Os pescadores têm grande intimidade com as estrelas e conhecem bem seus movimentos. Também conhecem bem o movimento da lua e do sol. Sabem de tudo quando se refere aos astros em relação com a vida do oceano.
Contam, também, que o céu não gostava dessas intimidades. O céu era deixado à margem. Ninguém se incomodava com ele, mesmo porque ele dizia-se que tudo provinha dos astros, na eterna ondulação de seus giros vagabundos. A coisa já começava a tomar jeito de ciúmes, quando Nosso Senhor achou que era tempo de consertar o que estava errado.
Nosso Senhor reuniu os anjos bons e maus. E, depois, tomou rumo seguro nas providências.
A luz, porém, sempre fora muita alcoviteira. Sentindo-se amada e feliz, não se importava de auxiliar os mais esquecidos de fortuna - no caso os pescadores, que nada têm certo, nada têm de seu, e os quais passam a existência atormentada, trepidante, dependendo apenas dos peixes, que nem sempre se deixam apanhar, arisco que só eles.
Os astros, quase sempre mentirosos e indiferentes, falhavam as suas informações. Ficavam arrogantes e orgulhosos, não oferecendo segurança alguma. Os faróis do alto prestavam muito maior serviço à navegação, principalmente quando o mar se intumescia e, coberto de negro, se punha a rugir para o céu revoltado. Era necessário, então, tomar uma medida urgente, para segurança dos homens que vivam sobre o mar, trabalhando nas jangadas.
Foi, então, que Nosso Senhor, graças às alcoviteiras da lua, quis tomar providência, adequada à situação. Ouviu os anjos só por ouvir, só para lhes dar uma satisfação.
Depois, começou a ordenar um grande plano de remodelamento, o que demorou muito tempo de trabalho estafante. Por fim, o céu foi ligado ao mar, no intuito de satisfazer os desejos dos pescadores. A lua era camarada e tanto, e bem merecia ser amada de todo coração.
Todos ficaram garantidos. Sabiam, agora, por onde ir, até conseguirem a realização de seus justos desejos. Os anjos rebeldes teriam de ouvir as suas queixas, e os astros modificariam seus passeios, de acordo com o interesse dos homens.
Fez-se a ligação entre o mar e o céu. A estrada, agora, era livre. O pescador precisava apenas de disposição, para ir pessoalmente advogar seus pontos de vista. Precisava também de um pouco de coragem, para ir até ao fim.
Lá, uma vez ou outra, nota-se a falta de um deles, do qual ninguém tem mais notícias. A jangada perdeu-se, segundos pensam alguns. Pescador e jangada foram pela estrada limpa, que liga o mar ao céu. Foram reclamar diretamente. Foram pedir boa sorte para os companheiros que continuam na labuta.
A viagem é muito longa, e é verdade que o pescador não voltou. Mas todos percebem que a vida melhorou um pouco.