Um pobre pescador, carregados de filhos, andava com as sortes de pernas para o ar. Embora passasse dias e até noites inteiras, em sua barca decrépita e, com ela, se arriscasse a ir até alto-mar, com a esperança de surpreender um cardume viajor, não conseguia apanhar, senão magros peixinhos que mal davam para enganar a fome da família. E é bem de ver que, em casa, a miséria era extrema. Só se vestiam trapos. O fogão passava muitos dias apagados. Nunca surgia ali um motivo de contentamento.
Um dia, mais do que nunca, parecia pesar, sobre a cabana do pobre homem, a mão esquálida de miséria. Não havia ali nem uma côdea de pão, nem uma crosta de queijo, nem um talo de couve. Os filhos imploravam, inutilmente, um pouco de comida. O pescador disse então à mulher:
- Console, como puder, as crianças. Vou ver se apanho algum peixe, custe o que custar.
E lá se foi tentar a sorte. Atirou a rede à água. E, quase no mesmo instante, notou que um peso enorme a arrastava para o fundo. “Deve ser um peixe de bom tamanho”, pensou, esperançado. “Comeremos algumas postas, venderemos uns restantes e, por alguns dias, teremos pão e sal em casa”.
Reunindo as poucas forças que o jejum desses dias não lhe tinha levado, puxou dificultosamente a rede. Ah! Não era nenhum peixe nem nada vivo comestível. Era uma pedra enorme em forma de bola. O homem, desiludido, arrojou-a de volta ao mar. E, pela segunda vez, mergulhou a rede. Suas esperanças se reacenderam quando, ao tentar a rede, viu que estava muito pesada. “Deve ser uma linda parca”, pensou. A ideia lhe deu forças para arrastar o enorme peso para fora d'água. Mas nada de parca, nem de salmão. Era outra vez a pedra, a enorme pedra, em forma de bola.
O pescador estava quase a chorar do desespero. “Um espírito maligno está se divertindo em zombar da minha situação e, ainda, procura me desencorajar”. Mas quem iria o desencorajar? Então, o pai pensou nos filhos a gemer famintos em casa. Atirou a rede pela terceira vez. E o peso incomum, que sentiu nela, tornou-o satisfeito. “Uma dourada, a rainha das douradas”, pensou enquanto se desmanchava em suor, a puxar o peso invulgar. E… mais uma vez, era a tal pedra, em forma de bola.
- Desisto, murmurou consigo. - Levarei esta bola para meus filhos rolarem com ela pelo chão. Talvez eles se distraiam com ela e se esqueçam, por momentos, a tristeza da fome.
Assim, voltou para casa, levando a pesada bola. A mulher e os filhos o cercaram, quando o viram chegar, curvado ao peso.
- Boa pesca não é, pai? - disse um dos filhos.
- É um salmão?… Ou uma parca?… - falou-lhe, meio desconfiada, a sua mulher.
- Coitados, como vocês se mostram esperançosos! - queixou-se os pais. - Mas eu não tenho sorte não.
Nos sulcos, que as rugas haviam traçado no seu rosto fatigado, as lágrimas corriam. Mostrou a pedra. E contou-lhes a inexplicável aventura. Depois, disse à família:
- Estou cansado, muito cansado.
E foi para seu quarto de dormir e atirou-se no leito. Mas não dormiu. Ficou a observar os filhos, que brincavam com a bola. Faziam-na rolar daqui para ali. Mas, como era luminosa aquela pedra estranha! Cada vez que passava por perto da janela, por onde entrava o luar, fulgurava com mil reflexos estranhos. Só que os filhos pareciam não ter reparado naquilo. Assim, o pai esqueceu a sua própria fome e levantou-se. Foi apanhar a pedra e mostrar à sua mulher.
- Olha, mulher, só é uma verdadeira chama branca. É como se fosse de vidro. Ilumina a sala, o rosto das pessoas, e multiplica a luz do luar.
Então a mulher lhe falou:
- É um brilhante, marido. Eu vi dessas pedras, não tão grandes, quando, eu ainda solteira, fui ajudar minha madrinha, camareira do castelo da montanha, no casamento da filha do castelão. Havia muitas nos vestido de casamento. Sei que valiam muito dinheiro.
- É verdade, mulher. Um brilhante, com esse tamanho, não sei qual ourives poderá comprá-lo.
- Pois você vá rápido até o rei, aconselhou-lhe a mulher.
E lá se foi o pescador a toda pressa, até a corte. E exibiu ao rei, estupefato, a grande pedra. O monarca mal conseguia acreditar nos seus olhos.
- Um brilhante único no mundo, falou-lhe o rei. - Parece feito com raios do sol. Que você quer me pedir em troca dele?
- Que, meu senhor rei, dê ao seu humilde servo o que o senhor quiser. Sou um pobre chefe de família, sem outra ambição, Quero mais que sustentar e educar os meus filhos.
- Uma gema como esta vale um reino. Pois eu vou lhe dar três sacos cheios de moedas de ouro.
- Três sacos devem pesar muito, meu senhor rei. - Sim, sim. E eu lhe darei também uma carruagem, puxada por dois cavalos fortes. E vou ordenar que quatro soldados protejam a sua viagem de volta.
Calcule-se a alegria do pobre pescador, voltando para casa num carro todo envernizado, com lindos reposteiros de veludo e com dois cavalos empenachados. Parecia-lhe ter-se transformado em príncipe.
Antes do pescador chegar à casa dele, não se esqueceu de comprar lindas roupas para a mulher e os filhos. E também de lotar o carro com apetitosas iguarias.
Depois que todos almoçaram lautamente, já vestidos com os trajes novos, o homem despejou os três sacos no pavimento da cabana.
- Temos dinheiro em grande quantidade, gritou ele todo animado. - Seria preciso medi-lo com um alqueire.
- Mas não temos alqueire, disse-lhe à sua mulher.
- Pois vai logo, meu filho, ordenou-lhe o pai, até a casa do seu tio. E lhe peça um alqueire emprestado.
O irmão do pescador, que vivia numa linda moradia, à beira-mar, a pouca distância dali, recebeu o sobrinho de muito má cara. Pois ele pensou que o menino vinha lhe pedir comida ou dinheiro, para comprar pão. Aquele senhor era um sujeito muito egoísta e avarento. Nem queria atender os sobrinhos. Mas ficou mais tranquilo quando viu que o menino não oferecia traços de fome. E a sua surpresa não teve limites quando o menino lhe pediu um alqueire emprestado. Desatou a rir e chegou a zombar do menino:
- Vocês vão medir o quê?… O ar?… Ou as pulgas?
- Nós vamos medir moedas de ouro.
- Será que a miséria deixou vocês todos loucos?
- Nem eu nem nós estamos loucos. Papai está com tanto dinheiro que precisa de um alqueire para medir.
O avarento reparou nas roupas novas do sobrinho, no seu ar de contentamento e no seu apetite saciado. E arrependeu-se da caçoada. “Aí tem coisa”, pensou o tio. Então convidou o menino a ir para a cozinha, tomar um lanche. Muito afável depois, disse-lhe:
- Há muito tempo que estou para visitar meu querido irmão. Mas os meus afazeres são muitos e não me permitem. Mas, desta vez, deixe que eu mesmo vou levar o alqueire. E aproveito para fazer uma visita ao meu irmão. Aquele tremendo egoísta mostrava um interesse súbito pelo irmão e pelos sobrinhos. Mas só tinha o desejo de matar a curiosidade, para ver se a história do dinheiro era verdade, e de onde vinha aquela fisionomia satisfeita e os trajes novos que notara no sobrinho.
O avarento ficou assombrado quando, ao entrar na cabana do irmão, a primeira coisa que viu foi aquele montão amarelo, fulgurante, das moedas de ouro.
- Que milagre foi esse? disse, espantado, para o irmão. E os seus olhos brilhavam, à vista da riqueza alheia. Foi aí que o irmão dele decidiu caçoar do seu irmão rico, para puni-lo da avareza e do sórdido egoísmo.
- Chegou-me a notícia, começou a dizer ao irmão, de que a corte estava infestada de enormes ratos. E não havia remédio para o flagelo, que ameaçava aumentar a cada dia. Então, eu levei ao rei dois gatos adestrados, que passaram a caçar os bichos de dia e de noite. E, assim, a praga diminuiu. Então o rei, como você está vendo, me ofereceu esta generosíssima recompensa.
- Como? Tanto dinheiro por dois gatos?
- Exato. E dizem que os gatos, agora, estão fartos e já não caçam. E os ratos estão voltando…
O rico não perdeu tempo. Saiu à procura de gatos. Recolheu quantos ele achou, pagando preços altíssimos. Depois, colocou-os em três sacos. E, com a ajuda e dois servos, levou-os à corte.
Quando anunciaram que estava um leal súdito com um formidável presente ao rei, um presente de alta utilidade, o rei mandou-o logo que ele entrasse na sala do trono. Ali, o homem abriu os três sacos. E os gatos, exasperados pela prisão e os sacolejos da viagem, saltaram em todas as direções. Subiram pelos cortinados, treparam nas mesas. Um deles foi aninhar-se, bufando e mostrando unhas ameaçadoras, bem em cima do dossel do trono.
- Que brincadeira é esta? - gritou irritadíssimo o rei. E ordenou aos servos: - Prendam logo esse homem e cortem-lhe a cabeça, para ele aprender a respeitar o rei.
O avarento, ao ouvir aquilo, mesmo a risco de quebrar as pernas, saltou pela janela. E ergueu-se num segundo, ao cair lá embaixo. E disparou a correr pelo pátio, em direção à saída. E sumiu, sumiu, antes que toda a guarda pudesse tomar conhecimento da ordem real.