
Enfim, a velha consentiu. E a sua filha de um só olho foi. Chegando lá, fez muita festa à rica vizinha e, quando foi à hora da ceia, fingiu que bebia a dormideira. E derramou-a no seio. Deitou-se e fingiu que estava dormindo. Lá para alta noite, chegou o grande e bonito papagaio, batendo com as asas na janela. A dona da casa abriu, e ele se desencantou num moço muito formoso. E, como das outras vezes, dentro da bacia do banho ficou muito ouro e muitos brilhantes, que a namorada guardou. A sujeitinha de um olho só via tudo caladinha. No outro dia bem cedo, largou-se para casa e contou tudo à mãe.
No dia seguinte, a velha foi quem veio passar a noite na casa da moça. Quando entrou para o quarto de dormir, disfarçou e colocou umas navalhas bem afiadas na janela, por onde tinha de entrar o papagaio. Ele, quando veio, se cortou todo nas navalhas e disse para a namorada:
- Ah, Maria ingrata, nunca mais me verás. Só se mandares fazer uma roupa toda de bronze e andares até ela se acabar.
Bateu asas e voou. A moça, que não esperava por aquilo, ficou muito desgostosa. E logo compreendeu a razão das visitas daquela gente à sua casa. Mandou fazer uma roupa toda de bronze e largou-se pelo mundo a procurar o reino do Limo Verde.
Depois de muito andar, sem ninguém lhe dar notícia, foi ter à casa do pai da Lua. Lá chegando, disse a que ia. O pai da Lua a recebeu muito bem, lhe disse que só sua filha lhe poderia dar notícia de tal terra, que ele não sabia. Mas que ela, quando vinha para casa, era muito aborrecida e zangada com todos. Portanto, a peregrina se escondesse bem escondida. Assim foi. Quando ela chegou, veio muito enjoada, dizendo:
- Aqui me fede a sangue real.
O pai a enganou dizendo:
- Não, minha filha, aqui não veio ninguém. Foi um frango que eu matei para nós cearmos.
A Lua tomou banho e desencantou numa princesa mutio formosa. E foi para a mesa cear. Aí, o pai disse:
- Minha filha, se aqui viesse uma peregrina indagar por uma terra, tu o que fazias?
- Mandava entrar e tratava muito bem. E, se está aí, apareça.
A moça apareceu e disse a sua história. A Lua lhe respondeu que andara muitas Terras. Mas que daquela nunca tinha ouvido falar. Mas o Sol havia de saber. A moça se despediu e, na saída, a Lua lhe deu de presente uma almofadinha de fazer rendas, toda de ouro, com os bilros de ouro, alfinetes de ouro, tudo de ouro. A moça seguiu.
Depois de muito andar, estando já com os vestidos de bronze quase acabados, chegou à casa da mão do Sol. Entrou e disse a que ia. A mãe do Sol a tratou muito bem. Disse que não sabia onde era aquela terra, mas seu filho havia de saber, porque andava muito. O que tinha era que, quando vinha para casa, era muito zangado, queimando tudo. E que ela se escondesse bem. Quando o Sol veio, foi aquele quenturão de acabar tudo e dizendo:
- Aqui me fede a sangue real. Aqui me fede a sangue real.
A mãe o enganou, dizendo que tinha sido uma galinha que tinha preparado para o jantar. O Sol tomou seu banho e se desencantou num belo príncipe. Na mesa, a mãe lhe disse:
- Meu filho, se aqui viesse uma peregrina perguntando por uma terra, tu o que fazias?
- Mandava entrar e tratava muito bem.
Apareceu a moça e disse o que queria. O Sol lhe respondeu que nunca tinha ouvido falar em semelhante terra, que só o Vento Grande poderia saber dela porque andava mais do que ele. A moça se despediu e, na saída, o Sol lhe deu uma galinha de ouro com uma ninhada de pintos, todos de ouro e vivos e andando.
A moça seguiu viagem. E foi ter, depois de muito trabalho, à casa do pai do Vento Grande. Lá chegando, disse a que ia, e o velho pai do Vento Grande respondeu que não sabia, mas que seu filho havia de saber. O que tinha era que, quando vinha, era como um doido, botando tudo abaixo. E que a moça se arrumasse bem num esteio da casa. Assim ela fez. O Vento Grande, quando veio chegando, era aquele zoadão, que fazia medo, botando muros e telhados abaixo e dizendo:
- Aqui me fede a sangue real.
- Não é nada, meu filho. Foi um capão para a nossa ceia.
Assim, o velho foi enganando, até que ele tomou banho e se desencantou num moço muito belo. Na mesa, o pai lhe disse:
- Se aqui viesse uma peregrina, tu o que fazias?
- Mandava entrar e tratava bem.
A moça apareceu e disse o que queria. O Vento Grande respondeu:
- Oxente, ainda agora passei por lá. É perto. Monte-se amanhã na minha corcunda e onde avistar um pé de árvore muito grande e copado, na frente de um palácio muito rico agarre-se nos galhos. Deixe-me passar que é aí.
No dia seguinte, quando o Vento Grande partiu, a moça montou-lhe na corcunda e seguiram. Depois de muito voar, por muitas terras e remos, avistou o pé de árvore na frente de um grande palácio. Vento Grande logo de longe foi dizendo:
- É ali. Agarre-se nos galhos senão eu a levo para o fim do mundo.
Assim a moça fez. Agarrou-se num galho da árvore, e Vento Grande seguiu. Ela desceu e pôs-se embaixo da árvore, imaginando um meio de entrar no palácio, para ver o príncipe, ou ter notícias dele. Com pouco, chegaram três rolinhas e se puseram a conversar nos galhos da árvore. Disse uma dela:
- Manas, não sabiam? O príncipe real do Limo Verde está muito mal. Talvez não escape.
Disse outra:
- E o que será bom para ele?
Respondeu a terceira:
- Ali não há mais remédio. As feridas que ele recebeu na guerra são três e não saram. Só se pegarem a nós três e nos tirarem os coraçõezinhos, torrarem e moerem, e deitarem o pó nas feridas.
A moça ouviu toda a conversa das rolas. Então armou um laço e pegou todas as três. Matou-as, tirou os corações, torrou-os, fez um pozinho e guardou. Lá no reino, tinha-se espalhado a notícia de que o príncipe estava à morte de umas feridas recebidas numas guerras. Não achando um meio de entrar no palácio, a peregrina tirou para fora a almofada de ouro e se pôs a fazer renda. Veio passando uma criada do palácio, viu e foi dizer à rainha, mãe do príncipe:
- Não sabe, rainha minha senhora, ali fora está uma peregrina com uma almofada de ouro, com bilros de ouro, fazendo renda também de ouro. Coisa mais linda que dar-se pode. Só vosmecê possuindo.
A rainha mandou perguntar à peregrina quanto queria pela almofada. A moça respondeu:
- Para ele não é nada. Basta me deixar dormir uma noite no quarto do príncipe, que está doente.
A criada foi dar a resposta. Mas a rainha ficou muito insultada e não quis. Mas a criada lhe disse:
- O que tem, rainha minha senhora? O príncipe meu senhor está tão mal que nem conhece mais ninguém. Que mal faz que aquela tola durma lá no quarto, no chão?
A rainha concordou. Foi a almofada de ouro para o palácio, e a peregrina dormiu no quarto do doente. Logo nesta primeira noite, ela lavou bem as feridas que o príncipe tinha no peito e botou nele o pó dos corações das rolinhas. Mas o príncipe não deu cor de si e não a conheceu.
No dia seguinte, a moça foi outra vez para debaixo da árvore e puxou para fora a galinha de ouro com os pintinhos, que se puseram a andar. A criada veio passando e viu. Correu logo para o palácio e disse:
- Ó, rainha minha senhora, a peregrina está com uma galinha de ouro, com uma ninhada de pintos, tudo vivinho e andando. Que coisa bonita. Só rainha minha senhora possuindo.
A rainha mandou propor negócio. A moça disse que não era nada. Bastava deixá-la dormir mais duas noites no quarto do príncipe. A rainha não queria, mas a criada arranjou tudo, e a moça foi dormir no quarto do príncipe, e deu a galinha e os pintos de ouro.
Na segunda noite em que ela dormiu no palácio, a moça continuou o tratamento. E aí o príncipe foi melhorando e já a ia conhecendo. Na terceira noite, acabou o curativo, e o príncipe ficou bom. Depois que ficou de todo com saúde, saiu do quarto e apresentou à rainha e ao rei a peregrina, como sua noiva. E assim se desmanchou o casamento, que já lhe tinham arranjado com uma princesa vizinha. Houve muita festa na cidade e no palácio.