Uma vez, a onça quis fazer uma casa. Ela foi a um lugar, roçou mato, para ali fazer a sua casa. O bode, que também andava com vontade de fazer uma casa, foi procurar um lugar. E, chegando ao lugar em que a onça tinha roçado, disse: “Bravo que belo lugar para levantar a minha casa.” O bode, então, cortou logo umas forquilhas e enfiou-as naquele lugar. E foi-se embora.
No dia seguinte, a onça foi chegando. E, vendo as forquilhas enfiadas, disse: “Oh, quem está me ajudando? Bravo, é Deus que está me ajudando”. Botou logo as travessas nas forquilhas e a cumeeira. E foi-se.
O bode, quando veio de novo, admirou-se e disse: “Oh, quem está me ajudando? É Deus que está me protegendo.” Botou logo os caibros na casa. E foi-se.
Vindo a onça, ainda mais se espantou. E botou as ripas e os enchimentos. E retirou-se.
O bode veio e envarou a casa. E foi-se.
A onça veio e cobriu. E foi-se.
O bode veio e tapou. E foi-se.
Assim foram vindo cada um por sua vez, até aprontarem a casa. Acabada ela, veio a onça, fez a sua cama e meteu-se dentro.
Logo depois chegou o bode. E, vendo a outra, disse:
- Não, amiga, esta casa é minha, porque fui eu que enfiei as forquilhas, botei os caibros, envaredei e tapei.
- Não amigo, respondeu a onça, a casa é minha, porque fui eu que rocei o lugar, botei as travessas, a cumeeira, as ripas, os enchimentos e o sapé.
Depois de alguma questão, a onça, que estava com vontade de comer o bode, disse:
- Mas não haja briga, amigo bode. Nós dois podemos ficar morando na casa.
O bode aceitou, mas com muito medo. O bode armou a sua rede bem longe do jirau da onça.
No outro dia, a onça disse:
- Amigo bode, quando você me vir franzir o couro da testa, eu estou com raiva. Tome sentido.
- Eu, amiga onça, quando você vir balançar as minhas barbinhas ali nas goteiras e dar um espirro, você fuja, que eu não estou de caçoada.
Depois, a onça saiu dizendo que ia buscar de comer. Lá, por longe de casa, pegou um grande bode. E, para fazer medo ao seu companheiro, matou-o e entrou com ele pela casa adentro. Atirou-o ao chão e disse:
- Está, amigo bode, esfole e trate, para nós comer.
O bode, quando viu aquilo, disse lá consigo: “Quando esse, que era grande, você matou, quanto mais a mim”.
No outro dia, ele disse à onça:
- Agora, minha amiga, quem vai buscar de comer sou eu.
E largou-se. Chegando longe, avistou numa onça bem grande e gorda. Disfarçou e pôs-se a tirar cipós no mato. A onça veio chegando. E, vendo aquilo disse:
- Amigo bode, para que tanto cipó?
- Fum, para quê? O negócio é sério. Trate de si. O mundo está para acabar, e é com dilúvio.
- O que está dizendo, amigo bode?
- É verdade. E você, se quiser escapar, venha se amarrar, que eu já me vou.
A onça foi e escolheu um pau bem alto e grosso. E pediu ao bode para que a amarrasse. O bode a enlinhou perfeitamente. E, quando a viu bem segura, meteu-lhe o cacete até matá-la. Depois arrastou-a até a casa e largou-a no chão, dizendo:
- Está aqui. Se quiser, esfole e trate.
A onça ficou espantada e com medo. Dali em diante, os dois tinham medo um do outro. Até que, num dia, o bode se pôs junto das biqueiras, tomando fresco. Olhou para a onça. E ela estava com o couro da testa franzido. O bode teve medo e abalou as barbas e largou um espirro. A onça, por sua vez, pulou do mundéu e largou numa grande carreira. E o bode também não ficou para trás. Ainda hoje, os dois correm pelo mundo, cada um para o seu lado.