Literatura do Folclore: Os dois irmãos - conto

Existiu, noutros tempos, um rei apaixonadíssimo pela rainha, sua esposa. Um dia, porém, a formosa e prendada criatura faleceu. E o infeliz pai concentrou todo o afeto na pequenina princesa, a quem amava mais que à menina dos olhos. A princesinha foi crescendo, crescendo, e tornando-se cada vez mais bela, a ponto de não ser possível encontrar quem se lhe igualasse.

Quando a princesinha completou quinze anos, irrompeu terrível guerra. E o rei se viu obrigado a partir para a tal guerra. Não tinha, no entanto, ele a quem confiar a filha durante a sua ausência. Assim, o rei mandou erguer, em plena floresta, uma grande e poderosa torre. E, ali, acompanhada apenas por uma criada, encerrou as duas ao lado de excelente quantidade das mais sortidas provisões. Depois, mandou um arauto anunciar que nenhum homem, sob pena de morte, poderia aproximar-se da torre.

Pensou o rei, dessa maneira, que fizera tudo para proteger a filha. E partiu para a luta. A princesa e a criada ficaram na torre solitária. Na cidade, todavia, não faltavam valentes príncipes e outros jovens nobres que se sentiam fortemente atraídos pela belíssima jovem. Mas, ao verem que estavam proibidos de falar com a princesinha, zangaram-se com o soberano. E, assim, cuidaram de vingar-se dele.

Aconselhando-se com uma velha mais sabida que as outras, eles resolveram desonrar a princesa e a criada, sem que, no entanto, elas fossem violadas por homem. Aí, a velha prometeu-lhes que os auxiliaria. Enfeitiçou algumas maçãs, colocou-as numa cesta e rumou para a torre.

Quando sentadas à janela a princesa e a criada viram a velha com as belas maçãs, bateram nelas uma grande vontade de saboreá-las. Assim, chamando-a, perguntaram-lhe quanto davam por aquelas maçãs. A velha, com esperteza, retrucou-lhes que não as vendia. Mas, diante das súplicas das duas jovens criaturas, acrescentou que daria uma a cada uma, e que as duas descessem da torre um cestinho. Aí, a princesa e a criada, não percebendo perigo nenhum naquilo, fizeram o que a velha lhes ordenara. E cada uma recebeu a sua maçã.

Ah, aquelas frutas enfeitiçadas possuíam estranho  poder. Ambas ficaram grávidas. E, antes que um ano se escoasse, deram à luz a dois meninos. Ao seu, deu a princesa o nome de Argênteo. Enquanto o da criada recebeu o nome de Valente. Os dois meninos foram crescendo e tornando-se cada vez mais fortes. Além disso, ficaram formosos, parecendo-se com duas cerejas. E até se podiam passar-se por irmãos.

Passados sete anos, soou a hora do regresso do soberano. As duas mães, temendo a severa punição do rei, puseram-se a pensar numa maneira de esconder os dois filhos. Não achando outra solução, dominadas pela mais profunda tristeza, despediram-se deles, descendo os dois, durante a noite, da torre, para que eles fossem tentar a sorte no mundo. A princesa deu a Argênteo uma preciosa faca, como lembrança. Quanto à criada, porém, não tinha o que dar a Valente.

Os dois saíram a caminhar pelo mundo. Depois de viajarem por algum tempo, atingiram uma floresta, na qual se lhes deparou um homem alto, de aspecto esquisito. Trazia, aos lados, duas espadas. Andavam mais ele seis enormes cães. O desconhecido, ao vê-los, saudou-os amavelmente:

- Bom dia, meus filhos, de onde vêm e para onde vão?

Responderam-lhe os dois que vinham de uma torre e que desejavam tentar a sorte no mundo.

- Pois, se é assim, retrucou o desconhecido, olhem: melhor do que qualquer outro, eu sei qual a origem de vocês. Vou dar a cada um uma espada e três cães. Prometam-me que jamais se separarão desses cães.

Os dois agradeceram-lhe o presente e prometeram-lhe o que ele desejava. Depois, despedindo-se, continuaram a caminhar.

Chegados a uma encruzilhada, disse Argênteo:

- Creio que teríamos mais sorte se cada um tratasse da sua vida sozinho. Vamos separar-nos.

- O seu conselho é bom, Argênteo. Mas, de agora em diante, como saberei se você está pensando bem?

- Isto lhe servirá de sinal. Enquanto a água desta fonte correr cristalina, eu estarei vivo. Agora, se ela ficar vermelha e turva, é porque terei morrido. E sei que você vingará a minha morte.

Argênteo, com a faca, escreveu alguma coisa na fonte. E despediu-se de Valente. Assim, depois de andar muito, Valente chegou à corte de um monarca, onde arranjou trabalho. Todas as manhãs, porém, ia à fonte, para verificar como ia passando Argênteo.

Argênteo, sozinho, continuou a andar, vencendo montanhas e vales. Até o dia em que se deparou com uma grande cidade, de aspecto muito triste. As casas estavam cobertas de panos pretos, e os habitantes viviam cabisbaixos e preocupados, como se tivessem presenciado um grande desastre. Argênteo passeou pela cidade e perguntou a algumas pessoas a causa de tamanha melancolia. E aqueles moradores lhe responderam:

- Sem dúvida, você vem de muito longe, senão saberia que o rei e a rainha se viram, certa vez, em alto mar, perante enorme perigo. Tanto que, para se salvarem, tiveram que comprometer as três filhas. Amanhã, o homem do mar virá buscar a maior das três princesas.

O rapaz, contente com a novidade, achou que lá estava uma ótima oportunidade para alcançar riqueza e glória, caso lhe favorecesse a sorte.

No dia seguinte, empunhou a espada, chamou os seus três poderosos cães e rumou para a praia. Ali, viu que traziam da cidade a pobre princesa. Ela vinha acompanhada por um cortesão, que lhe prometera salvá-la. A infeliz chorava amargamente. Quando ela e o companheiro viram o valente rapaz, assustaram-se, julgando tentar-se do homem do mar. O cortesão, com tanto medo, saiu correndo e foi se esconder dentro da copa de uma grande árvore. Argênteo, então, disse à princesa:

- Não tenha medo, formosa donzela, que não lhe farei mal.

- Você não é o homem do mar, que deve vir me buscar?

- Não, respondeu-lhe Argênteo. - Vim aqui para salvá-la.

Alegrou-se a jovem, e os dois conversaram durante muito tempo, amigavelmente. De súbito, Argênteo pediu à jovem que lhe limpasse os cabelos. A princesa obedeceu-lhe, e Argênteo colocou a cabeça no colo dela. Aí, a princesa, tirando um anel de ouro do dedo, amarrou-o, sem que Argênteo percebesse, nos seus cabelos.

Surgiu, então, das profundezas da água, o homem do mar, fazendo um grande barulho nas ondas. Ao ver Argênteo, o monstro encolerizou-se e bradou para ele:

- Por que você está sentado perto da minha princesa?

- A princesa, meu caro, é minha, e não sua.

- Veremos. Agora vão lutar os nossos cães.

Argênteo não hesitou. Atiçou imediatamente seus cães contra os do gigante. A luta foi cruenta. Finalmente, os do rapaz venceram, matando os cães do gigante. E Argênteo, pegando a espada, atirou-se contra o homem do mar. E, de tal modo, atingiu-o que a cabeça do monstro rolou pela areia. O homem do mar, gritando à toda altura, atirou-se para dentro da água, fazendo saltá-la para todos os lados. Argênteo, largando a espada pela faca de cabo de prata, retirou os olhos do homem do mar. E levou-os consigo, após despedir-se da princesa.

Finda a luta e, já adiante, Argênteo desceu o cortesão da árvore, na qual se havia empoleirado. Mas, depois de Argênteo ter desaparecido, o cortesão ameaçou de morte a princesa, se ela não dissesse a todos que fora ele o seu salvador. A princesa não teve ânimo para opor-se. Voltou para a cidade com o cortesão e, no palácio, ambos foram acolhidos com grandes mostras de júbilo. O país inteiro ficou muito radiante quando soube que a princesa maior fora salva das garras do terrível homem do mar.

No dia seguinte, tudo sucedeu da mesma maneira. Argênteo foi para a praia. E, lá, encontrou a segunda princesa, a quem cabia a vez de ser entregue ao homem do mar.

Quando ela e o cortesão, que a acompanhava, viram Argênteo, os dois se assustaram, pois julgaram se tratar do homem do mar. O cortesão, mais que depressa, galgou o topo da árvore. Mas a princesa, submetendo-se ao desejo do corajoso rapaz, limpou-lhe a cabeça, tal qual a sua irmã. Enquanto assim fazia, conseguiu amarrar-lhe aos cabelos o seu anel de ouro.

De repente, saindo da água, surgiu o medonho homem do mar. Tinha três cabeças e vinha seguido de três cães. Contudo, os cães de Argênteo venceram os cães do homem do mar. E Argênteo abateu o monstro com a espada. Depois, pegando a faca de cabo de prata, tirou os olhos do mar e, em seguida, afastou-se. O cortesão desceu da árvore e obrigou a jovem a dizer a todos, quando regressasse a corte, que fora ele o seu salvador. No palácio, acolheram-no com as honras devidas a um grande herói.

No terceiro dia, Argênteo cingiu a espada, chamou os três cães. E, mais uma vez, partiu para a praia. Ali, sentado, viu a princesa mais jovem vir da cidade, acompanhada pelo mesmo cortesão, que afirmava ter salvado as outras duas irmãs. Ela, muito triste, chorava amargamente. Argênteo acercou-se dela e saudou-a cortesmente. Quando a princesa e o cortesão viram o belo rapaz, assustaram-se, pensando tratar-se do homem do mar. O cortesão, bem rápido, foi meter-se no meio da densa folhagem da copa de elevada árvore. Argênteo, notando o terror da princesa, disse-lhe:

- Formosa donzela, não tema, que não lhe farei o menor mal.

- Mas você, indagou-lhe a jovem, não é o homem do mar que vem me buscar?

- Não. Vim aqui apenas para salvá-la.

A princesa ficou radiante por aquele tão valoroso jovem desejar combater, para salvá-la. Os dois conversaram muito. Argênteo, então, pediu para a moça que lhe limpasse a cabeça. De muita boa vontade, concordou a princesa. E Argênteo, deitando-se, colocou a cabeça no colo dela. Quando ela viu aqueles lindos anéis dourados, não resistiu a tentação. E tal qual fizeram as duas irmãs amarrou a eles um anel de ouro, que tirara do dedinho.

Repentinamente, surgiu das profundezas do mar o monstro. E foi com tal violência que as ondas quase subiram ao céu. Dessa vez, trazia seis cabeças e seguiam-no nove cães. Vendo Argênteo sentado perto da princesa, encheu-se de medonha cólera e bradou para ele:

- Que pretende você aí do lado dessa princesa, que me pertence?

- Ora, meu caro, retrucou o valente rapaz, não percebe que ela é minha?

- Veremos, retrucou o homem do mar. - Mas, antes, a luta se desenrolará entre nossos cães.

Imediatamente, Argênteo atiçou os seus animais contra os cães do homem do mar. O combate foi impressionante, mas acabou com o triunfo dos cães do rapaz. Aí, Argênteo, puxando da fiel espada, atirou-se contra o homem do mar e, de um único golpe, lhe cortou as seis cabeças, que rolaram pela areia. O monstro precipitou-se para o mar. O rapaz, pegando a faca de cabo de prata, cortou os doze olhos do monstro. E, saudando a jovem princesa, afastou-se.

Finda a luta, e desaparecido o herói, desceu o cortesão da árvore, que lhe servira de abrigo. E, puxando da espada, ameaçou a princesa de morte caso não afirmasse ter sido ele o seu salvador. Ela não ousou a negar-se a obedecer-lhe. Os dois rumaram, então, para o palácio. O rei, vendo-os sãos e salvos, rejubilou-se com ele toda a corte. O rei deu ordens para que se preparasse suntuoso banquete, com jogos, música e dança. E ao cortesão, como prêmio pela coragem demonstrada, deu por esposa a filha mais moça.

Em plena festa de casamento, estando o rei sentado à mesa com todos os convidados, abriu-se a porta. E Argênteo entrou, seguido dos fieis cães. As três princesas, reconhecendo-o, alegraram-se e levantaram-se, para correr-lhe ao encontro. O rei, muito admirado, perguntou o que significava aquilo. A princesa mais moça narrou-lhe tudo que havia acontecido, desde o começo até o fim. E de que maneira Argênteo as salvara. E também revelara que o cortesão, em todos os momentos, havia se ocultado na densa copa de uma árvore. Confirmando as palavras ela e as duas irmãs, mostraram ao pai, boquiaberto, o anel que haviam amarrado aos cabelos de Argênteo. Argênteo intervindo disse ao rei:

- Majestade, para que não duvide de suas filhas, eis aqui os olhos do homem do mar que eu abati.

O rei e todos os presentes puderam ver que as princesas tinham simplesmente contado a verdade. Aí, o falso cortesão sofreu o merecido castigo, e Argênteo recebeu grandes honras, além de desposar a princesa mais jovem e receber a metade do reino.

Depois do casamento, Argênteo foi morar num grande castelo, com a linda esposa, onde os dois passaram a viver tranquilamente. Uma noite, porém, quando todos estavam adormecidos, alguém bateu a uma das janelas. E uma voz falou baixinho:

- Argênteo, venha cá, que preciso falar com você.

Argênteo, não querendo que a jovem esposa despertasse, levantou-se mais que depressa, cingiu a espada, chamou os seus fiéis cães e saiu. Lá fora, viu na sua frente um medonho gigante, que assim lhe falou:

- Argênteo, você matou meus três irmãos. E eu vim aqui vingar a morte deles. Vamos até a praia lutar.

O jovem aceitou a proposta e acompanhou o gigante. Chegados à praia, encontraram três poderosos cães, pertencentes ao medonho gigante. Imediatamente, Argênteo atiçou os seus contra aqueles. A luta foi ferocíssima, mas, por fim, os cães do gigante foram vencidos. Argênteo, desembainhando a espada, enfrentou corajosamente o gigante. Quando o gigante percebeu que levaria a pior, teve medo e subiu o topo de elevada árvore. Argênteo e os cães perseguiram-no. Os animais ladravam sem cessar.

O gigante pediu a Argênteo que lhe perdoasse:

- Meu caro Argênteo, estou disposto a aceitar um resgate pelos meus irmãos. Mas ordene aos seus cães que deixem de ladrar, para que possamos conversar.

Argênteo ordenou aos cães que se calassem. Mas nada valeu a ordem. Eles continuaram a ladrar e cada vez mais forte. O gigante, então, puxando três cabelos da cabeça, entregou-os a Argênteo, dizendo-lhe:

- Ponha um cabelo em cima de cada um dos cães, e eles se calarão.

Argênteo seguiu o conselho, e os cães se calaram. Deitaram-se imóveis, como que colados ao chão. O jovem percebeu que fora enganado, mas era tarde. O gigante, descendo da árvore, puxou da espada e, de novo, se acendeu a terrível luta, que não durou muito, uma vez que Argênteo, recebendo um golpe mortal, tombou por terra, banhado em sangue.

Voltemos agora a Valente. Naquele mesmo dia de manhã, indo à fonte da encruzilhada, viu-a inteiramente tingida de sangue. Soube, assim, que Argênteo tinha morrido. E lembrou-se da promessa que lhe fizera de vingá-lo. Caminhou, caminhou, e chegou, por fim, a uma grande cidade, onde reinava enorme alegria. O povo apinhava-se nas ruas, e as casas estavam ornadas de púrpura e magníficos tapetes. Valente indagou de alguns transeuntes a causa daquilo tudo. E responderam-lhe:

- Com certeza, você vem de muito longe, para não saber que aqui chegou um dia um famoso herói, Argênteo, salvador das nossas três queridas princesas, uma das quais, a mais jovem, com ele se casou.

Valente perguntou como sucedera aquilo. E, em seguida, continuou a caminhar. Ao cair da noite, atingiu o castelo, em que viviam Argênteo e sua formosa mulher.

Quando cruzou o portão, todos os saudaram, como se ele fosse Argênteo. Sim, na realidade, parecia-se tanto com o irmão que era difícil distinguir um do outro. Ao entrar no quarto de dormir, também a jovem princesa pensou que se tratasse de Argênteo. Correu-lhe ao encontro e disse-lhe:

- Meu amo e senhor, onde esteve durante todo este tempo? Esperei-o preocupadíssima.

Valente preferiu não responder à princesa. Calou-se. Deitou-se com a esposa de Argênteo, mas colocou, entre ambos, a espada desembainhada. A jovem não sabia o que pensar de estranho comportamento do marido. Habitualmente, Argênteo não era assim. Contudo refletiu: “Não é direito a gente querer saber os segredos dos outros”, e não fez observação nenhuma.

Estavam todos adormecidos no castelo, quando alguém bateu a uma das janelas. E uma voz falou baixinho:

- Valente, venha cá, que desejo falar com você.

Imediatamente, levantou-se o nosso amigo, pegou a espada, chamou os três cães e saiu. Lá fora, viu-se na frente do mesmo gigante que matara Argênteo e que lhe disse:

- Valente, me siga, e você vai ver seu irmão.

O jovem seguiu-o. O gigante caminhava na frente. Chegando à praia, viram três enormes cães, pertencentes ao medonho gigante. A alguma distância de onde ocorrera a cruenta luta, banhado no seu próprio sangue se achava Argênteo. E, perto dele, colados ao chão, os três cães.

Valente percebeu logo o que sucedera. E aprontou-se para arriscar a vida, a fim de vingar o pobre irmão. Assim, atiçou os seus corajosos animais contra os do gigante. A luta foi impressionante. Mas, por fim, os seus cães abateram os inimigos. Valente, puxando da espada, atirou-se contra o gigante. Quando o gigante viu que a sorte o abandonava, subiu, com incrível rapidez, o topo de elevada árvore. Valente e os cães perseguiram-no. E os animais puseram-se a ladrar furiosamente. O gigante, humildemente, suplicou a Valente que lhe poupasse a vida:

- Meu caro Valente, eu lhe dou, em troca de seu irmão, um bom resgate. Mas, pelo amor de Deus, mande que esses cães parem de ladrar, para que nós possamos falar.

Disse e entregou-lhe três cabelos, acrescentando-lhe:

- Ponha um cabelo em cima da cabeça de cada um dos cães, e eles se calarão.

Valente, desconfiado do ardil, pegou os três cabelos, mas colocou-os sobre os cães do gigante, os quais, num momento, se esticaram no chão, como que colados.

O gigante, diante do malogro do seu intento, amedrontou-se:

- Meu bom Valente, meu bom Valente, dou-lhe um bom resgate por seu irmão, se fizer as pazes comigo.

- Que pode me dar, que valha a vida de meu irmão, seu maldito.

- Aqui estão duas garrafas. Numa, há água que, derramada sobre um morto, faz que ressuscite. A da outra, tem a propriedade de, ao ser espalhada num lugar, fazer com que todo aquele que toque tal lugar não possa mais se mover. Creio que só dificilmente se encontrarão maiores preciosidades do que essas que eu lhe ofereço.

- Aceito a sua oferta. Mas prometa-me mais uma coisa: a liberdade dos cães de meu irmão.

O gigante, sempre atemorizado, concordou. Então, Valente pegou as duas garrafas e, seguido pelo gigante, afastou-se da praia.

Já tinham caminhado por algum tempo quando, perto da estrada, se lhes deparou uma grande pedra. Valente, correndo, espalhou sobre ela o conteúdo de uma das garrafas, sem que o gigante o percebesse. Assim, quando o maldito pisou a pedra, Valente, sem perder um instante, atiçou contra ele os seus cães. Ele, sem querer, tocou a pedra. Foi só a conta. Ficou grudado, sem poder mover-se. O sol, nascendo naquele momento, iluminou o lugar. E o gigante, explodindo como bolha de sabão, morreu.

Valente voltou para onde estava Argênteo. Derramou sobre ele o conteúdo da segunda garrafa. E teve o prazer enorme de vê-lo ressuscitar. É fácil imaginar o contentamento dos dois irmãos. De regresso ao castelo, foram pelo caminho, narrando as suas aventuras. Valente disse como soubera do perigo corrido por Argênteo. E como, ao chegar ao castelo, todos o haviam pensado que ele era Argênteo. Entusiasmado com a narrativa, não mediu as palavras. E lhe contou que se deitara com a jovem princesa, a esposa de Argênteo. E que ela não tivera a menor suspeita de que não se tratava do marido. Nesse instante, Argênteo, ao ouvir tais palavras, julgou que Valente tivesse tomado liberdades com a jovem esposa. E furioso puxou da espada e varou o peito de Valente, que tombou, ali mesmo, morto. E Argênteo rumou sozinho para o castelo. Quanto aos cães de Valente, não quiseram abandonar o amo. Deitaram-se no chão, ganindo lamentosamente o ferimento.

De noite, quando Argênteo e sua esposa foram se deitar, ele perguntou a sua esposa porque ela falava tão pouco.

- Estou pensando seriamente, disse-lhe ela, no seu comportamento dos últimos dias. Mas o que mais desejaria saber é porque, ontem de noite, você colocou a sua espada desembainhada entre nós…

Argênteo compreendeu que matara um inocente. Arrependido de haver pago tão mal a grande lealdade do amigo, levantou-se imediatamente e correu ao lugar em que se achava Valente morto. Derramou sobre ele a água da vida e molhou-lhe abundantemente o ferimento. Valente ressuscitou, e os dois, muito contentes, voltaram para o castelo.

Ao chegarem, contou Argênteo à esposa como Valente o salvara da morte. Valente foi alvo de grandes honras e homenagens. Passado algum tempo, Valente pediu a mão da segunda princesa. E ficou radiante ao ser aceito por ela e pelos pais. Celebrada com grande pompa a solenidade o casamento, Argênteo deu a metade do reino a Valente. E os dois amigos, tidos como irmãos, viveram sempre em perfeita harmonia.

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