Todos, naquela aldeia, respeitava Corisa. Temiam-na e procuravam conquistar-lhe a benevolência.
E, assim, Corisa vivia como uma pequena rainha. Um rico senhor lhe oferecera uma casa muito linda, com as paredes brancas, teto vermelho e portas azuis.
Corisa tinha uma doméstica muito alegre e gentil, que ostentava a descer pelos ombros duas lindas tranças de cabelos negros. Vivia satisfeita. Cantava a varrer a casa e a espanar os móveis. Vivia a cantar ao preparar as refeições. Vivia a cantar sempre quando lavava a roupa da ama. Corisa estava, assim, contente com a própria existência, que decorria em meio da serenidade e da alegria.
Algumas vezes, nos meses quentes, acompanhava a empregada ao rio. E, enquanto a empregada enchia o ar com as suas canções, competindo com as cigarras, ia batendo as alvas peças de roupa. Corisa, então, se estendia na relva. E seus olhos, afundados num vale de rugas, pareciam circundar-se das agulhas douradas do sol.
Então, espalhou-se, na região, a notícia de que Corisa, “a feiticeira”, tinha deixado a sua linda casa de paredes brancas e telhado vermelho. Todos acorriam à beira do rio. E, ali, se deixavam ficar em silêncio, olhando ansiosos. Corisa contemplava aquela gente dissimuladamente, através das pálpebras semiabertas. Satisfazia-se em ver, ao seu redor, aqueles rostos pálidos e ansiosos, aquelas mãos trementes. Com simplicidade, com a voz muita baixa, quase imperceptível. Mas era tão solene o silêncio que se fazia à volta dela que ninguém perdia uma sílaba sequer do que dizia.
Corisa pregava o festino a todos. Profecias breves, sem muitos particulares, nem pormenores.
- Você será uma pessoa feliz. Você, não: deverá sofrer muito. O seu casamento se aproxima. Vejo, ali adiante, uma viúva. E órfãos.
Os acontecimentos davam sempre razão à velhota. O que ela dizia acabava acontecendo. “É uma bruxa”, afirmava a maioria. Ora, as bruxas como se sabe, são amigas de Satanás, E é por isso que elas conhecem o segredo do futuro. E que elas podem fazer muito mal, se assim lhes der na gana.
Para que não fizessem mal, Corisa, que conhecia os segredos dos dias que virão, e que era amiga do Diabo, ela era muito mimada. Vivia rodeada de cuidados e atenções. Os presentes atochavam a casa branca do teto vermelho, tais como: lindas garrafas de vinho generoso, frutas, fazendas finas e das mais vaiadas cores, doces, carne de caça… E também joias e dinheiro.
A criada punha os comestíveis na despensa, os panos na arca, o dinheiro no colchão da ama. E tudo - despensa, arca, colchão - andava abarrotado. E Corisa estava rica, portanto. Mas continuava a sua existência simples.
Um dia, achava-se Corisa na borda do rio. A criada lavava a roupa placidamente. Então, aproximou-se de Corisa uma formosa rapariga, loura e ingênua, como a empregada. Sorria.
- Você será uma mulher feliz, predisse Corisa para a rapariga loura.
Mas a profeta falhou. A loura não foi feliz. O seu sorriso de beatitude se afogou em torrentes de pranto.
“A feiticeira está perdendo os seus dotes mágicos”, começaram a murmurar os maledicentes.
Uma mulher ousou, ela mesma, ir chamar a atenção da feiticeira:
- A existência de Alice é uma coroa de desgraças, um rosário de amarguras.
No entanto, você lhe havia predito a felicidade. Como é que você se enganou assim? Quer dizer que você já não é mais amiga do Diabo?
- Alice? Não me recordo dessa Alice. Você pode me trazê-la aqui, para que eu possa interrogar essa Alice?
- É impossível você interrogá-la. Alice é surda. A coitada é surda de nascença.
- Então, ela não ouviu nem chegou a saber da minha profecia?
- Talvez tenha sido uma fortuna para ela. - a mulher disse a Corisa. - Pois, assim, ela não sofreu uma decepção.
- Tonta, tonta, advertiu-lhe Corisa. - Quer dizer que você acredita, então, que eu vejo o futuro? Eu só leio no livro aberto dos rostos. Para aquelas pessoas que eu julgo de alma honesta e gentil, eu predigo a alegria e a felicidade. Para aquelas pessoas que se me afiguram de rosto perverso, não hesito em prognosticar o sofrimento. E, para aquelas pessoas, em cuja fisionomia transparece um coração sem bondade e sem maldade, prevejo um destino neutro. Assim elas, sugestionadas pelas minhas palavras, acabam criando a própria sorte: alegre, triste, ou insulsa. Mas a pobre surda, não tendo podido ouvir o meu vaticínio amável, não procurou viver segundo ele.
- Então, perguntou-lhe a mulher, por que você não ajuda todos os seres humanos, que vêm até você, a serem felizes, distribuindo a todos os prognósticos risonhos?
- Porque, concluiu Corisa, de rosto sério, nem todos os homens merecem a felicidade. Nem todos os seres humanos saberiam ser felizes, honestos e a viver ingenuamente. Pois é preciso haver, na face da terra, certa justiça.
Mas a mulher não compreendeu muito bem a revelação de Corisa. Só que, na aldeia, Corisa continuou sendo considerada a grande feiticeira.