As hordas tártaras, certa vez, atingiram as planícies plácidas e fecundas do Vístula. Um pequenino exército, comandado pelo velho herói Korab, procurou, com valentia, deter o inimigo, que assolava a sagrada terra natal. Mas os bárbaros eram muitos, e os guerreiros poloneses logo se viram cercados e apertados, num formidável anel de ferro e de fogo. Todavia, não tiveram arrefecido o entusiasmo. Korab, combatendo com ímpeto, apesar do peso dos anos, tombou no campo da glória. Muitos outros varões tombaram com ele. Os sobreviventes continuaram a combater, com redobrado ímpeto, querendo, a todo custo, romper o cerco asfixiante e granítico, que os encerrava e readquirir a liberdade.
E era como se tivessem o coração em fogo e possuíssem membros de aço.
O sangue, em vez de prostrá-los, os exaltava. O perigo centuplicava-lhes as forças. Mas tinham necessidade de um chefe, de um guia. Não se pode combater vitoriosamente, seguindo apenas o próprio impulso. Não se pode, num campo de batalha, abandonar-se à veemência instintiva. Havia mister um comando, o apoio de uma vontade lúcida e enérgica não discutível, que se impusesse e dirigisse os esforços.
Ninguém queria erguer a cabeça nesse mar, em plena tormenta. Ninguém queria assumir a alta responsabilidade de substituir Korab. No entanto, o heroísmo submergia-se na desordem. A audácia combativa era anulada pela anarquia estratégica. Quando a luta, apesar do ímpeto leonino dos poloneses, se ia resolvendo a favor dos tártaros, eis que surgiu um guerreiro misterioso, vestido de branco e vermelho. Ninguém conhecia aquele homem de barba negra, que surgira nas fileiras cristãs e que mostrava olhos luminosos, belíssimos e nobres, e porte varonil. Bem, para o momento não importava saber quem fosse. Chegava dando ordens, como chefe experimentado. E era preciso obedecer-lhe. As palavras do comando altas, claras, enérgicas, eletrizantes, fizeram-se ouvir. Os heróis criaram novo alento, concentraram-se numa compacta massa e atiraram-se ao combate, sob uma única lógica e de granito. Os riachos isolados viram-se unidos e tornaram-se verdadeiro oceano invencível, que rugia e atirava, com ferocidade, os vagalhões. O oceano abalou, enfim, o rochedo da obstinação tártara. O anel de ferro e fogo dos ferozes inimigos rompeu-se definitivamente. Os invasores, batidos, renunciaram à pilhagem e entregaram-se à fuga desordenada.
O guerreiro sem nome, ao redor do qual se comprimiu, em vivas entusiásticos, o exército vitorioso, levantou a espada cintilante:
- Para reerguer-vos, para coordenar os nossos esforços, que teriam sido vãos, ó valentes filhos de nossa altiva terra, vim do mundo da eternidade. Sou Sigismundo, o rei que o povo chamava de sábio.
A figura majestosa foi-se esvaecendo como nuvem. O velho rei retornava ao templo de Wawel, regressava à tumba, para continuar o sono eterno, que o alarido e o fragor da invasão tártara havia interrompido.