O velho herói Akirba, de tanto haver passado uma longa existência de fadigas e glórias, pensou em se casar, para levar, dali em diante, uma vida retirada e tranquila. Tinha o anseio da paz, da solidão, onde construísse um lar. E, ainda, das venturas de uma família. Por isso, mandou construir uma linda casinha de teto vermelho e de paredes brancas, rodeada de flores. E, por fim, saiu à procura de uma noiva.
Caminhou um dia, dois dias, três dias. E chegou a um prado verdíssimo, que resplandecia ao sol de maio. Muito cansado, Akirba estirou-se no solo, para descansar. Por cima dele, no céu azul, brilhava a curvatura policroma de um arco-íris. E, naquele arco-íris, uma jovem loura, gentil, estava cosendo, com fios de ouro, um vestido de seda vermelha.
O velho contemplou-a, por alguns instantes, totalmente embevecido. Depois, com voz comovida, trêmula de emoção, perguntou-lhe quem era.
- Eu sou a filha do Ar, respondeu a donzela, sem tirar os olhos do trabalho. - Chamo-me Rika.
- Ó, Rika, por que você não se casa comigo? Eu sonho ter uma esposa como você: muito bela e muito alegre. Você não queria se tornar a pérola da minha casa, a dona e soberana do meu lar de teto vermelho e paredes alvas? Bordaria com fios de ouro e prata as minhas camisas, acenderia o fogo, prepararia o pão com queijo, encheria o meu copo de alvejante leite, nos dias de calor, me serviria o refresco de mel coce, igual a esses seus olhos refrescantes e ao seu sorriso.
A donzela encarou o velho, com ar espantado.
- Não me parece, disse-lhe Ar, com um sorriso irônico, ser você o esposo adequado para mim.
- Por quê? Eu sei que sou um velho, ao passo que você é a flor das alturas, é a graça da primavera. Mas fique sabendo: minha alma flameja de sonhos e de ardor, meus membros ainda têm a rijeza do aço. Posso fazer milagres.
Mia uma vez, Rika sorriu com ironia para o velho:
- Você, pode fazer milagre? Ah, é? Pois bem, faça um: construa um navio e vá singrar os mares.
- Satisfarei, sim, esse seu desejo caprichoso. Mas me diga: depois de tudo terminado, você se tornará a minha esposa?
- Sim, afirmou Ar. - Um marido que realiza prodígios é interessante, mesmo que ela tenha os cabelos da cor da neve.
Akirba tirou o manto de viajor. E atirou-se ao trabalho. Arrancou com as mãos possantes a árvore, sob cuja madeira parara para descansar, apanhou o tronco dela, escavou-a, aplainou-a. E, dentro de pouco tempo, uma graciosa embarcação estava pronta, para navegar os mares bravios. Hábil e experimentado, o velho manejava mil ferramentas, quase a um só tempo. Contudo isso, não impediu, que à certa altura, Akirba ferisse um dedo.
O sangue escorreu vermelho e quente da machucada. A menina do arco-íris, a pequenina Rika, olhava do alto, sorrindo com ironia.
Akirba, aflito, procurou fazer parar, com um pouco de erva, o sangue impetuoso. Mas não o conseguia. O sangue escorria, ao ponto de banhar o prado. Só que o navio ainda não havia terminado, e as roupas do velho escorria como se fosse um rio de sangue.
O velho aproximou-se os lábios da ferida e pronunciou palavras mágicas. Mas o sangue continuava fluindo.
Rika não parava de dar suas risadas alegres.
- Você está se divertindo de mim, sua menina malcriada? - urrou o velho como um leão bravo.
- Ora se não estou. Ora se não estou me divertindo.
- Pois, desgraçada, gritou raivoso Akirba, que o diabo arrebente seus pés e arraste você para o seu reino de trevas. Infeliz, não está vendo, não compreende que minhas veias estão se esvaziando, e que minha vida foge nessa corrente de sangue? A culpa é toda sua.
- Minha? - e soltou a donzela uma risada mais irônica ainda. E falou, assim, para Akirba: - Eu não pensava mais do que nos meus bordados, nos meus sonhos e nos meus cismares. E veio você me fazendo essa proposta absurda. E eu, para me vingar, lhe pedi que construísse um navio e fosse para o mar. Eu estava certíssima de que você não terminaria a minha proposta, a tal ponto que não hesitei em prometer a minha mão, se você conseguisse realizar o tal milagre. Mas, quando vi você trabalhando, com tamanho afã, estremeci. E vi que precisava fazer alguma coisa para que não cumprisse o nosso acordo. Aí, eu disse a mim mesma: “Vou ter de me casar com ele? Vou ter de me casar com ele? Vou ter de dar a minha mão de esposa a esse homem de cabelos brancos, com fios de ouro e prata? Preparar-lhe o refresco de mel, acender-lhe o fogo, dar-lhe de comer?”. Foi, então, que decidi procurar meu pai. E lhe pedi que fizesse alguma coisa em meu auxílio. Ainda bem que o martelo que você tinha na mão se revoltou e feriu você só no dedo. Meu pai, o Ar, desviou a pancada mortal que iria desferir em você e atingiu só seu dedo.
- Agora compreendo que cometi uma grande estupidez, ao pretender casar com você - disse Akirba, olhando, com desdém, para a leviana. E continuou: - Agora eu entendi que a neve não pode andar de acordo com as rosas. Nem a sombra não pode ajustar o passo com a luz.
Imediatamente, a corrida de sangue estancou. A ferida fechou-se, e o rio vermelho desapareceu, sem deixar vestígios.
E Akirba não viu mais, no alto, o arco-íris. Nem aquela loira Rika, a menina do sorriso irônico. Ela havia desaparecido. E o céu estava cinzento.
Akirba dirigiu-se lentamente para a sua casinha de paredes brancas e teto vermelho. E, ali, ficou a cismar, de olhos perdidos no horizonte, junto da janela. Sabia, agora, que a casa jamais hospedaria a felicidade de dois noivos. Sabia que, quando seus dias chegassem ao termo, a sua solitária melancolia se iria com ele para os abismos tenebrosos do Além.