Literatura do Folclore: Os amores do mar - conto

O mar é volúvel e inconstante. E, por isso mesmo, tem seus instantes de aborrecimento. A terra e a lua são amantes desveladas. Em outros tempos, a terra fora a mais querida. E, então, vivia muito bonita e caprichosa. Mas, depois, esse amor foi decaindo gradativamente.

Não se sabe o porquê. Não se conhece a verdadeira causa. Mas a verdade é que a coisa diminuía, enfraquecia claramente, até que deu a inevitável separação. O amor tem suas esquisitices e exigências. E é causador de muitas desgraças por este mundo.

O mar, porém, de tão volúvel que é, quase nem sentiu. Passou-se logo para a lua, que lhe oferecia outros encantos, outras novidades, até então escondidas e ignoradas. Coisas cheias de sabores adstringentes e de sabores doces e azedos. E a lua entrou logo num período de florescência encantadora. Muito branca, elegantíssima, aparentava frieza. Mas, em verdade, era quente, amorosa e diabólica em seus caprichos.

Enquanto estivera nos braços da terra, o mar jamais sofrera constrangimentos. Gozava de um amor suave, igual, e que tinha qualquer coisa de tímido. Amor de esposos conscientes de seu papel regular, sem avanços nem recuos, sem exaltações, e que repousava na confiança mútua do bem acalentado.

A vida, porém, é cheia de mistérios. E gosta de fazer as coisas mudarem. Brinca de modificar, de repente, os quadros estabelecidos. E, então, tudo fica fora de seu lugar. E tão diferente, às vezes, de nem mesmo se reconhecer.

Assim, também o mar se modificou de uma hora para outra. Aquela placidez da existência tomou caráter inteiramente novo. O mar andava meio velho e alquebrado. E a modificação fez com que remoçasse, com a violência de um adolescente. Desaparecera aquela velha feição de burguês balofo, amigo da tranquilidade doméstica. Seus movimentos íntimos tomaram aspecto até então ignorado. Tornaram-se imprevistos, dependentes do estado psicológico. Quando andava de bom humor, naturalmente tudo corria bem. O peixe abundava, e não havia possibilidade de traições e de morte. Mas, quando acontecia aborrecer-se com qualquer tolice, lá vinha o tumulto da revolta: as ondas levantavam-se à altura de montanhas. O rugido era o de um corpo que sofre, e ele desejava vingança e sangue.

Essa complicação toda surgiu depois que o sol se tornou amante da lua. Então, ele começou a ser acossado por todos os lados. A terra sentiu-se abandonada, mas não desanimou. Tratou de erguer-se e de enfrentar a luta, com todas as suas forças. Tornou-se poderosa. O poder trouxe-lhe um rancor que não conheceu enfraquecimento. O ódio que votava do marido volúvel nunca mais enfraqueceu.

Logo que pode, a terra entrou pelo caminho da vingança pessoal. E tratou de enxotar o mar quando ele, insistente, queria voltar aos seus braços. E logo o mar se aborreceu da lua. E queria voltar ao amor antigo. Mas a terra não estava para isso.

A terra judiou muito do mar. Surrou-o sem dó. E foi daí que ele tomou jeito, que hoje lhe vemos: avança furioso, beija a terra, mas volta logo para trás, para recomeçar em seguida. Mas sem ir nunca além do limite permitido. O mar está domado.

Dizem também que não foi bem assim. E que o mar jamais deixou de amar a lua. E, por isso, quando sente que ela está mais perto, faz enormes esforços para se erguer, até alcançá-la e enlaçá-la com seu abraço poderoso. Depois, a lua se afasta, e ele se retrai, para tornar a intumescer, quando ela de novo se aproxima.

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