Literatura do Folclore: O rei que teimou com Deus - conto

Havia um rei que tinha uma filha. Quando a princesa nasceu, a fada que assistiu ao seu nascimento disse-lhe que Deus dera a sina para ela não se casar e viver à toa.

- Qual nada. - disse-lhe o rei. - Deus governa o reino dele, e eu governo o meu.

Quero ver se ela casa ou não.

Mandou, então, construir uma torre muito alta. E, quando a filha tinha quinze anos, botou-a lá em cima, em companhia de uma velha. Água, comida, roupa, tudo o que era preciso, enfim, subia num cesto, por uma corda. De ser vivo, só ele entrava na torre.

Um belo dia, o rei cismou de fazer uma ponte por cima do mar. Mas, tendo gasto já um dinheirão, e faltando muito para chegar ao outro lado, ele mandou que a obra fosse interrompida.

Um dia, um rapaz, que foi passear na ponte, escreveu lá:

           “Quem dinheiro tiver fará o bem que quiser”.

O rei, ao passar por ali, e ler aquilo, escreveu por baixo:

           “Dinheiro eu tive e não fiz o que bem quis.”

Depois, o rapaz escreveu, em resposta ao rei:

            “Cala-te, louco. É que o dinheiro foi pouco.”

O rei, quando viu aquela resposta, mandou anunciar que se apresentasse ao palácio a pessoa que escrevera aquelas coisas. O rapaz apresentou-se. O rei, então, disse-lhe que, em virtude de ele ser tão sabido, dava-lhe um mês para fecundar a princesa, que estava guardada na torre. Se não o conseguisse, seria enforcado. Depois, como achava que o rapaz não entraria na torre, ficou muito sossegado e mandou-o embora.

O rapaz quase morreu de tristeza diante daquilo. Mas nada pôde fazer, para voltar atrás.

O mês foi se passando. Já estava em mais da metade, e ele ainda não achara um meio de entrar na torre. Um dia, quando andava passeando, furioso da vida, aproximou-se dele uma velha e pediu-lhe uma esmola.

- Saia daqui, velha. - respondeu ele. - Eu já estou danado da vida, e você ainda vem aqui me amolar?

- Diga por que está tão zangado, meu netinho. - continuou a velha. - Talvez eu possa ajudá-lo.

O rapaz não quis dizer nada. Mas a velha tanto insistiu que ele lhe contou tudo o que acontecera. Então, a velha lhe disse:

- Ora, meu netinho. É só isso? Não há nada não. Mande fazer um santo Antônio de sua altura, muito bonito e oco, com uma pontinha atrás. Arranje um carrinho para pôr o santo e puxá-lo. Avise-me quanto tudo estiver pronto. Aí, eu vou à sua casa, você entra no santo, e deixe o resto por minha conta.

O rapaz fez tudo o que a velha mandou. E, quando o santo ficou pronto, a velha saiu pela rua com o santo no carrinho, pedindo esmola, até que chegou ao palácio. Quando o rei viu aquele santo Antônio tão bonito, ficou maravilhado. E pediu à velha que o deixasse ir mostrar a imagem à filha. A velha fez um berreiro tremendo, gritando que não se separaria do santo por nada neste mundo. Mas o rei ofereceu-lhe muito dinheiro, e ela concordou. A moça, assim que viu o santo Antônio, gostou muito dele e pediu ao pai que o deixasse lá com ela, por alguns dias, a fim de que se distraísse um pouco, pois vivia muito triste, sem nada ter para fazer. O rei consentiu e deixou o santo. Quando a velha o viu voltar sozinho, fez outro berreiro danado, dizendo-lhe que, dentro de dois dias, voltaria para buscar o santo.

À noite, quando a dama de companhia da princesa foi deitar-se, o rapaz saiu de dentro do santo e apresentou-se diante da moça que, em vez de se assustar, ficou muito contente. O rapaz, então, dormiu com ela, à noite inteira. E, no outro dia, os dois ficaram trancados no quarto. A princesa disse ao pai que estava doente. E só havia saído do quarto para pegar a comida.

Assim se passaram dois dias. Quando o rei foi buscar santo Antônio, a moça chorou tanto que ele se viu obrigado a deixar a imagem na torre, por mais uma semana. Era isso mesmo que ela queria…

A velha fez um barulhão danado. Mas o rei deu-lhe mais dinheiro, e ela ficou calada, prometendo-lhe voltar no fim de semana, para levar o seu santo, houvesse o que houvesse, pois era só ele quem lhe fazia companhia em casa.

Foi dito e feito. No fim de uma semana, lá estava a velha na porta do palácio. A princesa ainda não queria que tirassem santo Antônio de perto dela. Mas o rei, vendo que a velha estava de perto, desesperada, não teve outro jeito, senão entregar-lhe santo Antônio.

Quando se esgotou o mês de prazo, e o rei já estava esperando o rapaz, para mandá-lo enforcar, ele apareceu muito lampeiro, dizendo-lhe:

- Saiba, vossa majestade, que o serviço já foi feito.

O rei admirou-se muito e perguntou-lhe:

- Feito? Como?

- Mande ver. - respondeu o rapaz.

O rei, então, mandou os médicos examinarem sua filha. E eles lhe disseram que ela estava grávida.

O rei não teve outro jeito, senão casá-la com o rapaz. Quando o padre acabou de fazer o casamento, o rei disse-lhe:

- Aí está: não foi o que eu quis, nem o que Deus quis.

Texto literário de Dantas de Sousa - conto

Texto literário de Dantas de Sousa - crônica

Texto literário de Dantas de Sousa - poema

Literatura do Folclore: Conto

Literatura do Folclore: Ditado e Provérbio

Literatura do Folclore: Qual o cúmulo de...