Literatura do Folclore: O rei Ladislau - conto

Certo dia, o rei Ladislau decidiu marchar, com o seu exército, contra os turcos. Mandou chamar Drácula, o sábio príncipe, a quem amava bastante.

- Meu velho, prometi ao papa, aos venezianos, a João Paleólogo e a Filipe de Borgonha, que desencadearia a guerra contra os infiéis.

- E então?

- É preciso preparar o exército.

- Já?

- Imediatamente.

- Mas eu havia prometido, jurado sobre o Evangelho, que ficaria, por dez anos, em paz com os turcos.

- Eu também tinha jurado, disse-lhe o rei Ldislau. - Mas Deus, se estou certo, não me punirá por falhar ao juramento. Vou combater pela fé, ao lado do pontífice.

Drácula não soube nem ousou dizer mais nada.

O exército ficou preparado ao cabo de algumas semanas. E Ladislau, comandando os seus guerreiros, deixou as terras polonesas, transpôs as montanhas, atingiu a imensa planície de Warma. E, ali, acampou com seus homens. Tinha, diante de si, a verde extensão marítima.

- Aqui estamos, dizia ele, apontando o dedo para o cenário das ondas. - Estamos aqui. Os navios aliados, os navios do papa, dos genoveses, dos venezianos, aparecerão ali adiante. Estarão aqui, dentro em pouco. Talvez hoje. Quando muito, amanhã.

O príncipe olhou as águas convulsas. E examinou, com seus agudos olhos de falcão, a linha escura do horizonte.

Não se viam as galeras de Veneza nem os ágeis veleiros de Gênova, nem a frota pontifícia.

Assim se passaram os dias. Muitos dias. Demasiados dias. A pátria estava agora mui distante. Lá atrás das altas montanhas. E a espera se transformava em pesadelo. Ladislau, porém, não queria confiar a dúvida ao amigo. Continha a sua desesperada ânsia. Parecia-lhe estar alimentando, no íntimo, uma ave de rapina: um gavião que lhe bicasse e roesse o fígado. Finalmente, resolveu confidenciar ao príncipe:

- Mas não estão vindo? Por que será?

Drácula estava triste.

- Você havia jurado, relembrou o príncipe ao rei. - Você jurou sobre o Evangelho. Você recorda?

- É verdade. Deus pode até me castigar. Mas, agora, é tarde para retroceder. E eu não posso mais voltar.

Não podia. No entanto, o exército já dava sinais de impaciência. Os víveres começavam a escassear.

Um dia, ao romper da aurora, o mar se coalhou de velas. Navios, navios e navios. Estavam mui distantes lá na fímbria do horizonte. Avançavam lentamente, quase insensivelmente. Os soldados da Polônia dormiam debaixo de suas tendas. Mas Ladislau e Drácula, despertos, estavam vigilantes na praia, observando e falando.

- Olha! - gritou o rei. - Olha! Nossos amigos estão chegando.

- Não se iluda, retrucou o príncipe. - Aqueles não são os amigos.

Ladislau fez-se sombrio e falou-lhe:

- Isso mesmo, agora eu estou compreendendo. São os turcos. Mas não devemos dar sinais de debilidade. Vamos combatê-los e vencê-los.

Os guerreiros foram acordados no mesmo instante. O mal-estar, o aborrecimento, o tédio da longa espera, se transformaram, num relance, em generoso entusiasmo.

Foram verdadeiros heróis os soldados poloneses. Com violenta barragem de flechas, tornaram dificílimo o desembarque aos inimigos. Mas os turcos eram numerosíssimos. Conseguiram, finalmente, pôr o pé em terra. Além do grande número, tinham muitas armas aperfeiçoadas e sobravam-lhes os víveres. Assim, a batalha acendeu-se no mesmo instante. E durou implacável e crudelíssima dois longos dias. E duas intermináveis noites. Os poloneses faziam milagres. Pareceu, finalmente, que os invasores, exaustos, tinham decidido retirar-se.

Ladislau, que à testa de seus homens combatera como um leão, estava orgulhoso.

- Viu aí? - disse o rei a Drácula. - Os infiéis se afastam. Todos estão atemorizados com a nossa bravura.

Os adversários, efetivamente descurando os próprios navios, iam fugindo a cavalo. Tinham jogado, no lombo de suas montarias, os sacos do tesouro do sultão. Quantos sacos. Todos cheios de ouro, de moedas, de pedrarias, de pérolas. E olha só o que estava acontecendo: aqueles sacos, que encerravam fortunas fabulosas, estavam cheios de buracos, pelos quais iam escapando moedas, pérolas… e iam-se formando esteiras de pedrinhas redondas e brancas, ou de loiras peças reluzentes, em pós, enquanto os cavalos corriam apressados. Como eram estúpidos os turcos, foi o pensamento geral, ao ver tamanho desperdício. Na ânsia da fuga, no temor de um assalto, os turcos iam dissipando o tesouro do monarca. E aquelas moedas, aquelas pérolas, aqueles diamantes, despertaram a cobiça dos guerreiros poloneses. Muitos se lançaram na perseguição da opulenta esteira. Outros os imitaram. Até que, todo o exército, dali a pouco, acabou se atirando atrás da riqueza esparramada.

Os turcos, que haviam preparado o estratagema com infernal astúcia, voltaram-se, de repente, apanharam os contendores agachados no chão, à cata da riqueza, e os aniquilaram facilmente. Assim, a guerra desejada, pela teimosia do rei, terminou com a derrota dos poloneses.

Depois do fim da mal-aventurada, os poucos sobreviventes procuraram Ladislau. Mas Ladislau, não obstante as pacientíssimas pesquisas, não foi encontrado nem entre os vivos, nem entre os mortos. Os vencidos se inclinaram à despótica vontade dos vencedores. Sepultaram os mortos e, depois, alquebrados e humilhados, retornaram à pátria.

Guiava-os Drácula, o amigo do monarca desaparecido. Entre todos, o príncipe era o mais triste. E repetia como um estribilho: “Não respeitou o juramento”.

Passaram-se uns quantos anos. Drácula, por muitos lustros, viveu solitário, num castelo alpestre. A velhice não lhe decorria em paz. Pensava na tragédia de Warna, na guerra funesta, que atirara o generoso povo da Polônia à humilhação e à miséria. Pensava em Ladislau, desaparecido de maneira tão misteriosa. E sentia-se como responsável por todos aqueles males. Deveria, naquela ocasião, ter dissuadido o rei da ideia desastrada. Dizer-lhe, com rudeza, o que pensava da catastrófica expedição: “Você é um perjuro. Vai ofender a Deus. Como poderia do seu gesto sacrílego nascer um bem?”.

Daí por diante, Drácula só esperava a morte. Mas lhe veio uma ideia: gastar os últimos dias de sua existência, fazendo uma romaria. Pretendia ir até Roma, pedir a bênção do papa. Decidiu pôr-se a caminho, mas verificou que seu projeto, devido à extrema fraqueza da sua idade, era impraticável. Parou, então, à margem de um rio, para tomar alento e meditar sobre o que deveria fazer.

Um camponês, vendo aquele ancião trêmulo e débil, apiedou-se:

- Você está precisando de alguma coisa, meu bom velho?

- Escute-me. Eu pretendo dirigir-me para qualquer lugar santo. Havia prometido a Deus uma peregrinação a Roma, pensando poder chegar até a Cidade Eterna e arrojar-se aos pés do papa. Mas as forças me estão faltando.

- Roma, meu bom amigo? Isso é uma ideia louca. E você não vai conseguir, por causa da sua idade avançada. Roma é longe, muito longe. Você poderá morrer de cansaço, de fome, talvez antes de chegar lá. Se algum remorso atormenta o meu bom amigo, você poderá procurar o ermitão do bosque. Ele é muito velho, mas lê nas almas, como em livro aberto. Quando ele fala, parece que é Deus que está falando pela sua boca.

Drácula agradeceu o conselho. E mergulhou na selva, em busca do ermitão. Encontrou-o, ao cabo de curta caminhada. Ele estava rezando, ajoelhado diante de uma capelinha de ramos.

Drácula sentou-se num tronco caído e quase apodrecido. Não querendo perturbar o santo homem em suas práticas piedosas, não interrompeu o êxtase místico daquele ancião. Mas o velho ermitão, afinal, deu pela presença do visitante. E se dirigiu a ele.

- Que quer o irmão aflito? - perguntou-lhe o ermitão. - Parece-me que há um furacão em sua alma? É arrependimento, remorso, inquietação, afligindo-o? Pecou muito? Sofre agora demais? Confie-me tudo irmão, em nome de Deus.

O príncipe, a chorar, contou-lhe a história. O ermitão olhava-o, com seus olhos encovados, mas que eles tinham adquirido brilho e ardor, como se uma juventude milagrosa se tivesse apossado deles.

- Não me reconhece, irmão? - perguntou a Drácula aquele ermitão, com voz comovida, quando ele havia terminado a sua confissão. - Não me reconhece, irmão?

Os dois velhos se fixaram, em silêncio profundo. O príncipe, afinal, lançou um grito:

- Ladislau.

- Sim, sou eu mesmo. Sou o rei Ladislau. Quis eu, com uma existência de renúncia e de orações, merecer o perdão de Deus. E você, agora, me perdoará? E os meus súditos, meus filhos, me terão perdoado?

- O culpado sou eu, disse-lhe Drácula. - Eu deveria, naquela ocasião, insistido que você desistisse daquela guerra.

Ladislau, abrindo os braços, acolheu o velho amigo, num longo abraço fraternal. E, por muito tempo, os dois ficaram assim, coração a coração. Depois, os corações foram absorvendo as pancadas um do outro, até pararem suavemente, até silenciaram. E duas almas, livres do invólucro terreno, subiram aos céus, rumo à luz eterna. 

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